CRENTE NÃO PODE FICAR DOENTE?

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Uma heresia que provém da tese de que o crente não pode sofrer é que o cristão que tem fé não pode ficar doente. Eles dizem que Jesus já levou as nossas enfermidades na cruz, e que, portanto, se Jesus realizou esse ato no passado ninguém mais hoje em dia precisa ficar doente, e todos os crentes verdadeiros tem que ser curados sempre. Eles se baseiam em dois textos bíblicos, o de Isaías 53:4 e o de 1ª Pedro 2:24. Vejamos:

 

“Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido” (Isaías 53:4)

 

“Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados” (1ª Pedro 2:24)

 

A exegese deles é tão pobre e tão superficial que eles não são capazes de perceber dois detalhes importantes nestes dois textos. No de Isaías, não está apenas escrito que Jesus já levou sobre si as nossas enfermidades, mas também que ele já levou sobre si as nossas dores. Mas isso obviamente não significa que o crente não sofre, porque, como vimos até aqui em todo o livro, todos os crentes sofriam, Jesus foi o que mais sofreu, Paulo sofria o tempo inteiro, as igrejas cristãs da época passavam por duras perseguições e por muito sofrimento e é necessário que passemos por muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus.

 

Paulo vai além e diz que nós temos o privilégio de não apenas crer, mas também de sofrer por Jesus (Fp.1:29). Portanto, se os cristãos sofriam tanto – e os que vivem piedosamente sofrem até hoje – então é óbvio que o fato de Cristo ter levado sobre si as nossas dores não significa que nós não podemos sofrer. Por quê? Porque isso só será consumado de fato no futuro, após a ressurreição, conforme está escrito em Apocalipse 21:4:

 

“E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (Apocalipse 21:4)

 

Note que o texto bíblico se refere a crentes, a pessoa já salvas, e não aos ímpios. Em outras palavras, ele está dizendo que a partir daquele momento (i.e, depois da ressurreição) já não haveria mais dor, o que significa obviamente que, enquanto estamos aqui hoje, sofremos. O nosso alívio será na volta de Jesus, como disse Paulo (2Ts.1:7). Ali sim já não haverá mais dor, mas aqui sofremos.

 

Sobre o texto de 1ª Pedro, eles não percebem outra coisa óbvia ali presente: que Cristo também já tomou sobre si os nossos pecados, mas isso não significa que nós não pecamos mais! O fato de Jesus já ter levado sobre si os nossos pecados não significa que nós não pecamos mais, como se nenhum crente pecasse.

 

O mesmo ocorre em 1ª Coríntios 15:54, em que Paulo diz:

 

“Quando, porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: ‘A morte foi tragada pela vitória’ (1ª Coríntios 15:54)

 

Note que “a palavra escrita” que Paulo diz coloca o tempo verbal no passado, dizendo que a morte foi (no passado) tragada pela vitória. Mas o que o texto diz que ocorre no passado, Paulo coloca no futuro, dizendo que, por ocasião da ressurreição, se cumprirá (no futuro) a palavra que foi escrita! Aqui temos novamente a mesma ideia: a morte foi – no passado – tragada pela vitória, mas isso não significa que o crente não morre! Ao contrário: nós morremos e Paulo aplica para o futuro o texto que coloca o tempo verbal no passado!

 

É exatamente a mesma coisa que ocorre em relação às enfermidades. Da mesma forma que Cristo já tomou sobre si os nossos pecados mas nós continuamos pecando, da mesma forma que Cristo já tomou sobre si as nossas dores mas nós continuamos sofrendo, e da mesma forma que a morte já foi tragada pela vitória mas nós continuamos morrendo, igualmente Cristo já tomou sobre si as nossas enfermidades, mas nós continuamos sujeitos às doenças.

 

Da mesma forma que todos os apóstolos sabiam que Cristo já levou nossos pecados e nossas dores – mas também sabiam que nós continuamos pecando e sofrendo – e também sabiam que a morte foi tragada pela vitória – mas também sabiam que os crentes continuam morrendo – eles também sabiam que Jesus já levou nossas enfermidades, mas que isso só seria consumado em nossa vida no futuro, e não agora.

 

Você pode determinar quantas vezes quiser dizendo que não irá morrer porque a morte já foi tragada que mesmo assim você irá morrer um dia, da mesma forma que os proponentes do chamado “Movimento de Fé” morreram – todos. Você também pode “tomar posse da bênção” dizendo que não irá nunca mais pecar porque Cristo já levou nossos pecados na cruz, e eu garanto a você que você não se tornará o Supra-Sumo da santidade, mas continuará pecando até morrer.

 

Assim também, de nada adianta tomar posse da bênção ou determinar a cura porque Jesus já tomou nossas enfermidades, pela simples razão de que, a exemplo dos demais, isso só irá se consumar no futuro na vida dos crentes. Mas por quê? Por que aqueles textos bíblicos colocam no passado algo que está tão claro que somente se consumará no futuro? Porque ainda não se manifestou o que haveremos de ser:

 

“Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1ª João 3:2)

 

É comum os textos bíblicos colocarem no passado uma confiança futura, para expressar a certeza daquilo que um dia haveremos de ser, mesmo que nós não sejamos ainda. João disse que em nós ainda não se manifestou aquilo que haveremos de ser. Quer dizer: dores, aflições, tribulações, sofrimentos, doenças, morte e pecado são coisas que serão definitivamente apagadas da nossa vida na ressurreição da vida eterna, mas não agora. Não ainda. É por isso que nós estamos gemendo em nosso íntimo, aguardando a nossa adoção como filhos:

 

“Nós que temos as primícias do Espírito, gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Romanos 8:23)

 

Cristo já vivificou o nosso espírito (i.e, nosso caráter, moralidade, nosso modo de ser e agir), que de fato já foi e está sendo transformado dia a dia pelo Espírito Santo, mas o nosso corpo continua morto por causa do pecado, mesmo para aqueles que já estão em Cristo. Isso fica claro no texto que Paulo escreve aos romanos:

 

“Se, porém, Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito é vida, por causa da justiça. Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita” (Romanos 8:10-11)

 

As doenças, enfermidades e dores fazem parte do corpo (do físico), que, diferentemente do nosso espírito que é renovado, permanece morto com os efeitos do pecado, ou seja: permanece sujeito a doenças, dores e enfermidades. Ele não é vivificado nesta vida, mas na próxima, na ressurreição da carne. É só então que o nosso corpo também será vivificado, e onde estaremos livres das doenças, dores e enfermidades.

 

Os “teólogos” da confissão positiva invertem essa ordem. Para eles, o nosso espírito e também o nosso corpo já estão vivificados, pois não podemos ficar doentes, e, se ficarmos, temos sempre que ser curados. Já para o apóstolo Paulo, nosso corpo continua morto por causa do pecado, ele só será vivificado por Cristo na ressurreição, e não antes!

 

É por isso que Paulo diz que seu interior se renovava dia após dia, mas seu exterior se desgastava cada vez mais (2Co.4:16). Ele estava dizendo que seu lado espiritual (i.e, sua comunhão com Deus) estava cada vez melhor e crescendo cada vez mais; contudo, seu “homem exterior” (o que obviamente inclui dores, enfermidades, sofrimento, desgaste, cansaço e tudo mais que envolve o lado físico) estava cada vez mais desgastado. Ele não diz que tanto o interior quanto o exterior se renovavam, como creem os pregadores do “Movimento de Fé”.

 

Enquanto estamos nesta vida, vivemos com um corpo “mortal” (1Co.15:53) e “corruptível” (1Co.15:53), sujeito a todos os males que afetam o corpo. A Bíblia não diz que o crente no momento que se converte passa a ter um corpo incorruptível para não ter mais doença nenhuma; ao contrário: diz que também o crente só herdará uma natureza incorruptível na ressurreição dos mortos, e não antes:

 

“Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta, a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” (1ª Coríntios 15:51-54)

 

É por isso que o nosso corpo atual é chamado de “corpo de humilhação”:

 

“Pelo poder que o capacita a colocar todas as coisas debaixo do seu domínio, ele transformará os nossos corpos humilhados, para serem semelhantes ao seu corpo glorioso” (Filipenses 3:21)

 

Para os pregadores do “Movimento de Fé”, Deus transforma os corpos dos crentes no momento em que se convertem, para não mais estarem sujeitos a doenças e para serem curados sempre. Já para o apóstolo Paulo, Deus somente transformará nossos corpos humilhados (que são assim chamados porque estão sujeitos a tudo aquilo que ataca o lado físico do ser humano) por ocasião da ressurreição, no futuro, quando, aí sim, herdaremos um corpo glorioso, semelhante ao de Cristo, sem doença, sem morte, sem dor.

 

Isso explica o porquê que em toda a Bíblia vemos crentes e homens de Deus ficando doentes. O próprio Paulo não era uma exceção a isso. Ele tinha uma deficiência nos olhos, que ele relatou aos gálatas:

 

“Como sabem, foi por causa de uma doença que lhes preguei o evangelho pela primeira vez. Embora a minha doença lhes tenha sido uma provação, vocês não me trataram com desprezo ou desdém; pelo contrário, receberam-me como se eu fosse um anjo de Deus, como o próprio Cristo Jesus. Que aconteceu com a alegria de vocês? Tenho certeza que, se fosse possível, vocês teriam arrancado os próprios olhos para dá-los a mim (Gálatas 4:13-15)

 

Paulo fala duas vezes nestes versos que tinha uma doença, diz que foi por causa dessa doença que pregou o evangelho a eles pela primeira vez – o que indica que ele veio à Galácia a procura de um médico e aproveitou a oportunidade para pregar o evangelho ali – e ainda indica que essa doença era nos olhos e era coisa grande, a tal ponto que era uma provação aos gálatas, que poderiam tratá-lo com desprezo ou desdém por causa dessa doença.

 

Portanto, certamente não era uma doença qualquer, mas algo muito sério, que desfigurava os olhos do apóstolo, algo bem visível, que poderia causar o desprezo de muitos deles, ao olharem para os olhos deformados daquela pessoa. E essa não foi a única vez que Paulo falou sobre essa doença que ele tinha. Aos coríntios, ele disse que chegou a rogar a Deus por três vezes que tirasse aquilo que ele metaforicamente chamou de “espinho na carne”, mas Deus não o atendeu com a cura, ao contrário: disse que a Sua graça lhe bastava:

 

“Para impedir que eu me exaltasse por causa da grandeza dessas revelações, foi-me dado um espinho na carne, um mensageiro de Satanás, para me atormentar. Três vezes roguei ao Senhor que o tirasse de mim. Mas ele me disse: ‘Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza’. Portanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim. Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco é que sou forte” (2ª Coríntios 12:7-10)

 

Quatro coisas importantes podem ser tiradas desse relato de Paulo. Primeiro, que Deus não atende a tudo aquilo que se pede com fé. Paulo foi o maior apóstolo que já existiu, ele pediu três vezes insistentemente a Deus, mas mesmo assim não foi atendido. Se Paulo pediu uma simples cura e não foi atendido, quanto menos serão atendidos aqueles que pedem prosperidade para acumular tesouros na terra neste mundo.

 

Segundo, este texto nos mostra mais uma vez que Paulo sofria com fraquezas, insultos, necessidades, perseguições e angústias, que são todas as coisas que os pregadores neopentecostais mais atribuem aos crentes derrotados, aos fracassados na fé, pois o vencedor deve ter exatamente o perfil oposto a isso.

 

Terceiro, este texto nos mostra que o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza, e não na força. Os pregadores da prosperidade ensinam o inverso: que o poder de Deus se aperfeiçoa na força, quando o crente está rico, próspero, vencendo na vida, tendo sucesso no trabalho, realizando grandes conquistas, ficando sempre curado e nada sofrendo. Eles querem formar crentes “fortes”, o oposto daquilo que Paulo era. Ele não era nem tinha nada disso, era “fraco” fisicamente falando, era desprezado e passava necessidades, mas se gloriava em Deus porque sabia que eram nestas condições que o poder de Deus se aperfeiçoava ainda mais na vida dele!

 

Em quarto, e por fim, este texto nos mostra que Paulo tinha uma doença, que ele orou para que fosse curado e que ele mesmo assim não foi curado. Alguns pregadores do Movimento de Fé contestam isso, dizendo que esse espinho na carne não era uma doença, mas simplesmente as tribulações que ele passava. Isso é claramente negado pelo fato de que Paulo em momento nenhum orou para Deus livrá-lo de passar por tribulações, ainda mais porque ele disse que foi destinado para essas tribulações (1Ts.3:3), que o próprio Senhor Jesus disse o quanto que ele seria atribulado e sofreria (At.20:23), que ele sabia que a tribulação era necessária para ser salvo (At.14:22) e que ele considerava o sofrimento cristão um privilégio (Fp.1:29).

 

Então é óbvio que Paulo não se referia às tribulações, mas a alguma doença, e é quase certo que isso tenha relação com a mesma doença que ele disse aos gálatas (Gl.4:13-15), sua doença nos olhos. Como todos nós, Paulo também não queria continuar doente. Ele orou a Deus, não determinou, não exigiu nem tomou posse de nada, apenas “pediu” (rogou), mas recebeu um “não” como resposta por três vezes, até que se convenceu de que não era da vontade de Deus que ele fosse curado. Foi por meio daquela doença que ele pregou aos gálatas (Gl.4:13), e por meio dessa fraqueza que o poder de Deus se aperfeiçoou nele (2Co.12:9).

 

Outro personagem bíblico que sempre tinha enfermidades era Timóteo. Ele foi discipulado por Paulo, que o chamava de “filho” (1Tm.1:2,18). Era temente a Deus, assim como a sua mãe e a sua avó (2Tm.1:5). Paulo disse que a fé dele não era fingida (2Tm.1:5), e que ele era um obreiro (2Tm.2:15) e um evangelista (2Tm.4:5) na obra de Deus. Duas epístolas do Novo Testamento foram dedicadas a ele – nenhum outro cristão recebeu duas cartas canônicas. E, mesmo sendo ainda muito jovem (2Tm.2:22), Paulo diz que ele sofria de frequentes enfermidades:

 

“Não continue a beber somente água; tome também um pouco de vinho, por causa do seu estômago e das suas frequentes enfermidades (1ª Timóteo 5:23)

 

Paulo não disse que ele ficava doente apenas uma vez ou outra, mas que ele ficava frequentemente doente. Isso nos mostra que até mesmo um servo de Deus, jovem e temente ao Senhor, que faz a obra de um evangelista em prol da verdadeira fé, pode contrair frequentes enfermidades, uma atrás da outra.

 

E Paulo não diz que se ele determinasse sua cura, decretasse sua vitória, repreendesse o demônio ou tomasse posse da bênção teria sua enfermidade sarada para nunca mais voltar. Não. Ele apenas diz para tomar um pouco de vinho, que tinha efeitos medicinais para tratá-lo daquela enfermidade. Em outras palavras, em uma linguagem mais atual, seria o mesmo que dizer: “tome um remédio”.

 

Outro crente que ficou doente e à beira da morte foi Epafrodito, sobre quem Paulo diz:

 

“Pois ele tem saudade de todos vocês e está angustiado porque ficaram sabendo que ele esteve doente. Pois ele tem saudade de todos vocês e está angustiado porque ficaram sabendo que ele esteve doente. De fato, ficou doente e quase morreu. Mas Deus teve misericórdia dele, e não somente dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza sobre tristeza” (Filipenses 2:25-27)

 

No final de sua segunda carta a Timóteo, Paulo também diz que deixou Trófimo doente em Mileto:

 

“Erasto permaneceu em Corinto, mas deixei Trófimo doente em Mileto” (2ª Timóteo 4:20)

 

Sabemos que Paulo tinha o dom da cura, mas mesmo assim ele não foi capaz de curar Trófimo naquela ocasião. Trófimo era cristão e discípulo de Paulo (At.20:4; 21:29), portanto ele mesmo deve ter orado pedindo a cura quando ficou doente, mas não foi atendido. Então, quando Paulo veio a Mileto, ele também orou pela cura de Trófimo, mas este permaneceu doente. Paulo poderia ter omitido este fato, mas fez questão de ressaltá-lo, porque naquela época era totalmente natural um crente ficar doente e não havia vergonha nenhuma em alguém importante orar pela cura de outra pessoa e ela não ser curada.

 

Exemplos de outros servos de Deus que ficaram doentes e até morreram por alguma enfermidade encontramos até mesmo no Antigo Testamento, o preferido pelos teólogos do neopentecostalismo. Nós já conferimos a história de Jó e vimos como que ele contraiu grandes doenças e um enorme sofrimento (Jó 2:7,8), mesmo sendo o homem mais justo de toda a terra da época (Jó 1:8). Eliseu “estava doente da enfermidade de que morreu” (2Rs.13:14). Ele não apenas ficou doente, mas morreu por causa daquela doença.

 

Isaque, um dos maiores patriarcas e mais respeitados de Israel, ficou cego anos antes de morrer, razão pela qual não conseguia distinguir entre Jacó e Esaú: “Como Isaque envelheceu, seus olhos se escureceram, de maneira que não podia ver” (Gn.27:1). O rei Ezequias, de Israel, a quem a Bíblia descreve como “tendo feito o que era bom, e reto, e verdadeiro, perante o Senhor seu Deus” (2Cr.31:20), ficou “doente, a beira da morte” (Is.38:1). Lázaro, o amigo de Jesus, havia morrido em função de uma doença que tinha contraído (Jo.11:1).

 

Jacó também ficou doente (Gn.48:1), e morreu por causa dessa enfermidade. O rei Davi também disse em certa ocasião: “estou ardendo em febre; todo o meu corpo está doente” (Sl.38:7). Tabita, “que se dedicava a praticar boas obras e dava esmolas” (At.9:26), “ficou doente e morreu” (At.9:37). Até mesmo o grande Daniel, o “muito amado” (Dn.10:11) de quem a Bíblia dá tão grande testemunho, disse que ficou “exausto e doente por vários dias” (Dn.8:27). 

 

Tendo tudo isso em vista, não se enganem com os falsos profetas em nosso meio que dizem que o crente não pode ficar doente, que basta tomar posse da bênção e determinar a cura que será sempre curado. Nem a própria vida deles é um testemunho disso. Muitos dos que passaram a vida inteira defendendo o “Movimento de Fé” sofreram doenças e morreram por causa delas. Edward Ivring, o pai do movimento carismático, contraiu uma doença fatal enquanto ainda era jovem. Ele morreu sozinho, frustrado e decepcionado com Deus, pois pensava que todo crente tinha que ser curado pela fé.

 

Adoniran Gordon, outro dos maiores líderes desse movimento que marcou o século XX, morreu de bronquite. A. B. Simpson morreu de paralisia e arteriosclerose. John Wimber morreu de câncer de garganta, embora dissesse que o crente nunca poderia ficar doente. Se você observar a maioria dos pregadores deste movimento, verá que eles usam óculos para corrigir seus defeitos na vista. Kenneth Wayne Hagin, filho de Kenneth Hagin (o pai deste movimento) usa óculos, assim como o “bispo” Edir Macedo. O “apóstolo” Valdemiro Santiago, após curar pela fé milhares de cegos, paralíticos, coxos, surdos, mudos, portadores do vírus da AIDS, leprosos e até o câncer, foi tratar seu problema no joelho no Hospital Albert Einstein!

 

A conclusão de tudo isso não é que Deus não cura, pois por todos os cantos da Bíblia há exemplos de cura, e também não é que o crente que está doente não deve orar a Deus pedindo a cura, pois todos os cristãos faziam isso quando ficavam doentes. Temos sim que orar pela cura nossa e pela cura do próximo, assim como temos sim que crer que Deus é poderoso para nos curar, caso seja da vontade dEle. Apenas não temos que sair de um extremo em que Deus não pode curar para cair em outro extremo ainda pior, onde o crente não pode ficar doente, desmerecendo aqueles dentre nós que estão doentes e que tem muito mais santidade e comunhão com Deus do que muitos que estão curados.

 

Mas por que Deus permitiria que alguma pessoa permanecesse doente, ao invés de curá-la? Em muitos casos, a resposta a esta pergunta é exatamente a mesma da questão do sofrimento: aperfeiçoá-la. De fato, foi exatamente isso que o próprio apóstolo Paulo reconheceu após não ter sido curado de seu “espinho na carne”: que se gloriava alegremente em suas fraquezas, para que o poder de Cristo repousasse sobre ele, pois a Sua graça lhe bastava e o Seu poder se aperfeiçova na fraqueza (2Co.12:8,9).

 

Jesus também mostrou o mesmo parecer em relação à doença. Quando seus discípulos lhe perguntaram sobre quem teria pecado para que um homem tivesse nascido cego – se ele mesmo ou os seus pais –, Cristo não responde nem uma coisa nem outra, pois sabia que a doença não era resultado da falta de fé e nem de maldição hereditária. Ao contrário, ele respondeu:

 

“Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele. Enquanto é dia, precisamos realizar a obra daquele que me enviou. A noite se aproxima, quando ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo” (João 9:3-5)

 

Ele deixou claro que aquele cego havia nascido daquele jeito porque era para se manifestar a glória de Deus na vida dele. Muitas vezes a glória de Deus pode se manifestar nas circunstâncias mais inesperadas, tais como em uma doença ou em alguma tribulação. Paulo disse que foi por causa de uma doença que ele pregou o evangelho aos gálatas pela primeira vez (Gl.4:13), deixando implícito que os gálatas só foram abençoados com as boas novas do evangelho por causa da doença que ele sofria.

 

Maurício Zágari, o maior escritor cristão da atualidade e um dos maiores exemplos de vida que existe, sofre desde os seus 24 anos de uma doença chamada fibromialgia, que causa uma dor terrível em todas as partes do corpo, vinte e quatro horas por dia, e pior: não existe cura para a fibromialgia. No início ele tentou a cura de todas as maneiras: determinando, tomando posse da bênção, decretando, exigindo, repreendendo, rogando, suplicando... e nada.

 

Mas, ao invés de brigar com Deus, abandonar a fé e virar um desviado, ateu ou agnóstico, ele teve sua comunhão com Deus aperfeiçoada e hoje é um exemplo para milhares de outras pessoas, sendo inclusive uma fonte de consolo para outros cristãos que sofrem com a mesma doença. Por sinal, foi exatamente em função dessa enfermidade que ele veio para Cristo. Segundo ele, pelo menos outras nove pessoas da família dele foram salvas por Jesus de um modo ou de outro por causa dessa doença. Ele conta tudo com muito mais detalhes em seu blog “Apenas”.[1]

 

A verdade é que o sofrimento e as doenças são males que só serão revertidos por completo na ressurreição dos mortos, querendo ou não, gostando ou não. Enquanto estamos aqui, vivemos com um corpo corruptível, sujeito a todas as fraquezas que há no mundo. Mas nenhum cristão deve pensar que sofre ou está doente por nada. Deve ter em mente, em primeiro lugar, a eternidade, onde todas as lágrimas de nosso rosto serão enxugadas, e onde não haverá mais dor, nem pranto, nem sofrimento algum, pois essas serão coisas passadas.

 

O nosso sofrimento aqui na terra é apenas uma semente de uma glória eterna no futuro. Essa vida não significa nem um segundo em comparação à eternidade. Tanto vale a pena sofrer por um pouco de tempo – alguns anos nesta terra – para uma eternidade inteira de glória, que o próprio Deus deu o Seu Filho unigênito para sofrer e morrer em nosso lugar. Nem Ele próprio se ausentou do sofrimento humano.

 

E temos sempre que lembrar que todas as adversidades que passamos nesta vida – incluindo as possíveis doenças – podem ser usadas para o nosso próprio aperfeiçoamento, para que o poder de Deus seja aperfeiçoado em nossas fraquezas, para que cheguemos a um lugar onde sabemos que não somos nada sem Deus, e onde a graça dele nos basta. Onde nada mais importa e nem deveria importar, se tão somente pudermos conquistar Cristo e sermos achados por ele, e onde todas as coisas – incluindo as dores e os sofrimentos – concorrem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus.

 

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

 

Por Cristo e por Seu Reino,

Lucas Banzoli.

 



[1] Mais detalhes em um artigo publicado em seu blog com o título: “E quando Deus não cura?”. Disponível em: <http://apenas1.wordpress.com/2011/10/11/e-quando-deus-nao-cura-parte-12/>. Acesso em: 22/11/2013.

 

 

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