“Pedro só chegou a Roma nos últimos anos da sua vida, e a sua função de bispo não passa de uma lenda. Prova disso é que seu nome não aparece nas listas mais antigas da sucessão episcopal” (Peter De Rosa, HISTORIADOR, “Vicars of Christ”)
1 – INTRODUÇÃO AO TEMA
Neste presente artigo, a minha finalidade é mostrar através de evidências históricas (fora da Bíblia) que Pedro nunca exerceu o cargo de bispo de Roma. Não que a Escritura Sagrada não seja uma forte prova histórica; afinal, ela é a maior e mais abrangente fonte histórica primitiva, direta do século I, e que em sua totalidade nega o primado de Pedro em Roma. Vimos que Paulo em momento nenhum menciona Pedro em Roma junto com ele, conquanto que constantemente fizesse menção a inúmeros outros irmãos, esquecendo-se sempre de Pedro, de maneira profundamente misteriosa (cf. Fl.1:23-25; Fp.4:21-23; Cl.4:7-14; 2Tm.4:9-12, 21,22).
Vimos também, dentre outras coisas, que Pedro não era o pilar fundamental da Igreja, pois “ninguém pode lançar outro fundamento além do que já foi posto, o qual é Cristo Jesus” (1Co.3:11). Pedro era apenas mais uma coluna da Igreja, junto a João e Tiago, que é mencionado em primeiro lugar (Gl.2:9). O fato de que Pedro não era papa em Roma é ainda confirmado pelo fato de que Paulo, saudando nominalmente mais de vinte e oito romanos, não menciona Pedro (Rm.16:1-23).
Se Pedro fosse o papa que lá residisse, seria certamente o primeiro a ser mencionado, como qualquer católico normal faria. Afinal, a suposta “maior liderança da Igreja” não poderia passar assim tão despercebida ao longo de toda a carta, enquanto que pessoas como Estáquis, Apeles, Aristóbulo, Trifena e Trifosa (as quais não se tem mais nenhuma informação na Bíblia) são lembradas por Paulo (vs.10,12).
Mas o que provavelmente foi a maior evidência histórica do século I contra o bispado de Pedro em Roma provém do fato de que o historiador Lucas, ao escrever o livro de Atos, omite absolutamente o “ministério em Roma”. Se Pedro fosse o papa de Roma, certamente seria não apenas mencionado, mas também exaltado e enfatizado por Lucas, assim como qualquer católico enfoca o próprio papa nos dias de hoje. Porém, ele se volta quase inteiramente ao ministério de Paulo, que era “o principal líder da seita dos nazarenos [cristãos]” (At.24:5), e que não se julgava “nem um pouco inferior aos mais excelentes apóstolos” (2Co.11:5).
Além disso, Lucas faz questão de citar Pedro em muitos lugares, tais como Jerusalém (At.8:1), Samaria(At.8:25), Lida (At.9:32), Cesaréia(At.10:1), Jope (At.10:5), Antioquia (Gl.2;11) e muitos outros. Porém, sobre Pedro em Roma não diz absolutamente nada! Se a crença católica (de que Pedro esteve em Roma como bispo durante 25 anos) estivesse correta, ele certamente não passaria tão oculto pelo historiador que escreveu os Atos dos Apóstolos. Como ele pôde ser mencionado em tantos lugares em que passou apenas provisoriamente, mas não ser mencionado exatamente onde ele supostamente esteve como papa e “bispo dos bispos” por muito mais tempo e de modo permanente?!
Pedro deveria ter se mantido em oculto de modo extraordinário, tanto em relação a Paulo como em relação a Lucas. Se ele realmente viveu tanto tempo em Roma, deve ter sido incógnito, invisível ou em missão secreta – pois uma coluna da Igreja não poderia passar totalmente despercebida na História deste jeito. E a única fonte do século I (ou seja, que remete aos tempos apostólicos) que temos em mãos e que nos fale sobre os atos dos apóstolos é exatamente a Escritura Sagrada, que inteiramente nega o primado de Pedro em Roma.
As outras fontes que temos (como as cartas dos Pais da Igreja) são de eras posteriores (que muitas vezes não remetem diretamente ao tempo dos apóstolos), e mostram os fatos muitas vezes de modo confuso ou duvidoso. Portanto, o que a Bíblia nos diz a este respeito já nos é suficiente para aniquilarmos as pretensões católicas, visto que:
(1) O Novo Testamento é a fonte histórica mais antiga que remete diretamente aos apóstolos (Séc.I).
(2) Ele fala sobre os Atos dos Apóstolos e amplia isso nas epístolas apostólicas – todas elas negam o primado de Pedro em Roma.
Quando os católicos se deparam com as esmagadoras evidências bíblicas contra o primado de Pedro em Roma, o desespero começa a entrar em cena e, então, eles largam a Bíblia fora e buscam ajuda naquilo que chamamos de “Os Pais da Igreja”. Os pais da Igreja eram geralmente bispos que sucederam os apóstolos nos primeiros séculos, que escreviam epístolas, cartas ou homílias, e nelas falavam sobre doutrina, vida cristã e faziam comentários da Sagrada Escritura, o pilar e fundamento da fé deles.
Quando os apologistas católicos de plantão são refutados vigorosamente pelos argumentos cristãos contra a fantasia de que Pedro era papa e misteriosamente ficou 25 anos em Roma, eles viram as costas para as Escrituras (sem refutar nenhum argumento de maneira inteligente, eu particularmente nunca vi uma refutação séria aos meus textos ou aos de qualquer outro apologeta evangélico) e começam a folhear os escritos dos Pais, pensando neles ter a sua salvação.
Então, ignorando a Bíblia e buscando a saída em sua própria tradição, começam a ler Orígenes, Eusébio e Jerônimo falando da estadia de Pedro em Roma, e imediatamente começam a pular de alegria, pensando realmente que acharam aquilo que poderia destruir as pretensões evangélicas contra a tese romana.
Infelizmente para eles, uma análise menos superficial do que a deles sobre os escritos dos Pais nos direcionam exatamente à conclusão contrária, e nos fazem perceber que não apenas a Sagrada Escritura, mas também os escritos dos Pais, unanimemente negam o primado de Pedro em Roma. Todo o material que você irá ler a seguir, você não encontrará em nenhum outro lugar da internet e muito menos nos outros sites evangélicos, que em sua grande maioria não estão preocupados com a patrística ou com outros documentos históricos.
O estudo a seguir é fruto de pesquisa e avaliação criteriosa em cima exatamente das mesmas fontes usadas pelos apologistas católicos, derrubando desta forma a única base deles (edificada sobre a areia), e mostrando que nem sequer os Pais da Igreja (que eles ousam dizer que eram católicos romanos) criam em tamanha aberração, tão ferrenhamente contra o Novo Testamento, os Evangelhos e as Epístolas Apostólicas. Desta forma, ambos – Sagrada Escritura e escritos dos Pais – derrubam inteiramente as pretensões romanistas, como veremos a partir de agora.
2- AS OBRAS HISTÓRICAS PRIMITIVAS NEGAM O MITO DO PRIMADO DE PEDRO EM ROMA
Iremos abordar a partir de agora as fontes primitivas que em sua totalidade atestam que Pedro nunca esteve em Roma como papa, mas que apenas morreu crucificado naquele lugar, sem exercer um bispado ali. Em outras palavras, dizemos que Pedro nunca foi papa (o que você pode conferir em minhas 205 Provas contra o primado de Pedro), que ele nunca foi bispo de Roma, muito menos durante “25 anos”, e que, de acordo com o conceito dos pais da Igreja, ele foi para lá somente no final de sua vida, para ser martirizado – e não para se tornar bispo daquele lugar.
Para isso, podemos analisar duas fontes históricas antigas:
(1) Os livros apócrifos escritos por cristãos nos primeiros séculos.
(2) As obras dos pais da Igreja dos primeiros séculos.
O que iremos analisar primeiramente é os apócrifos. Não irei levar em consideração aqueles que foram escritos por gnósticos ou não-cristãos, ou por pessoas que militavam contra o evangelho e que frequentemente inventavam estórias. Irei me limitar a passar aqui as fontes históricas vindas de livros que, embora não tenham sido reconhecidos como parte integrante do cânon e não devam ser tomados como regra de fé e doutrina, podem ser levados em consideração como um importante conteúdo histórico.
Alguém poderia alegar que não seja correto usar livros apócrifos do Novo Testamento para provar alguma coisa, porque eles não fazem parte do cânon. O problema com este argumento é que, usando essa mesmíssima lógica, deveríamos então rejeitar inteiramente os escritos dos pais da Igreja (pois tais escritos também não fazem parte do cânon), e então nem mesmo os católicos poderiam fazer uso deles!
O fato é que livros apócrifos escritos por cristãos podem ser levados em consideração em aspectos históricos (assim como qualquer outro livro de História ou livro antigo), mas não em aspecto doutrinário (pois carece de inspiração do Espírito Santo para isso). Eu poderia tranquilamente escrever em um livro que Brasília é a capital do Brasil e que Barack Obama é o presidente dos Estados Unidos – que nada mais são do que a apresentação de dados verdadeiros. Não há nenhum problema em fazer isso, pois são fatos históricos e sociais, e não doutrina. Porém, se eu quisesse lançar as bases de uma doutrina que seja estranha à Escritura, estarei condenado por causa disso.
A mesma coisa ocorre com os livros apócrifos. Como eles não foram divinamente inspirados (o que os diferenciam da Escritura canônica), eles não podem ser levados em conta pelo aspecto doutrinário. Porém, como qualquer outro livro, eles podem ser levados em conta em fatores sociais ou históricos, assim como os escritos dos pais da Igreja, que, mesmo sem serem divinamente inspirados e sem fazerem parte do cânon, nós os respeitamos e os levamos em conta quando divergimos acerca de algum fato histórico ou social, o qual eles relatam com detalhes.
Tendo em vista isso, vamos começar com a análise dos “Atos de Paulo”, escrito por volta de 160 d.C. Note que a data é muito mais aproximada da era apostólica do que a grande maioria das obras citadas pelos católicos – portanto, é de maior confiança em função de sua maior proximidade com eles. Nele, podemos ver que os cristãos guardavam o fato histórico de que, quando Paulo chegou a Roma, só havia Lucas e Tito a sua espera, contrariando a tese romana de que Pedro também o esperava, como o papa:
”Ora, havia em Roma, à espera de Paulo, Lucas da Galácia, e Tito da Dalmácia. Com os irmãos, ele ensinou a palavra da verdade, e ele tornou-se propalado no exterior e muitas almas foram acrescentadas ao Senhor, de modo que houve um boato por toda a Roma, e muito povo vinha ter com ele a partir da casa de César, e creram, e houve grande alegria” (Atos de Paulo – O Martírio, 10:1)
Por que Pedro novamente não é sequer citado? Simplesmente porque ele não estava em Roma à espera de Paulo. Isso não se deu por causa de um desprezo de Pedro com relação a Paulo, evitando dar as boas vindas ao seu colega de ministério. Ao contrário, ocorreu simplesmente porque Pedro realmente não estava em Roma!
Era comum os cristãos conhecidos de uma cidade virem receber os seus irmãos em Cristo que iam para lá. É digno de nota que, quando Paulo foi a Jerusalém, foi recebido por Tiago (At.21:18). Se Pedro fosse papa em Roma, ele certamente teria recebido Paulo junto com Lucas e Tito, que eram os únicos que o acompanharam em Roma.
Mas não foi somente na hora de receber o seu colega de ministério que Pedro parece inexistente em Roma. Também ao longo de todo o livro – até a conclusão e o martírio – Pedro simplesmente é absolutamente omitido da cena. Até mesmo quando Paulo profetiza acerca de quem estaria próximo à sua sepultura, apenas Lucas e Tito são mencionados, novamente deixando Pedro de fora:
”Vem depressa até minha sepultura de manhã e achareis dois homens orando, Tito e Lucas“ (Atos de Paulo – O Martírio, 10:5)
”O centurião foi no início da manhã e se aproximou com medo da sepultura de Paulo. E quando chegou lá, viu dois homens orando [Lucas e Tito], e Paulo entre eles” (Atos de Paulo – O Martírio – 10:7)
Do início ao fim da obra, vemos que Pedro não estava em Roma quando Paulo foi conduzido para lá, o que ocorreu por volta dos anos 61-62 d.C, e, portanto, Pedro já deveria estar como “papa” lá a quase vinte anos, de acordo com a cronologia católica!
Em outra obra apócrifa, também não vemos qualquer menção de Pedro em Roma junto com o apóstolo Paulo. Tudo o que vemos é a menção de “alguns irmãos”, sem a citação de Pedro, que também não aparece do início ao fim da estadia de Paulo em Roma, conquanto que novamente tenham sido mencionados outros irmãos com ele:
“Ele [Paulo] levou com ele alguns irmãos que estavam com ele em Roma, embarcando em um navio no Ostrium, e pelos ventos foram levados em segurança para o céu da Espanha” (Apócrifo de Atos, Cap.29)
Finalmente, a confirmação de que Pedro só chegou a Roma no final de sua vida (portanto, como “visitante”, e não como “bispo” dali) podemos ver claramente nos Atos de Xantipas, que remete ao terceiro século d.C:
“Enquanto ela disse essas palavras, aqueles que a estavam arrastando andaram com pressa e, vindo para a costa, eles contrataram um navio e viajaram para a Babilônia, pois aquele que a levou tinha um irmão lá, um governante de um distrito. Mas o vento soprava contra eles, de modo que não poderiam continuar por causa dela, e eles ficaram a remo no mar, quando o grande apóstolo do Senhor, Pedro, foi passado em um navio à vela, sendo incitado por um sonho ir a Roma, pois quando Paulo partiu para a Espanha tinha entrado em Roma um enganador e mágico, chamado Simão, e tinha quebrado a igreja que Paulo havia estabelecido” (Atos de Xantipas, Polyxea e Rebeca, Cap.24)
Note que o “sonho” de Pedro em ir a Roma só ocorreu depois de Paulo ter ido para a Espanha. Algumas evidências nos mostram que Paulo foi liberto da prisão em 63 d.C e que visitou a Espanha, como ele próprio afirma em Romanos 15:24. O livro apócrifo de Pedro (Séc.II) também narra a visita de Paulo a Espanha, que ocorreu por volta de 63-64 d.C, antes de ele ser novamente julgado pelos romanos e ser executado em Roma. Portanto, tendo em vista que o sonho de Pedro em visitar Roma ocorreu depois que Paulo partiu para a Espanha, é totalmente impossível que isso tenha ocorrido antes de 63-64 d.C, como a Igreja Católica alega.
Ademais, note que Pedro tinha o “sonho de ir a Roma”. Se Pedro já fosse bispo de Roma, tal “sonho” seria completamente sem sentido! Vale ressaltar também que, antes de Pedro sonhar em ir a Roma, Paulo já havia estabelecido as bases daquela igreja local. Sabemos que Paulo só chegou a Roma pela primeira vez por volta de 61-62 d.C, e ainda deveria ter levado um tempo considerável até que Simão destruísse todo o trabalho de Paulo. Portanto, a passagem de visita de Pedro a Roma só pode ter se dado bem depois a isso.
De qualquer forma, podemos observar nas obras históricas seculares dos primeiros séculos que:
(1) Quando Paulo chegou a Roma, Pedro não estava lá, nem para recebê-lo em sua chegada, nem tampouco no momento de seu julgamento (veja 2Timóteo 4:11 e 2Timóteo 4:16).
(2) Pedro só teve o “sonho de ir a Roma” depois que Paulo partiu para a Espanha; ou seja, após 63-64 d.C (pouco tempo antes do tempo da sua morte).
(3) Pedro não era bispo de Roma, mas tinha o desejo de um dia ir para lá de passagem.
(4) Quando Pedro criou o desejo de visitar Roma, Paulo já havia estabelecido as bases daquela igreja (portanto, após 61-62 d.C), e ela já havia sido quebrada pelo mágico Simão (portanto, um bom tempo depois disso).
Tudo isso colabora juntamente com o fato óbvio e presente ao longo de toda a Escritura: que Pedro nunca foi papa em Roma, muito menos foi bispo de lá durante 25 anos. Ao contrário, todas as evidências históricas juntamente nos mostram que Pedro só chegou a Roma no final de sua vida, para ser martirizado (depois que Paulo já havia lançado as bases daquela igreja), e não para ser papa por 25 anos!
3- OS ESCRITOS DOS PAIS DA IGREJA NEGAM O MITO DO PRIMADO DE PEDRO EM ROMA
O nosso próximo passo a partir de agora será analisar a única fonte utilizada pelos católicos: os pais da Igreja. Segundo eles, tais bispos teriam guardado “provas” do bispado de Pedro em Roma. Nada mais longe da verdade. Veremos que a própria patrística desmente por completo o mito do primado de Pedro em Roma, começando pelo fato de que, de acordo com eles, Pedro era bispo de Antioquia, e não de Roma:
“Ao mesmo tempo adquiriram notoriedade Papias, bispo da igreja de Hierápolis, e Inácio, o homem mais célebre para muitos ainda hoje, segundo a obter a sucessão de Pedro no episcopado de Antioquia” (Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, Livro III, 36:2)
Para os pais da Igreja, Pedro era bispo de Antioquia, e não de Roma. Eles relatam Pedro em Roma no período final de sua vida, próximo ao martírio, mas não como função de bispo, tampouco durante os 25 anos propostos pelo catolicismo. Alguém poderia alegar que Pedro foi primeiro bispo de Antioquia, mas depois passou a ser bispo de Roma. Essa é uma mentira deslavada, na verdade não passa de uma desculpa – um pretexto absurdo que os papistas inventaram para disfarçar o fato incontestável de que Pedro não dirigia a igreja de Roma.
Várias razões nos levam a crer que Pedro de modo algum deixou de ser bispo de Antioquia para se tornar bispo de Roma. Em primeiro lugar, porque absolutamente em lugar nenhum da história da Igreja primitiva alguém deixa de ser bispo de algum lugar para se transferir a outro ou se torna bispo de dois lugares diferentes ao mesmo tempo!
Com isso, é evidente que eu não estou dizendo que os apóstolos ficavam trancados dentro de uma única cidade sem poderem sair de lá, o que é um absurdo. Ao longo de toda a Escritura podemos ver que Pedro, Paulo e praticamente todos os apóstolos constantemente viajavam para inúmeras regiões. O que eu estou dizendo é que ninguém deixava de ser bispo de uma comunidade para se tornar de outra! Em outras palavras, o bispo de Jerusalém podia viajar muito para outras regiões do mundo, mas não deixava de ser o bispo de Jerusalém por causa disso.
Da mesma forma ocorre com o bispo de Alexandria, com o de Roma, com o de Antioquia, etc. Cada sede metropolitana cristã era dirigida por um bispo, que continuava sendo bispo dela até o fim de sua vida, ainda que viajasse também para outros lugares para pregar o evangelho ou sofresse o martírio em algum outro lugar. A lenda de que Pedro primeiro foi bispo de Antioquia e depois passou a ser bispo de Roma é tão falsa que o próprio Concílio de Nicéia, no século IV, tratou de desmentir isso nas seguintes palavras:
“Bispos, presbíteros e diáconos não se transferirão de cidade para cidade, mas deverão ser reconduzidos, se tentarem fazê-lo, para a igreja para a qual foram ordenados... Os presbíteros ou diáconos que desertarem de sua própria igreja não devem ser admitidos em outra, mas devem ser devolvidos à sua própria diocese. A ordenação deve ser cancelada se algum bispo ordenar alguém que pertence a outra igreja, sem consentimento do bispo dessa igreja. Nem presbíteros, nem diáconos, nem qualquer outro registrado no Clero, que não tenha ante si o temor de Deus, nem atenda ao Cânon Eclesiástico, poderá temerariamente retirar-se de sua própria igreja, conseguindo por qualquer meio ser aceito por outra igreja. Toda persuasão deverá ser aplicada para reconduzi-los a suas próprias paróquias; e, se não voltarem, deverão ser excomungados” (Cânon XV e XVI do Concílio de Nicéia, 325 d.C)
O Concílio de Nicéia deixa bem claro que bispos, presbíteros, diáconos ou “qualquer outro registrado no Clero” não poderiam se transferir para outra diocese, deixando aquela em que estavam antes. De fato, aqueles que saíam de sua diocese, querendo se tornar bispos de outra, não deveriam ser nelas admitidos. Eles deviam ser reconduzidos a sua própria diocese, ou então seriam excomungados! Isso elimina as chances de Pedro ter sido primeiro bispo de Antioquia, mas depois ter deixado Antioquia e ter se tornado bispo de Roma. Isso é uma aberração histórica!
Alguém não poderia deixar uma diocese para ocupar algum cargo eclesiástico em outra. Se Pedro tivesse trocado Antioquia por Roma (como pregam os católicos dos dias atuais), então ele estaria incluído entre aqueles que, de acordo com o Concílio, seriam excomungados da Igreja! Convenhamos: se Pedro, que os católicos dizem ter sido o primeiro papa, tivesse dado o “ótimo exemplo” de se transferir de diocese, será mesmo que o Concílio de Nicéia seria tão veementemente contrário a isso, a tal ponto de punir com excomunhão aqueles que assim fizerem?
Será que eles iriam contrariar a autoridade e atitude do primeiro papa, aquele que os católicos dizem ser o “chefe dos apóstolos”? É claro que não. Na verdade, como diz o Cânon XV deste mesmo Concílio, esta moda de trocar de diocese era um costume atual (isto é, um costume que eles consideravam inadequado e que estava sendo praticado por alguns daquela época), e não algo que sempre tivesse sido praticado na Igreja.
Se desde Pedro (um dos primeiros apóstolos) já estivesse sendo praticada a troca de dioceses (sendo o próprio Pedro um exemplo disso), então isso não seria um problema daqueles tempos (i.e, séc.IV, quando o Concílio de Nicéia proibiu por decreto esta prática), mas sim algo que já era feito desde os primórdios (pelo menos desde Pedro).
Isso quebraria com toda a ordem, a lógica e o bom senso. Apenas para listar alguns dos sérios problemas que o catolicismo enfrenta ao tentar conciliar o fato de que os pais da Igreja falam claramente em Pedro ter sido bispo de Antioquia, tentando juntar isso ao primado romano com algum passe de mágica, podemos incluir:
(1) Que não existe absolutamente nenhum relato de algum apóstolo ou de qualquer bispo do primeiro ou segundo século AD que tenha trocado de diocese, se tornando bispo de outra. Os católicos querem mesmo que acreditemos que bem exatamente Pedro é a única exceção, pois esta é a única forma de adequarem a História às suas lendas!
(2) Mesmo que Pedro tivesse sido uma excepcional exceção sem igual na História da Igreja no primeiro século, o Concílio de Nicéia desmente isso, pois afirma que isso era um costume atual, corrente nos dias deste Concílio. Em outras palavras, se desde Pedro já fosse praticada a troca de diocese, então eles não iriam dizer que isso era um problema “atual”! Afinal, desde os primórdios ocorreriam exemplos disso, deixando o cânon XV do Concílio nulo e sem sentido.
(3) Ainda que Pedro tivesse sido uma excepcional exceção e que os bispos que tomaram as decisões do Concílio de Nicéia tivessem passado por uma amnésia coletiva, esquecendo-se totalmente do exemplo de Pedro, mesmo assim os católicos terão que explicar como é que eles proibiram com o anátema da excomunhão algo que foi praticado naturalmente pelo próprio papa!
Se Pedro realmente foi papa e verdadeiramente foi bispo de Roma, então ele estaria incluído no número daqueles que, se estivessem naqueles dias, passariam pela excomunhão. Será mesmo que este Concílio se equivocaria a tal ponto, de condenar o próprio papa?! Quem aqui está equivocado? O Concílio de Nicéia, ao condenar a suposta atitude de Pedro, ou os católicos em inventarem essa lenda absurda de que Pedro “trocou de diocese”?
Vale aqui ressaltar novamente que cada bispo era bispo de uma única diocese. O caro leitor pode pesquisar em qualquer acervo histórico da Igreja primitiva que não vai achar Inácio deixando Antioquia e se tornando bispo de Jerusalém, ou Cirilo deixando Jerusalém e se tornando bispo de Antioquia. Por mais que o católico procure, não achará Clemente deixando Roma e se tornando bispo de Alexandria, Cipriano deixando Cartago e se tornando bispo de Milão, ou Agostinho deixando Hipona e se tornando bispo do Egito.
Cada um era bispo de uma única diocese, e ficava nela até o fim de sua vida. Ele podia visitar outras, podia viajar pelo muito, podia ser martirizado em Roma, mas em termos técnicos e eclesiásticos continuava fiel como bispo de sua metrópole. Aconselho a todos a leitura do livro “História Eclesiástica”, de Eusébio de Cesaréia (265-339 d.C). Nele, ele também nos mostra que cada um administrava uma única diocese, e também nos mostra quem dirigia qual diocese, tais como:
Jerusalém – Tiago
Alexandria – Marcos
Antioquia – Pedro
Roma - ???
Sendo que é nos dito claramente que Pedro foi bispo de Antioquia e que não existia essa estorinha de mudar de diocese para se tornar bispo de alguma outra, devemos perguntar: Quem foi, então, o primeiro bispo de Roma? Ora, essa o mesmo Eusébio responde lucidamente:
“Depois do martírio de Paulo e de Pedro, Lino foi designado como primeiro bispo de Roma. Ele é mencionado por Paulo quando escreve de Roma a Timóteo, na despedida ao final da carta” (História Eclesiástica, Livro III, 2:1)
Lino, e não Pedro, foi o primeiro bispo de Roma! Este verso de Eusébio fala por si mesmo. Depois do tempo em que Paulo e Pedro passaram pelo martírio em Roma, foi Lino o primeiro e oficial bispo da igreja local de Roma. Alguns católicos tentam mutilar o texto claro de Eusébio fazendo pseudo-interpretações e distorções em cima dele, para tentar dizer que Pedro abandonou o bispado de Antioquia e se tornou bispo de Roma, sem ninguém ficar sabendo disso. Então, eles tentam dizer que o que Eusébio realmente quis dizer é que Lino foi o segundo bispo de Roma, e não o primeiro (porque o primeiro para eles foi Pedro...).
Esta interpretação é simplesmente uma distorção escandalosa da passagem do historiador eclesiástico Eusébio de Cesaréia. Só para começo de conversa, ele estava relatando quem foi designado primeiro bispo de Roma, e não o segundo! Se Pedro tivesse sido o primeiro bispo de Roma e Lino foi somente o segundo, então o texto ficaria assim:
“...Lino foi designado o segundo bispo de Roma...”
Porém, ele foi designado o primeiro, porque é ele quem aparece em primeiro lugar na lista de bispos romanos. Veremos mais adiante que os mesmos historiadores eclesiásticos que viveram nos primeiros séculos atestavam que Anacleto foi o segundo, Clemente foi o terceiro, etc. Em outras palavras, a contagem começa com Lino – primeiro bispo de Roma – e não com Pedro.
Além de adulterar descaradamente o texto de Eusébio, alguns católicos tentam escapar da evidência fatal alegando que Lino foi o segundo porque Eusébio diz que ele foi bispo de Roma “depois do martírio de Paulo e de Pedro”. Então, eles tentam dizer: “Veja aí, Pedro foi o primeiro, Lino foi depois”!
Essa tentativa de refutação, que mais parece como uma piada, carece inteiramente de fundamento. Eusébio só está dizendo que o primeiro bispo de Roma, Lino, só passou a ocupar o seu cargo depois dos famosos martírios dos apóstolos. Ele não está dizendo que Paulo e Pedro foram bispos antes dele (se fosse assim, ele teria sido o “segundo” ou “terceiro” designado como bispo de Roma, e não o “primeiro”!), mas sim que o martírio de Paulo e Pedro ocorreu antes! Seria o mesmo se eu dissesse:
“Depois que Dom Pedro II foi exilado, Deodoro da Fonseca foi designado como primeiro presidente do Brasil”
Será que o fato de Deodoro da Fonseca ter sido designado o primeiro presidente depois do exílio de Dom Pedro II significa que não foi Deodoro o primeiro presidente da República, mas sim Dom Pedro II? É claro que não. Da mesma forma, o fato de Lino ter sido o primeiro bispo de Roma depois das mortes de Paulo e Pedro não significa que Paulo e Pedro foram bispos antes dele.
Em ambos os casos, o acontecimento anterior está apenas elucidando o tempo ou acontecimento em que se deu o segundo. O “depois” de Dom Pedro II está relacionado ao seu exílio, e não ao fator de primeiro presidente da República, o que ele nunca foi. Da mesma forma, o “depois” de Paulo e Pedro está relacionado ao seu martírio, e não ao cargo de bispo, o qual Lino foi o primeiro. Se estivesse relacionado aos seus cargos de bispos de Roma, então o texto deveria ser corrigido para ficar desta maneira:
“Depois que Pedro foi bispo de Roma, Lino foi designado como o segundo bispo de Roma”
Porém, como vemos, a menção de Pedro (e de Paulo) não tem nada a ver com eles serem bispos de Roma (o que contrariaria a sequencia direta do verso que mostra que Lino foi o primeiro), mas sim com o fato deles terem sido martirizados em Roma. Muitos – incluindo Inácio de Antioquia e o apóstolo Paulo – sofreram o martírio na cidade de Roma, mas nunca foram bispos de Roma!
Portanto, um mínimo de gramática, ordem lógica e bom senso derrubam com qualquer pretensão católica de adulterar vergonhosamente o texto de Eusébio, que é amplamente repetido por outros autores primitivos. Mas, ainda que a interpretação deficiente feita por alguns católicos estivesse correta e a gramática estivesse errada, mesmo assim as coisas só iriam piorar para o lado deles. Isso porque Eusébio não cita Pedro sozinho, mas o cita junto com o apostolo Paulo, e pior: coloca Paulo antes de Pedro!
Em outras palavras, confirmando a interpretação clara e correta anteriormente apresentada, se Eusébio estivesse querendo dizer que Pedro foi o primeiro e Lino foi o segundo, ele teria mencionado simplesmente Pedro – sozinho – e não o apóstolo Paulo, já que a Igreja Católica nunca admitiu que Paulo tivesse sido bispo de Roma! Se a primeira parte do verso tem relação à função de bispo antes de Lino, então não somente Pedro, mas o próprio Paulo (que também é mencionado juntamente com Pedro, e antes deste) deveria ter ocupado a “cátedra de Roma”.
Portanto, o fato de que Paulo é mencionado junto com Pedro demonstra que Eusébio não estava dizendo que eles foram os primeiros bispos antes de Lino (pois Paulo nunca foi bispo de Roma), mas simplesmente que eles foram martirizados ali, e Lino foi o primeiro bispo de Roma. Eusébio segue uma ordem lógica dos acontecimentos. Sabendo-se que Paulo chegou a Roma em 61-62 d.C e que Pedro só chegou a Roma depois disso (possivelmente pouco antes de ter sido martirizado), Eusébio cita Pedro depois de Paulo, porque estava relatando uma ordem de acontecimentos na qual Paulo aparece antes de Pedro.
Se ele quisesse dizer que Pedro foi o primeiro bispo, teria descartado Paulo do mesmo verso (pois este não foi bispo de Roma), e colocado Lino como sendo o segundo. Os católicos surpreendentemente enxergam o seguinte quando leem aquele mesmo verso:
“Depois que Paulo e Pedro [foram bispos de Roma e] sofreram o martírio, Lino foi designado o [terceiro] bispo de Roma”
Seguindo a lógica, se a primeira parte do verso se refere ao bispado de quem foi antes de Lino, então isso deveria ser atribuído também ao apóstolo Paulo (antes que o próprio Pedro que é mencionado depois) e consequentemente Lino teria sido o terceiro (estaria depois de Paulo e Pedro), Anacleto o quarto, Clemente o quinto, etc. Felizmente, é nos dito que Anacleto foi o segundo e Clemente foi o terceiro, confirmando o fato de que Lino foi o primeiro:
“Paulo também atesta que Clemente - instituído terceiro bispo da Igreja de Roma - foi seu colaborador e companheiro de luta” (História Eclesiástica, Livro III, 4:9)
Ensinando para os católicos:
1º Lino
2º Anacleto
3º Clemente
Se Pedro tivesse sido o primeiro bispo de Roma, então Eusébio estaria novamente se enganando e sequer estaria conseguindo contar até três(!), errando essa conta simples e esquecendo-se de que de Pedro (o 1º) até Clemente daria 4, e não 3! Será mesmo que Eusébio não sabia contar até três???
Embora para os católicos fosse melhor que Eusébio fosse um péssimo matemático, infelizmente eles terão que aceitar o fato de que, se Clemente é o terceiro, então Lino foi o primeiro e Anacleto o segundo. A contagem não começa com Pedro, simplesmente porque Pedro nunca foi bispo de Roma!
Eusébio ainda confirma em outra citação que o primeiro bispo de Roma foi Lino, depois Anacleto:
“O primeiro foi Lino, e depois dele, Anacleto” (História Eclesiástica, Livro III, 21:1)
Não há qualquer sombra de dúvidas quanto a isso. Eusébio em momento nenhum afirma que “o primeiro bispo de Roma foi Pedro”, que “Lino foi o segundo bispo de Roma” ou que Pedro esteve em Roma na função de bispo daquela diocese. O máximo que o leitor poderá encontrar em toda a extensa obra de Eusébio é a menção de que Pedro veio a Roma no final de sua vida, para ser martirizado:
“Pedro, segundo parece, pregou no Ponto, na Galácia e na Bitínia, na Capadócia e na Ásia, aos judeus da diáspora; por fim chegou a Roma e foi crucificado com a cabeça para baixo, como ele mesmo pediu para sofrer” (História Eclesiástica, Livro III, 1:2)
Preste atenção na expressão perfeitamente aplicada por Eusébio:
“...por fimchegou a Roma”
Como teria Pedro abandonado a diocese de Antioquia “do nada” para ficar 25 anos como papa em Roma, se Eusébio afirma que só “por fim” que Pedro chegou a Roma??? Ele é claro em afirmar categoricamente os lugares onde Pedro pregou o evangelho:
“...pregou no Ponto, na Galácia e na Bitínia, na Capadócia e na Ásia”
Se Pedro tivesse predominantemente ficado 25 anos como bispo de Roma, o mais provável é que ele tivesse afirmado que...
“...pregou em Roma e ficou lá por vinte e cinco anos”
Porém, os lugares apontados por Eusébio como sendo aqueles nos quais Pedro mais pregou o evangelho sequer incluem Roma! A continuação do verso é por demais clara, mostrando para quem que Pedro pregou:
“...aos judeus da diáspora”
Aos judeus da diáspora, e não aos romanos gentios! E, finalmente, ele aponta quando foi que Pedro finalmente chegou a Roma – “por fim” – e acompanha com a descrição da finalidade pela qual ele chegou lá no final de sua vida: “...e foi crucificado de cabeça para baixo”. Ou seja:
(1) Os lugares onde Pedro mais pregou o evangelho foram:
a. Ponto.
b. Galácia.
c. Bitínia.
d. Capadócia.
e. Ásia.
(2) Os seus principais ouvintes foram:
a. Judeus da diáspora.
(3) Quando ele chegou a Roma:
a. “Por fim”.
(4) Qual a finalidade da sua ida a Roma no fim:
a. Para ser crucificado de cabeça para baixo.
Uma exegese simples nos responde claramente a todas as nossas principais questões, com uma grande facilidade de entendimento. Embora alguns queiram incluir teorias mirabolantes vindas do “deus deste século, que cegou o entendimento dos incrédulos” (2Co.4:4), aquele mesmo que inventa “mitos” (2Tm.4:4), o ensinamento claro da Escritura é basicamente o mesmo ensinado pelos Pais. Se Pedro sempre tivesse sido o bispo de Roma, Eusébio também não teria dito que ele “chegou” a Roma para ser martirizado, afinal, ele sempre este lá, não é mesmo?
Por exemplo, se eu ficasse vinte e cinco anos morando em São José dos Pinhais e depois morresse, será que alguém diria que eu “cheguei” a S.J.P para ser morto? É claro que não. Simplesmente por uma questão muito simples: eu já estava lá – e a longos “vinte e cinco anos”! Portanto, todas as evidências nos historiadores que viveram nos primeiros séculos atestam e confirmam que Pedro não foi bispo de Roma. Ele chegou a Roma, no fim de sua vida, depois de ter pregado em inúmeros lugares da Ásia, aos judeus da diáspora, e não em Roma ou aos romanos.
Orígenes (185-253 d.C) expressou o mesmo parecer quando ele disse:
"Pedro, finalmente tendo ido para Roma, lá foi crucificado de cabeça para baixo” (Orígenes, Fragmento conservado em “História Eclesiástica”, confira a fonte neste site católico)
Este “finalmente” nos deixa claro que Pedro não ficou em Roma os 25 anos como querem os católicos, mas apenas no final de sua vida, finalmente, e com a finalidade claramente exposta ali mesmo – de ser crucificado de cabeça para baixo (morrer martirizado). A mesma coisa aconteceu com Paulo, como o próprio Eusébio atesta:
“E o que dizer de Paulo, que desde Jerusalém até o Ilírico cumpriu com a pregação do Evangelho de Cristo e finalmente sofreu martírio em Roma sob Nero?” (História Eclesiástica, Livro III, 1:3)
Exatamente o mesmo que é dito com relação a Pedro, é dito com relação a Paulo! Podemos fazer a mesma ligação com respeito a este outro apóstolo, de acordo com aquilo que foi dito por Eusébio:
(1) Os lugares onde Paulo mais pregou o evangelho foram:
a. De Jerusalém até o Ilírico.
(2) Quando ele chegou a Roma:
a. “Por fim”.
(3) Qual a finalidade da sua ida a Roma no fim:
a. Sofrer o martírio sob Nero.
A situação de ambos era basicamente a mesma: ambos pregaram o evangelho em muitos lugares, no final de suas vidas chegaram a Roma, e lá foram martirizados. E, da mesma forma, sabemos que Paulo nunca foi bispo de Roma, mas lá chegou de passagem (como um prisioneiro), para ser julgado, condenado e morto. Quando Pedro chegou a Roma, também no final de sua carreira, foi detido pelos romanos por estar pregando o evangelho junto a Marcos, conforme atesta Eusébio de Cesaréia, foi julgado, e foi condenado a morte por crucificação.
A semelhança é marcante entre ambos, e nos mostra que Eusébio sabia o que estava fazendo ao relatar que Pedro só chegou a Roma por fim, pois escreveu exatamente o mesmo com relação a Paulo, que realmente só chegou a Roma no final de sua carreira! Lactâncio (240-320 d.C) acrescenta que Pedro só veio a Roma quando Nero já estava reinando:
“Seus apóstolos eram nesse tempo em número de onze, os quais agregaram Matias, no lugar de Judas o traidor, e em seguida Paulo. Depois se dispersaram através de toda a terra pregando o Evangelho, como o Senhor e Mestre lhes havia ordenado; durante 25 anos até o início do reino do Imperador Nero, eles se ocuparam em assentar as bases da Igreja em cada província e cidade. E enquanto Nero reinava, o apóstolo Pedro veio a Roma” (Carta a Donatus – A Maneira pela qual os Perseguidores Morreram – Cap.II)
Segundo a tradição católica, Pedro foi bispo de Antioquia por sete anos, obtendo depois disso o bispado de Roma, onde esteve durante vinte e cinco anos. De acordo com essa teoria, então, Pedro teria sido o primeiro papa em Roma desde o ano 42 d.C até a sua morte, em 67 d.C. Portanto, durante 25 anos. O incrível é que essas datas são tão ridículas e inventadas que os próprios católicos entram em contradições consigo mesmos.
Por exemplo, eles dizem que Evódio (o segundo bispo de Antioquia, sucessor de Pedro) começou a ocupar o cargo de bispo daquela diocese em 53 d.C, sendo que Pedro teria sido bispo dali de 37 d.C a 53 d.C (quando Evódio passou a assumir o cargo). Porém, pelas mesmas contas católicas, Pedro já estaria em Roma desde 42 d.C! Sabe o que isso significa? Significa simplesmente que durante onze anos Pedro esteve em dois lugares ao mesmo tempo! De 37 d.C a 53 d.C ele esteve sendo bispo de Antioquia, mas desde 42 d.C ele já estava como bispo em Roma!
Ou seja, durante onze anos havia duas “cátedras de Pedro” (uma em Antioquia e outra em Roma), dois “Pedros” (um em Antioquia e outro em Roma) e uma mesma e única pessoa ocupando um mesmo e único cargo em dois locais diferentes!!! Parece uma aberração para você? Pois é, mas é esse o malabarismo que os católicos inventaram para encaixar Pedro em Roma como papa! Lactâncio, porém, desmente isso afirmando que Pedro “veio a Roma” no reinado de Nero, como vimos anteriormente. Vale a pena repetir:
“...E enquanto Nero reinava, o apóstolo Pedro veio a Roma”
Se quando Pedro veio a Roma Nero já estava reinando, então segue-se logicamente que durante doze anos que os católicos colocavam Pedro em Roma, era impossível que ele estivesse lá! Sabemos que Nero começou a reinar em 54 d.C. Se Pedro se tornou papa em Roma em 42 d.C, então Lactâncio teria dito que Pedro veio a Roma no final do reinado de Calígula (41 d.C) ou no início do reinado de Cláudio (42 d.C), mas nunca somente no reinado de Nero, o que eliminaria praticamente a metade dos anos que os católicos equivocadamente colocam Pedro em Roma!
Este fato pode não estar de acordo com as cronologias católicas, mas certamente estão em conformidade com as cronologias bíblicas e evangélicas. Pedro só chegou a Roma no final de sua vida; portanto, quando Nero estava reinando. Nero reinou até 68 d.C; Pedro foi morto em 67 d.C. Quando Pedro chegou a Roma, Nero já estava em Roma. Pouco tempo depois ele foi julgado e morto por ordem deste imperador romano. Como sempre, a matemática católica se mostra deficiente em relação aos fatos apresentados pela patrística e pelas obras históricas dos primeiros séculos – além da própria Sagrada Escritura.
Por fim, devemos destacar que Eusébio também confirma que Paulo, enquanto escrevia de Roma, não tinha a companhia do seu “papa” Pedro. Ele atesta que no momento em que Paulo escrevia a sua segunda carta a Timóteo, em Roma, somente Lucas que o acompanhava, enquanto que na sua primeira defesa, nem sequer este:
”Pois bem, na segunda carta das que enviou a Timóteo afirma que, no momento em que a escrevia, somente Lucas o acompanha, enquanto que, quando fez sua primeira defesa, nem sequer este. De onde se deduz que Lucas provavelmente concluiu os Atos dos Apóstolos neste tempo, havendo narrado o que sucedeu enquanto esteve com Paulo” (História Eclesiástica, Livro II, 22:6)
Por que Eusébio não citou Pedro junto? Será que este abandonou Paulo, largando-o sozinho para ser julgado? É claro que não. O fato é que Pedro nem sequer estava em Roma, motivo pelo qual não tinha como ajudar o seu amigo Paulo. Eusébio sabia disso, e descreveu o fato nas mesmas palavras do próprio apóstolo. Se Pedro estivesse em Roma, uma liderança tão grande como ele não poderia passar tão despercebida, e ele poderia ajudar Paulo, ou no mínimo estar junto com ele. Porém, nem uma coisa nem outra acontecem, simplesmente porque Pedro se encontrava muito longe de Roma naqueles anos.
Pedro não ficou predominantemente em Roma, pois Eusébio afirma quais foram os lugares onde ele mais pregou o evangelho, e não inclui Roma nisso:
“Pelas palavras de Pedro em sua Carta, da qual já dissemos que é aceita, e que escreve aos hebreus da diáspora, moradores do Ponto, da Galácia, da Capadócia, da Ásia e da Bitínia, percebe-se claramente em que províncias ele pregou a Cristo e transmitiu a doutrina do Novo Testamento aos que procediam da circuncisão” (História Eclesiástica, Livro III, 4:2)
De acordo com Eusébio, Pedro escreveu a sua primeira carta exatamente para aqueles onde ele mais pregou Cristo, transmitindo a doutrina do Novo Testamento. Porém, ele não faz qualquer menção de Roma ou dos romanos, mas somente do Ponto, da Galácia, da Capadócia e da Ásia e Bitínia, aos da circuncisão (judeus). É incrível que Eusébio tenha se “esquecido” daquele lugar tão importante no qual os católicos insistem em colocar Pedro como um papa reinando durante vinte e cinco anos: Roma!
4- REFUTANDO OS “ARGUMENTOS” CATÓLICOS
Com base neste exaustivo estudo e nas inúmeras evidências objetivas de que Pedro nunca foi bispo de Roma, o nosso próximo passo será desmascarar as passagens distorcidas e mal-interpretadas pela Igreja Romana, em particular no concernente ao estudo da patrística. Como acabamos de ver, os pais da Igreja não tinham qualquer ligação com a tese do catolicismo referente ao primado de Pedro em Roma. Antes, eles se limitavam a dizer que Pedro chegou a Roma no final de sua vida, depois de ter pregado o evangelho em inúmeras regiões da Ásia como bispo de Antioquia, sendo martirizado no final do reinado do imperador Nero.
Tendo em vista que Pedro veio a Roma no período final de sua vida e lá foi martirizado, é comum encontrarmos muitas evidências patrísticas de que Pedro foi martirizado em Roma. Os católicos ficam cheios de esperança quando passam as suas “evidências” do bispado de Pedro em Roma, mas qualquer um que analisar honestamente os textos verá que pelo menos 90% deles não tem absolutamente nenhuma ligação com bispado, muito menos com 25 anos de estadia em Roma, mas somente a um martírio naquele lugar, o que poucas pessoas contestam, visto que era muito comum naquela época as pessoas serem conduzidas a Roma para serem julgadas e mortas.
Tal é o caso do apóstolo Paulo (que nunca foi bispo de Roma), e de Inácio de Antioquia (que também nunca foi bispo de Roma). Vejamos:
“Se, de fato, sou culpado de ter feito algo que mereça pena de morte, não me recuso a morrer. Mas se as acusações feitas contra mim por estes judeus não são verdadeiras, ninguém tem o direito de me entregar a eles. Apelo para César! Depois de ter consultado seus conselheiros, Festo declarou: ‘Você apelou para César, para César irá!’” (Atos 25:11-12)
Paulo foi transferido para Roma onde ele seria julgado pelo imperador romano em vigência (o “César”). Algum tempo depois ele seria condenado naquele mesmo lugar e ser martirizado no reinado de Nero, que era um imperador cruel ao extremo com os cristãos. O mesmo aconteceu com Inácio de Antioquia, já não mais sob Nero e já no início do segundo século (110 d.C): foi transferido para a cidade de Roma para ali ser martirizado pelos romanos. Vejamos a descrição de Eusébio de Cesaréia quanto a isso:
“Ao mesmo tempo adquiriram notoriedade Papias, bispo da igreja de Hierápolis, e Inácio, o homem mais célebre para muitos ainda hoje, segundo a obter a sucessão de Pedro no episcopado de Antioquia. Uma tradição refere que este foi trasladado da Síria à cidade de Roma para ser alimento das feras, em testemunho de Cristo” (História Eclesiástica, Livro III, 36:2)
Eu poderia ficar aqui passando quinhentos mil exemplos o dia todo, apenas com referências históricas de pessoas que foram martirizadas em Roma no final de sua vida, sem nunca terem sido bispos de Roma! O mesmo aconteceu com Pedro, pelo o que várias passagens utilizadas pelos católicos em nada servem para pôr Pedro em Roma como bispo por 25 anos; ao contrário, somente confirmam aquilo que está sendo dito ao longo de todo este estudo. Vejamos algumas dessas passagens:
“Todavia, deixando os exemplos antigos, examinemos os atletas que viveram mais próximos de nós. Tomemos os nobres exemplos de nossa geração. Foi por causa do ciúme e da inveja que as colunas mais altas e justas foram perseguidas e lutaram até a morte. Consideremos os bons apóstolos. Pedro, pela inveja injusta, suportou não uma ou duas, mas muitas tribulações e, depois de ter prestado testemunho, foi para o lugar glorioso que lhe era devido. Por causa da inveja e da discórdia, Paulo mostrou o preço reservado à perseverança. Sete vezes carregando cadeias, exilado, apedrejado, tornando-se arauto no Oriente e no Ocidente, ele deu testemunho diante das autoridades, deixou o mundo e se foi para o lugar santo, tornando-se o maior modelo de perseverança” (Clemente aos Coríntios)
Este é um texto utilizado pelos católicos em que eles milagrosamente enxergam nestas linhas que Pedro esteve em Roma por vinte e cinco anos, largou Antioquia, virou papa e chefe dos apóstolos! Eu posso recomendar ótimos oftalmologistas para os apologistas católicos tratarem o seu problema de miopia, pois não há absolutamente nada neste texto que sequer indique de maneira indireta ou misteriosa que Pedro tenha sido papa em Roma por 25 anos!
O que Clemente fazia nada a mais era senão recordar os feitos heroicos de Pedro e de Paulo como um exemplo de perseverança, assim como o autor de Hebreus fez exaustivamente ao longo do capítulo 11 de Hebreus, na galeria dos herois da fé. O autor de Hebreus utiliza exemplos dos profetas do Antigo Testamento, mas Clemente se utiliza de exemplos mais recentes, como os de Paulo e Pedro, que eram dois dos principais apóstolos. Embora cremos que Pedro foi martirizado em Roma, nem sequer isto o texto chega a dizer!
E, finalmente, se há algo de primado aí com relação a Pedro, então também deveríamos presumir o mesmo com relação a Paulo, já que ele é citado juntamente com Pedro no mesmo contexto! Será que existiam “dois papas” em Roma? É claro que não! Porém, vamos analisar as outras tentativas que vão daí pra pior:
"Tudo isso eu não vos ordeno como Pedro e Paulo; eles eram apóstolos, e eu sou um condenado" (ad Rom., c IV)
Por Inácio ter dito isso (que não tinha a autoridade de Pedro e de Paulo para dar ordens), os católicos concluem, sem sentido algum, que Pedro era bispo em Roma! Com estas interpretações seria necessário até mais do que um único oftalmologista! É claro que Inácio não estava dizendo que Pedro era papa em Roma, este assunto nem sequer foi tratado ao longo de toda a carta.
Inácio estava apenas reconhecendo que a sua autoridade era inferior à autoridade apostólica de Pedro e de Paulo. Eu poderia fazer a mesma coisa hoje e dizer que eu não tenho autoridade de dar ordens como Pedro e Paulo faziam. E daí? Será que eu estou reconhecendo Pedro como papa por causa disso? Será que eu estou tornando Pedro o “bispo de Roma” por causa disso? Óbvio que não.
Os argumentos utilizados pelos católicos são superficiais, falaciosos e contraditórios. Até porque, se o texto aí está se referindo ao papado, então Paulo também era papa, visto que Pedro não é mencionado sozinho! E, se de alguma forma o verso citado tem alguma relação a vinte e cinco anos de primado de Pedro em Roma, então por que com Paulo deveria ser diferente, já que Paulo é citado exatamente junto com Pedro?
Sabemos que Paulo só chegou a Roma no período final de sua vida, que nunca foi papa e muito menos bispo de Roma. Se o que Inácio disse não serve para fazer de Paulo tudo isso, então por que razão deveria indicar tudo isso para Pedro, já que Pedro é citado juntamente com Paulo? Dois pesos, duas medidas! Quando abandonamos o critério, a lógica e o bom senso, passamos a ser católicos. Vamos analisar agora alguns textos que eles utilizam nos escritos de Orígenes:
“Pedro, ao ser martirizado em Roma, pediu e obteve que fosse crucificado de cabeça para baixo" (Com. in Genes., t. 3)
“Pedro, finalmente tendo ido para Roma, lá foi crucificado de cabeça para baixo” (Fragmento conservado em HE, III, 1)
Mais uma vez, vemos que o primeiro texto não coloca Pedro como bispo de Roma, mas apenas afirma o seu martírio. O segundo complementa o primeiro e afirma quando é que Pedro veio a Roma (“finalmente tendo ido para Roma”), ou seja, no período final de sua vida. Estes dois textos, completamente longe de validar qualquer afirmação católica, servem apenas para confirmar novamente aquilo que já está sendo dito este tempo todo neste artigo.
Eles também se utilizam de fragmentos de Tertuliano, que disse: "Feliz Igreja, na qual os Apóstolos verteram seu sangue por sua doutrina integral!" - e falando da Igreja Romana, "onde a paixão de Pedro se fez como a paixão do Senhor”. Tertuliano também afirmou: "Nero foi o primeiro a banhar no sangue o berço da fé. Pedro então, segundo a promessa de Cristo, foi por outrem cingido quando o suspenderam na Cruz" (Scorp. c. 15).
Novamente, em ambos os textos tudo o que vemos é sobre o martírio de Pedro e Paulo, nada sobre a primazia de algum deles, muito menos sobre ser bispo de Roma! Se eles tivessem falando acerca de bispado, as citações ficariam possivelmente deste jeito:
"Tudo isso eu não vos ordeno como Pedro e Paulo; Pedro era papa, Paulo não" (Pseudo-Inácio)
“Pedro, ao ser bispo em Roma, pediu e obteve que fosse crucificado de cabeça para baixo" (Pseudo-Orígenes)
"Nero foi o primeiro a banhar no sangue o berço da fé. Pedro então, segundo a promessa de Cristo, foi bispo de Roma por vinte e cinco anos" (Pseudo-Tertuliano)
Será que foi deste jeito que eles se expressaram? Objetivamente não. Eles apenas relatavam o martírio dos apóstolos (Pedro e Paulo), e geralmente associavam Pedro a Paulo em igualdade. Nada é nos dito sobre primado, sobre bispado em Roma ou sobre os tais “vinte e cinco anos” da fantasia católica. Eles querem enxergar aquilo que simplesmente não há no texto, para manipular os leitores mais incautos.
Outro tiro no pé utilizado frequentemente pelos católicos é quando eles citam um bispo de Corinto chamado Dionísio, que certa vez disse:
"Tendo vindo ambos a Corinto, os dois apóstolos Pedro e Paulo nos formaram na doutrina do Evangelho. A seguir, indo para a Itália, eles vos transmitiram os mesmos ensinamentos e, por fim, sofreram o martírio simultaneamente” (Evas. Hist. Eccl. II 25)
Segundo eles, aí está a prova concreta de que Pedro assumiu a cátedra de Roma como bispo de lá por vinte e cinco anos! Não tão cedo. O que Dionísio afirma, na realidade, apenas serve para destruir as pretensões católicas, uma vez que ele afirma claramente que Pedro e Paulo vieram juntos para a Itália. Ora, sabemos pelo livro de Atos (At.28:14-31) que Paulo só chegou a Roma relativamente no final de seu ministério, já pelos idos de 61-62 d.C! Sabe o que isso significa? Significa que, já que Dionísio afirma que eles vieram juntos a Itália, que durante pelo menos 19/20 anos em que a Igreja Católica colocou Pedro como bispo de Roma ele simplesmente não poderia estar lá!
Se Dionísio pensasse que Pedro era bispo de Roma – e Paulo não – e que estava naquela cidade há vinte e cinco anos – e Paulo não –, simplesmente teria mencionado Pedro sozinho, ou como tendo chegado à Itália muito antes de Paulo. Porém, ele menciona os dois juntos, porque a citação não tem nada a ver com papado, episcopado ou qualquer coisa do tipo que os católicos enxergam onde não há nada a seu favor.
Além disso, Dionísio pode ter interpretado erroneamente os fatos históricos, uma vez sendo que o próprio livro de Atos nos deixa mais do que claro que Paulo não foi junto com Pedro a Roma, mas embarcou a Roma junto com Lucas e alguns outros, sem qualquer menção de Pedro (At.17:1-44; At.28:14-31). Será que Lucas esqueceria completamente que Pedro estava junto com eles no barco, viajando para Roma? É claro que não!
Portanto, a tradição de que Pedro e Paulo vieram juntos a Roma e lá fundaram aquela igreja local foi provavelmente uma tradição errônea, pois a igreja de Roma já existia muito antes do apóstolo Paulo ter chegado lá. Foi por isso que ele afirmou em sua epístola aos Romanos:
“Porque desejo ver-vos, para vos comunicar algum dom espiritual, a fim de que sejais confortados. Isto é, para que juntamente convosco eu seja consolado pela fé mútua, assim vossa como minha. Pois não quero que ignoreis, irmãos, como muitas vezes me tenho proposto ir ter convosco. Eu queria recolher algum fruto entre vós, como entre os outros pagãos, mas até agora tenho sido impedido” (Romanos 1:11-13)
Note que o apóstolo deixa claro que ele desejava vê-los, o que não havia sido possível até aquele momento em que ele escrevia aquela carta. Ele estava, até aquele momento, sendo impedido de visitar Roma. Isso significa que aquela igreja local já havia sido “fundada” antes de Paulo chegar lá; portanto, Paulo não pôde ter fundado aquela igreja. Paulo escreveu a sua epístola aos Romanos aproximadamente entre 55-57 d.C, e nela vemos claramente que ela já existia antes mesmo do apóstolo Paulo chegar lá!
Portanto, a tradição de que Pedro e Paulo chegaram juntos a Roma e lá fundaram a Igreja é uma tradição errônea, se interpretada da maneira pela qual os papistas interpretam. Paulo nunca pretendeu “fundar” igreja nenhuma em Roma, mas apenas passar de visita, como ele claramente diz em Atos:
“Depois dessas coisas, Paulo decidiu no espírito ir a Jerusalém, passando pela Macedônia e pela Acaia. Ele dizia: Depois de haver estado ali, é necessário também que eu vá visitar Roma" (Atos 19:21)
“A ele suplico, se for de sua vontade, conceder-me finalmente ocasião favorável de vos visitar” (Romanos 1:10)
Portanto, Paulo queria chegar a encontrar os irmãos de Roma, não para ocupar o episcopado ou fundar aquela igreja (até porque ela já existia antes de Paulo chegar lá), mas sim para fazer uma visita, como todos os textos bíblicos atestam e o próprio apóstolo confirma várias vezes. Sendo assim, o “fundar” no texto de Dionísio não tem nada a ver com ser bispo daquela igreja (o que Paulo nunca foi), mas sim no mesmo sentido que todos os outros pais da Igreja e a Escritura confirmam: no sentido de verter seu sangue pela doutrina de Cristo naquele lugar. Fundar tem o sentido de “edificar, estabelecer, erigir”.
Os apóstolos [Paulo e Pedro] estabeleceram a fé dos irmãos de Roma ao serem martirizados. Como o próprio Tertuliano uma vez disse: ”sanguis martyrum est sêmen christianorum” – ”o sangue dos mártires é semente de novos cristãos”. Em outras palavras, os cristãos eram fundados sobre a semente do martírio. Pedro e Paulo “fundaram” (i.e, edificaram, estabeleceram) a igreja de Roma com o seu próprio sangue, que era a semente da Igreja. Os cristãos de Roma, em especial, tinham a honra de que dois dos maiores apóstolos – Pedro e Paulo – derramaram o seu sangue naquele território.
Por isso a menção de “fundar” aquela igreja, que não está no sentido habitual de uso, mas sim no sentido que os cristãos primitivos usavam. Se o “fundar” ali está relacionado ao episcopado, então os católicos teriam que dividir o cargo de papa de Pedro com Paulo também. Afinal, Dionísio, no texto que eles usam, é muitíssimo claro em dizer que “os dois [Pedro e Paulo] nos formaram a doutrina do evangelho”, e que “sofreram [no plural] o martírio simultaneamente”. O mesmo podemos ver em todos os outros textos utilizados pelos católicos, especialmente naqueles que eles mais usam, os do presbítero Gaio, que no final do século II disse:
"Nós aqui em Roma temos algo melhor do que o túmulo de Filipe. Possuímos os troféus dos apóstolos fundadores desta igreja local. Ide à Via Ostiense e lá encontrareis o troféu de Paulo; ide ao Vaticano e lá vereis o troféu de Pedro” (Fragmento conservado em “História Eclesiástica”, de Eusébio de Cesaréia)
“Posso mostrar-vos os troféus (túmulos) dos Apóstolos. Caso queirais ir ao Vaticano ou à Via Ostiense, lá encontrareis os troféus daqueles que fundaram esta Igreja” (Fragmento conservado em “História Eclesiástica”, de Eusébio de Cesaréia)
Os “troféus”, de acordo com todas as interpretações antigas e tradicionais, diz respeito aos túmulos de Pedro e de Paulo, que sofreram o martírio naquele lugar. Em outras palavras, o “fundar” não diz respeito ao episcopado, mas sim ao martírio.
Se “fundar” estivesse no sentido de “episcopado” (como os católicos insistem para defender o episcopado de Pedro em Roma), então deveríamos conceder o mesmo também a Paulo, já que tanto Dionísio (Evas. Hist. Eccl. II 25), quanto Irineu (Adv. haer.cf. III, I), como também Gaio (Hist. Eccl., II, XXVIII) proclamam a mesma mensagem em colocar Pedro junto com Paulo em absolutamente todas as ocasiões.
Em outras palavras, se os católicos fossem criteriosos aqui, teriam que conceder o mesmo também a Paulo, que é mencionado junto a Pedro em todas as ocasiões citadas pelos católicos. Porém, como vemos pela Bíblia, pelos pais da Igreja e pela confissão dos próprios católicos, conferimos que:
-Paulo só chegou a Roma no período final de sua vida.
-Paulo nunca foi bispo de Roma.
-Paulo nunca ocupou o episcopado em Roma por 25 anos.
-Paulo foi martirizado em Roma.
O mesmo também é igualmente aplicado a Pedro, que:
-Só chegou a Roma no período final de sua vida.
-Nunca foi bispo de Roma.
-Nunca ocupou o episcopado em Roma por 25 anos.
-Foi martirizado em Roma.
De qualquer forma, ainda que os católicos discordem ferozmente com a interpretação evidente dos textos, teriam que largar o critério, a lógica e o bom senso se quiserem propor com aqueles textos acima que Pedro era papa em Roma. Afinal, todos eles, sem exceção, colocam Paulo junto a Pedro. Logo, se Pedro era papa por causa daqueles textos, Paulo não poderia deixar de ser. Se Pedro esteve vinte e cinco anos no episcopado de Roma, Paulo também.
E, se Pedro ficou 25 anos em Roma, por que Paulo não teria ficado? Por que aqueles textos que misteriosamente “provam” que Pedro foi bispo de Roma não servem para provar que Paulo também era? Os dois são mencionados juntamente, no mesmo contexto e na mesma ocasião. Se a deturpação católica em cima de tais textos da patrística estivesse correta, então pelo bom senso teríamos que atribuir a mesma interpretação para Paulo, o que a própria Igreja Católica não admite.
Mas, se aqueles textos não servem para colocar Paulo em Roma por 25 anos, como bispo ou chefe dos apóstolos, então certamente não deve valer também para Pedro, que é mencionado junto com ele! O raciocínio simples e a lógica destroem com qualquer pretensão católica de manipular a patrística aos seus interesses com pseudo-interpretações cheias de engano, que quando analisadas com critério e exegese colocam no chinelo as próprias pretensões católicas!
Finalmente, vale a pena mencionar um texto que constantemente aparece em cena em muitos sites católicos, de tal forma que eu não poderia deixar passar essa sem nenhuma consideração de tamanha adulteração. Roda pela internet um texto falsamente atribuído a Eusébio, que diz:
“Pedro, de nacionalidade Galileia, o primeiro pontífice dos cristãos, tendo inicialmente fundado a Igreja de Antioquia, se dirige a Roma, onde, pregando o Evangelho, continua vinte e cinco anos Bispo da mesma cidade” (Eusébio, História Eclesiástica)
Este é um texto mentiroso, farsante, adulterado e que possui 450 resultados na pesquisa do Google só de sites católicos divulgando essa mentira! Qualquer pessoa com um mínimo de interesse no livro de Eusébio de Cesaréia percebe com facilidade que essa passagem simplesmente não existe no seu livro. Pode até pesquisar na “procura” por qualquer palavra-chave (“Pontífice”, “Pedro”, “Roma”, “Antioquia”, ou qualquer outra) que não irá encontrar absolutamente nada parecido com isso!
Outro fator interessante é que absolutamente todos estes sites católicos mentirosos não passam a referência de onde Eusébio disse isso. A grande maioria não coloca nada, e outros inventaram simplesmente que está na “História Eclesiástica”. Este foi um método mais fácil que os farsantes utilizaram, já que a História Eclesiástica de Eusébio é composta de 10 livros, nestes livros há inúmeros capítulos e nestes capítulos há outros incontáveis versos! Em outras palavras, os farsantes se utilizaram de um método muito simples para camuflarem a sua adulteração descarada, que não é encontrada em parte alguma dos escritos de Eusébio.
Curiosamente, as outras passagens sempre tem referência exata, mas quando chega neste texto falsamente atribuído a Eusébio, as referências somem! Essa foi uma medida mais desesperada que os papistas se utilizaram para tentarem, em última instância, salvarem a tese católica dos “25 anos de Pedro em Roma”. Sabendo eles que todos os textos anteriores são facilmente refutáveis e que carecem de uma interpretação criteriosa da parte deles, tiveram que apelar para a falsificação de um mais direto que realmente provasse a tese deles, mas que infelizmente é completamente adulterado.
É digno de nota que a primeira vez em que essa tese entra em cena é no século V depois de Cristo, ou seja, quase quatrocentos anos depois da morte de Pedro! Todos – repito: todos os pais da Igreja que viveram antes deste tempo (e que foram mostrados aqui neste estudo detalhado sobre o tema), incluindo historiadores da Igreja primitiva (como Eusébio) e outros que viveram próximos aos apóstolos, unanimemente negavam a crença do primado de Pedro em Roma, alegando sempre que Pedro só chegou a Roma de passagem no fim de sua vida, já sob o reinado de Nero, para ser crucificado de cabeça pra baixo.
Essa é a realidade pura e simples, embora cruel para os católicos. O primeiro a pregar isso foi Jerônimo, já no princípio do século V, sendo seguido por Agostinho e Sulpício Severo. O mais curioso é que todos estes autores são da mesma época, o que evidencia claramente que foi neste período em que alguém influente dentro da Igreja (provavelmente o próprio Jerônimo) passou a “arriscar” o tempo em que Pedro ficou em Roma, sendo seguido pelos demais companheiros seus da mesma época.
Como podemos bem observar na tabela abaixo, fica muito claro de acordo com a Sagrada Escritura, com as obras históricas dos primeiros séculos e com os pais da Igreja dos primeiros séculos, que Pedro jamais foi bispo de Roma. Essa função foi primeiramente ocupada por Lino, após o martírio de Pedro e Paulo naquela cidade. Abaixo, uma reunião de todas as evidências históricas encontradas em todas as fontes dos primeiros séculos, que atestam objetivamente que o primado de Pedro em Roma não passa de uma fábula, e das mais ridículas.
4 – CRONOLOGIA HISTÓRICA DA VIDA DE PEDRO
[37 – 40 d.C]
1. Segundo a própria tradição católica, Pedro passa a ocupar o episcopado da igreja de Antioquia (HE, Livro III, 36:2). Os Pais da Igreja e os Concílios cristãos nos ensinam que um episcopado era irrevogável; portanto, ele não poderia ter se transferido e se tornado bispo de uma outra diocese, o que é repudiado pelo Concílio de Niceia sob a pena de excomunhão (Cânon XVI de Nicéia).
2.Pedro é citado estando em muitas cidades, tais como Jerusalém (At.8:1), Samaria(At.8:25), Lida (At.9:32), Cesaréia(At.10:1), Jope (At.10:5) e Antioquia (Gl.2:11); porém absolutamente nada é nos dito sobre a estadia dele em Roma, até o momento de Lucas concluir o livro de Atos, já em plena década de 60 da primeira era cristã, quando Pedro supostamente estaria no episcopado de Roma invisivelmente há 18 anos!
3.Os apóstolos não foram dispersos junto aos demais no episódio de Atos 8:1. Portanto, Pedro não foi para Roma, mas continuava em Jerusalém.
4.Quando Pedro e João foram enviados para a Samaria (At.8:14), eles voltaram pregando o evangelho em “muitos povoados samaritanos” (At.8:25), sem passar por Roma.
5.Pedro não ocupava a “cátedra de Roma”, mas, ao contrário, “viajava por toda parte” (At.9:32)!
[44 – 45 d.C]
6.Por um bom tempo, os cristãos que foram dispersos não anunciavam o evangelho a ninguém, senão “apenas aos judeus” (At.11:19). Como os romanos não eram judeus, fica difícil conciliar a ideia de que rapidamente Pedro se instalou por lá, procurando algum judeu para pregar o evangelho!
7.Pedro não foi ocupar a catedral de Roma, pois ele é narrado em Jerusalém sendo preso por Herodes com a intenção de mata-lo, sendo liberto por intervenção divina (At.12:2-17).
8.Pouco tempo depois, Herodes é morto (At.12:23), sendo tal fato narrado por Flávio Josefo como tendo ocorrido no quarto ano do reinado do imperador romano Cláudio. Sabemos historicamente que este imperador romano começou a reinar em 41 d.C. Sendo que a morte de Herodes (que ocorreu na sequencia da libertação milagrosa de Pedro, em Jerusalém) ocorreu no quarto ano deste imperador, então se deu em 45 d.C. Logo, em 45 d.C Pedro permanecia em Jerusalém, e não em Roma.
9.Pouco tempo depois, Paulo se encontra com Pedro em Antioquia, tendo que repreendê-lo face a face por sua “atitude condenável” (Gl.2:11). Isso se deu após o seu encontro com ele em 44 d.C em Jerusalém (Gl.2:1), o que nos mostra que depois de 44 d.C Pedro continuava sendo bispo em Antioquia, e não sumido para ir ocupar a catedral de Roma! Antioquia fica no Oriente: muito, muito longe de Roma!
[48 – 52 d.C]
10.Em 48 d.C, Paulo vai a Jerusalém e se encontra com Pedro, Tiago e João. Pedro, portanto, ainda se encontra em Jerusalém, estendendo a mão direita a Paulo e Barnabé, para a missão evangelística deles, em sinal de comunhão (Gl.2:9).
11.Ainda nessa reunião, em 48 d.C, Paulo relata que ele e Barnabé deveriam se “dirigir aos gentios, e eles [Pedro, Tiago e João] aos circuncisos [judeus]” (Gl.2:9). Portanto, tendo em vista a decisão deles mesmos, fica claro que Pedro, Tiago e João permaneceriam tratando com os circuncisos (judeus), e não com os gentios (como os romanos). Essa decisão deve ter perdurado durante um bom tempo, de modo que depois de 48 d.C ficou decidido que Pedro continuaria se dirigindo aos judeus, e não aos romanos (gentios).
12.A conversão de Paulo ocorreu em 35 d.C, sendo que ele afirmou ter estado 14 anos depois em Jerusalém, onde diz ter se encontrado pessoalmente com Pedro (Gl.2:1). De 35 d.C a 49 d.C, temos exatamente estes 14 anos. Portanto, em 49 d.C Pedro continuava em Jerusalém.
13.No Concílio de Jerusalém, liderado por Tiago (At.15:13-21), todos os apóstolos, Paulo, Barnabé e alguns fariseus convertidos ao Cristianismo se reúnem em Jerusalém para tratar de questões acerca da lei para os gentios. Dois fatos são marcantes aqui: o primeiro, é que Pedro continua em Jerusalém, e não em Roma. E o segundo, é que, se Pedro fosse papa e Roma fosse a principal catedral da fé cristã (como hoje ocorre no catolicismo), tal Concílio ocorreria em Roma (a sede do papa), e não em Jerusalém, há muitos e muitos quilômetros de distância. Portanto, ou Pedro não era papa, ou ele não dirigia a igreja de Roma, ou as duas coisas.
[54 – 57 d.C]
14.O imperador Cláudio, que reinou de 41-54 d.C, expulsou todos os judeus de Roma (At.18:2), motivo pelo qual Áquila e Priscila foram obrigados a deixar Roma (At.18:1,2). Será que Pedro, um judeu, da circuncisão, iria ser deixado em liberdade em Roma, sozinho, pregando o evangelho? É claro que não! Suetônio, na biografia do imperador Cláudio, confirma que “o imperador Cláudio expulsou de Roma os judeus que viviam em contínuas desavenças por causa de um certo Cresto (Cristo)”. Sendo que eles foram expulsos de Roma por causa de Cristo, Pedro não teria continuado lá, ainda mais se fosse o líder máximo dos cristãos como os católicos alegam! Portanto, são mais vários anos em que era impossível Pedro estar em Roma sozinho, sendo o único judeu cristão que não foi expulso!
15.Lactâncio afirma que Pedro só veio a Roma quando Nero já estava reinando (Carta a Donatus, Cap.II). Sendo que Nero reinou de 54 d.C a 68 d.C, fica claro que ele não veio a Roma antes disso, como a Igreja Católica alega. Pedro só chegou a Roma no período daquele imperador romano que o martirizou quando ele lá chegou ao final de sua vida.
16.Pedro é mencionado como evangelista itinerante por Paulo (1Co.9:5). Foi neste período em que ele realizou as suas diversas viagens ao longo de toda a província da Ásia, no Ponto, na Galácia, na Capadócia e na Bitínia, a quem ele destinou a sua primeira carta (1Pe.1:1). Portanto, estava viajando por diversas partes da Ásia por um longo tempo, sem estar nem perto de Roma!
17.Entre 54-57 d.C, Paulo escreve a sua epístola aos Romanos, não menciona Pedro ao longo de toda a carta, e no final saúda nominalmente mais de 28 pessoas, mas não faz nem menção de Pedro! Pessoas como Estáquis, Apeles, Aristóbulo, Trifena e Trifosa são lembradas por Paulo (Rm.16:10,12), mas o suposto “papa” infalível é simplesmente ignorado! Será mesmo que Paulo se lembrou de tanta gente e foi inventar de esquecer bem exatamente do suposto “papa”? É claro que não. Paulo se “lembraria” de Pedro, assim como se lembrou do trabalho de Apolo entre os Coríntios (1Co.3:6), do trabalho de Epafras entre os Colossenses (1Cl.1:5-7), e do trabalho de outros 28 irmãos de Roma (Rm.16). Paulo foi se “esquecer” bem de Pedro simplesmente porque este ainda não havia chegado a Roma!
18.Paulo escreveu Gálatas entre 55-60 d.C, e faz menção de que ele era “apóstolo aos gentios” e de que Pedro, em contraste, era “apóstolo aos circuncisos” (Gl.2:8). Ele afirma que a pregação do evangelho aos incircuncisos [não-judeus] lhe havia sido confiada, e a pregação aos circuncisos [judeus] havia sido confiada a Pedro (Gl.2:7). Tendo em vista isso, é óbvio que Pedro, como apóstolo aos judeus (“circuncisos”), iria se dirigir aos judeus, não apenas em Jerusalém, mas onde havia centros do judaísmo, tal como a província de Babilônia de onde ele escreve a sua primeira epístola (1Pe.5:13), e não em Roma que era predominantemente gentia, incircuncisa e pagã!
19.É importante vermos as palavras de Jesus ao apóstolo Paulo: “Importa que dês testemunho de Mim também em Roma” (At.23:11). Incrível! Onde será estava Pedro, que não tornava conhecido o nome de Jesus nesta cidade, a ponto de ser necessário Jesus levantar o apóstolo Paulo para que o seu nome tivesse testemunho ali? Se Pedro fosse essa liderança tão importante, já estando testemunhando do Senhor nesta cidade há mais de vinte anos (conforme os cálculos dos católicos), então o nome do Senhor já teria testemunho naquele lugar. Portanto, cabe pensar que em 54-57 d.C ainda não havia tal testemunho de Pedro.
[61 – 62 d.C]
20. Em 61-62 d.C, Paulo chega como prisioneiro a Roma, mas Pedro não é mencionado recebendo o seu colega de ministério. Considerando que era bem comum o gesto respeitável de receber os irmãos que estavam vindo à sua província, como Tiago fez com Paulo (At.21:18), é estranho que Pedro não tenha feito o mesmo com ele e recebê-lo em seu território. Mais estranho ainda é ver que durante dois anos em que Paulo esteve mantido em custódia e uma casa em Roma, Pedro não o foi visitar nenhuma vez (At.28:30).
21.Os “Atos de Paulo” relatam que apenas Lucas e Tito estavam junto com Paulo em Roma (10:1). Até momentos antes de seu martírio, são apenas estes dois que o acompanham em Roma, sem qualquer menção de Pedro (10:5).
22.Ainda analisando a chegada de Paulo a Roma, quando Pedro já deveria estar tornando o evangelho conhecido naquela cidade, é nos dito que os que lá estavam não tinham conhecido o evangelho, ao ponto de terem de marcar um dia determinado com Paulo, para que este lhes expusesse o testemunho do Reino de Deus naquele lugar (At.28:23-25). Se Pedro já estivesse há mais de vinte anos pregando ali, eles já estariam doutrinados e não desconheceriam a doutrina que lhes era anunciada por Paulo.
23.As cartas de Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom foram escritas por Paulo no mesmo período (60-61 d.C), enquanto ele estava em território romano. Porém, em absolutamente nenhuma delas é relatado Pedro junto com ele, em Roma. Ao contrário, o que vemos é que:
---Na carta a Filemom, é relatado cinco pessoas junto com Paulo em Roma: (1)Epafras; (2)Marcos; (3)Aristarco; (4)Demas; (5)Lucas – Fl.1:23-25. Misteriosamente, Pedro não aparece.
---Na epístola aos Filipenses, Paulo menciona os do “palácio de César” (Fp.4:22), sem fazer qualquer alusão a Pedro ou dos da “cátedra de Pedro”.
---Na carta aos Colossenses, são mencionados: (1)Tíquico; (2)Onésimo; (3)Aristarco; (4)Marcos; (5)Jesus; (6)Epafras; (7)Lucas; (8)Demas – Cl.4:7-14. Além de Pedro não ser mencionado aí de novo, também é nos dito que os cinco primeiros (de Tíquico a Jesus) eram “os únicos da circuncisão que são meus cooperadores em favor do Reino de Deus” (Cl.4:11). Sabemos que Pedro também era do grupo da circuncisão (Gl.2:7,8); porém, Paulo menciona estes cinco como sendo os únicos que estavam colaborando com ele em Roma pelo Reino de Deus. Portanto, Pedro não estava em Roma, muito menos como bispo!
[64 d.C]
24. Paulo escreve de Roma a sua segunda epístola a Timóteo, onde afirma expressamente que “só Lucas está comigo” (2Tm.4:11). Se Lucas era o único, então Pedro não estava com ele em Roma! Nessa mesma carta, ele envia saudações de vários irmãos, incluindo Êubulo, Prudente, Lino e Cláudia (2Tm.4:21,22), mas novamente não menciona Pedro.
25.Pedro escreve a sua primeira epístola, não de Roma, mas da Babilônia (1Pe.5:13). Alguns autores católicos tentam inutilmente sustentar a hipótese de que Babilônia era Roma (para salvar a tese do papado), mas falham miseravelmente ao não conseguirem conciliar diversos fatos incontestáveis, tais como:
---A linguagem enigmática com relação à cidade de Roma não aparece em nenhum lugar na história antiga senão no Apocalipse, escrito por João em 95 d.C. Antes disso, não há absolutamente nenhum relato de Roma como sendo a “Babilônia”!
---Em absolutamente todas as vezes em que algum autor bíblico ou secular fala acerca de Roma, o diz abertamente, sem rodeios. Foi assim ao longo de todo o livro de Atos, que foi escrito por esta mesma época, e que fala de Roma abertamente, sem “mistérios” ou “códigos” a serem desvendados através de “outros nomes” (At.28:14; At.28:16; At.19:21; At.23:11; At.18:2). Quando Paulo escreve aos romanos, alguns anos antes, ele não emprega “linguagem enigmática” e muito menos diz estar escrevendo “aos babilônicos”. Ao contrário, ele declara abertamente estar escrevendo aos romanos (Rm.1:15).
---O mesmo acontece também quando Paulo escreve nesta mesma época a sua segunda epístola a Timóteo, falando de Roma com transparência, sem mistérios (2Tm.1:17). Portanto, se os autores bíblicos que escreveram na mesma época de Pedro não usaram linguagem enigmática para tratar de Roma, mas falaram abertamente sobre ela, por que então Pedro iria trocar “Roma” por “Babilônia”? Não faz lógica alguma, além de mutilar e esquartejar o critério bíblico, a lógica textual e o bom senso. As regras de exegese simplesmente aniquilam as pretensões católicas “enigmáticas”.
---Um outro fator essencial e de profunda relevância é o fato de que, de acordo com a esmagadora maioria dos católicos, a “Babilônia” do Apocalipse é Jerusalém, e não Roma! Algum tempo atrás, um preterista católico negou que em 1Pe.5:13 Pedro estivesse se referindo a Roma. Para salvar a sua tese preterista de que Babilônia é Jerusalém, ele teve que admitir que era uma referência a Jerusalém, e não a Roma. O mesmo fazem os outros apologetas católicos que estão despertando neste sentido. Eles estão percebendo que a tese preterista deles do Apocalipse vai por água abaixo quando dizem que em 1Pe.5:13 a simbologia diz respeito a Roma, porque isso significaria que é Roma a Babilônia espiritual, o que eles não admitem em hipótese alguma.
---Portanto, os católicos tem que ser criteriosos aqui: se a referência é direta e clara, então é realmente da província da Babilônia que Pedro escreve a sua carta. Mas, se a linguagem é figurada e enigmática, então eles têm que seguir as suas crenças de que a Babilônia espiritual é Jerusalém, e não Roma. De um jeito ou de outro, a tese de que Pedro escrevia de Roma vai direto para o espaço sideral. Ou, senão, é o critério católico que vai para o espaço (mas eu não duvido muito disso, visto que a falta de critério é o ponto mais forte dos “argumentos” deles).
---Inúmeros eruditos católicos tem percebido a total ilógica desta tentativa católica frustrada de colocar Pedro em Roma, e tem voltado atrás em sua interpretação de que a “Babilônia” de onde Pedro escrevia tratava-se de Roma. Dentre eles, podemos destacar Pedro de Marca, João Batista Mantuan, Miguel de Ceza, Marsile de Pádua, João Aventin, João Leland, Charles du Moulin, Luís Ellies Dupin e Desidério (Gerhard) Erasmo. Dupin, um historiador eclesiástico, foi além e disse:
“A Primeira Epístola de Pedro é datada de Babilônia. Muitos dos antigos compreenderam este nome como significando Roma; mas não aparece nenhum motivo que pudesse induzir S. Pedro a mudar o nome de Roma para o de Babilônia. Como poderiam aqueles a quem escreveu entender que Babilônia significava Roma?”
---Diante do contexto, vemos que Pedro não estava retratando um cenário enigmático ou misterioso, como um código a ser desvendado pelos seus leitores. Sabemos que a “Babilônia” que João se refere no Apocalipse é enigmática porque todo o contexto apocalíptico é enigmático. Porém, o mesmo não se aplica no caso de 1Pe.5:13, que é simplesmente uma narração comum feita de modo simples, claro e direto, dizendo o nome [real] dos irmãos que estavam com ele, e da cidade [real] que ele estava escrevendo sua carta. Portanto, se os católicos querem enfiar goela abaixo que a Babilônia é Roma, terão além de tudo que distorcer o próprio contexto para favorecerem as suas teorias!
---Portanto, a Babilônia citada por Pedro diz respeito a uma cidade real, não uma enigmática a ser desvendada por um enigma que fere a lógica, o bom senso e o contexto, mas sim a cidade da Babilônia situada junto ao Eufrates. A evidência histórica nos mostra que foi de lá que Pedro escreveu, pois havia uma considerável população judaica na vizinhança da Babilônia, nos primeiros séculos da era cristã. A própria Enciclopédia “The International Standard Bible” diz:
“Babilônia permaneceu um foco do judaísmo oriental durante séculos, e, das discussões nas escolas rabínicas ali foi elaborado o Talmude de Jerusalém no quinto século de nossa era, e o Talmude de Babilônia, um século depois”
---Pedro quis dizer exatamente o que ele escreveu. Ele era o “apóstolo aos circuncisos” (Gl.2:8), pois a evangelização dos judeus foi confiada a Pedro, enquanto que a dos não-judeus foi confiada a Paulo (Gl.2:7-9). Paulo deveria se dirigir aos gentios, e Pedro aos judeus (Gl.2:9). Portanto, Pedro trabalhou neste centro do judaísmo, como era a Babilônia, durante algum tempo, em que ele esteve escrevendo a sua primeira epístola, dirigida àqueles a quem ele anteriormente havia pregado o evangelho extensivamente na província da Ásia durante muitos anos (1Pe.1:1).
---Desta forma, Pedro, ao pregar em um centro do judaísmo, estava cumprindo o seu papel de apóstolo aos judeus, diferentemente de Roma, em que ele estaria pregando aos pagãos, tarefa esta que era atribuição de Paulo (Gl.2:7-9). Vale ressaltar que a Babilônia do Eufrates, de onde Pedro escreveu a sua carta, fica a 3000 km de distância de Roma, eliminando ainda mais as chances de Pedro ser bispo daquela cidade do outro lado do mapa! Pedro não escreveu nem de Roma, nem para os romanos!
26.De acordo com os Atos de Xantipas, Pedro só cria o desejo de ir a Roma depois que Paulo partiu para a Espanha, e depois que ele já havia estabelecido a igreja de Roma e dela ter sido ameaçada pelo mago Simão (Cap.24). Sendo que o primeiro fato se deu entre 63-64 d.C e o segundo por volta de 61-62 d.C (adicionando mais um tempo considerável até Simão ter quebrado aquela igreja com doutrinas estranhas), fica claro que no mínimo até 64 d.C Pedro não havia chegado a Roma. Foi somente por esta época que ele criou o sonho de ir um dia visitar Roma, o que se consumaria alguns anos depois com o seu martírio naquele lugar.
27.Eusébio faz uma lista dos lugares por onde Pedro mais pregou Cristo e transmitiu a doutrina do Novo Testamento aos que procediam da circuncisão, e não inclui Roma em momento algum, conquanto que tenha mencionado outras cinco diferentes províncias (HE, Livro III, 4:2).
[66 – 67 d.C]
28.Segundo relatos patrísticos, Pedro chega a Roma no final de sua vida (66-68 d.C), para ser martirizado, após ter pregado a palavra de Deus no Ponto, na Galácia e na Bitínia, na Capadócia e na Ásia, durante a maior parte de sua vida (HE, Livro III, 1:2).
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
COMO OS CATÓLICOS IMAGINAM PEDRO
Por mais que este estudo exaustivo tenha refutado todas as passagens católicas e tirado as poucas esperanças nos apologistas católicos, retirando deles o último sorriso em seu rosto, eu aposto que haverá alguém que irá ler tudo isso, e mesmo assim preferir continuar na mais pura ignorância bíblica e histórica, simplesmente porque não consegue se desligar das tradições humanas que corroeram a sua mente por tanto tempo.
Porém, eu creio também que existem católicos que vão ler este artigo e serão tomados de arrependimento, ou pelo menos por uma convicção intelectual de que estão no erro, de que os seus sofismas estão edificados sobre a areia da praia, de que as suas interpretações são deturpações e de que as provas são muito mais sólidas e consistentes do lado da verdade evangélica.
Por mais que alguém possa chorar, berrar ou espernear, tudo aquilo que foi exposto por mim neste espaço está facilmente acessível a qualquer um que queira consultar as obras que aqui foram citadas. Todos os documentos históricos estão abertamente disponíveis, estão citados por obra, capítulo e versículo, de modo que não há desculpas para a ignorância de quem não quer aprender, ou prefere continuar no engano por conta própria.
Além de escrever visando mostrar a verdade para muitos católicos honestos que eu tenho certeza que darão atenção a um estudo aprofundado como este (que é muito distinto dos milhares de materiais superficiais encontrados em todos os cantos da internet), eu também escrevi visando defender a fé daquele crente sincero, que geralmente não encontra suporte na apologética evangélica (especialmente no tema do primado de Pedro e da patrística) e muitas vezes tem a sua fé abalada, às vezes até volta para o catolicismo por não encontrar um material que defenda a fé de uma forma eficiente.
Portanto, o meu segundo objetivo foi defender a fé deste crente que, longe de buscar ajuda nos sites católicos, pode agora dispor de informações importantes que irão trazer mais segurança à sua fé. De um jeito ou de outro, aos simples ou aos eruditos, aos católicos ou evangélicos, o artigo visa acima de tudo defender a verdade, ainda que esta verdade doa para alguns. Não é fácil ver que você viveu uma vida inteira em um erro teológico que pode custar muito futuramente, e que o manteve durante anos em uma doutrina enganosa, fruto da imaginação humana e não da informação histórica.
Afinal, se Pedro nunca foi bispo de Roma, então os bispos romanos (papas atuais) não são sucessores de Pedro e, desta forma, todo o sistema papal cai como um efeito dominó, assim como uma grande casa de sofismas edificada sobre a areia da praia, antes de vir a tempestade dos argumentos documentais.
Assim como tudo em nossa vida, as nossas decisões não devem ser tomadas com base na tradição familiar ou nos sofismas e mitos. A nossa fé deve estar fundamentada sobre as Sagradas Escrituras que apontam para o Filho único do Deus vivo. É nEle que devemos colocar as nossas esperanças, e olharmos para as Escrituras como sendo o nosso espelho e padrão a ser seguido.
Se essa Escritura tende a nos corrigir por algum erro, só nos resta corrigir. Não nos cabe contradizer a Escritura divina, seja quando ela vier a repreender alguns de nossos vícios, seja quando imaginarmos sermos capazes de ensinarmos algo melhor do que ela. Devemos pensar e crer que é muito maior, mais digno, louvável e verdadeiro o que está escrito, do que qualquer coisa que possamos pensar ou saber por nós mesmos. Cabe a todo leitor tirar deste texto as conclusões que lhe pareçam mais justas e, se necessário for, tomar uma atitude radical em direção à verdade documental.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli.
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