Certa vez um calvinista entrou em um site arminiano postando críticas a um determinado artigo que tratava sobre o calvinismo, com um texto repleto de ataques pessoais e fundamentalmente ensinando que Deus é o autor do pecado. Alguns posts dele foram apagados, ele reclamou e recebeu como resposta:
“Seus últimos posts foram eleitos para a danação. Do que se queixa ainda? Não sabes que o autor do blog é soberano para isso? Mas saiba que a eleição foi condicional; condicional ao ‘argumentum ad hominem’”[1]
De fato, para os calvinistas, tudo o que acontece neste mundo foi determinado de antemão por Deus – até mesmo os posts do calvinista que foram deletados. Como Clark Pinnock observa, “até mesmo meus argumentos contra a predestinação estavam predestinados!”[2]
De acordo com a Stanford Encyclopedia of Philosophy, “determinismo é todo evento se torna necessário por eventos e condições antecedentes”. Embora ele não seja expressamente um dos cinco pontos da TULIP calvinista, ele é a base de todo o calvinismo, que dá fundamento para todos os outros pontos. Não é sem razão que Calvino, antes de pregar qualquer coisa sobre eleição, predestinação, expiação ou graça irresistível, fez questão de dedicar vários capítulos de seu primeiro volume das Institutas para pregar o determinismo. Sem o determinismo, não há calvinismo.
W. E. Best resume a visão calvinista do determinismo nas seguintes palavras:
“Os decretos de Deus podem ser considerados como um único decreto complexo que inclui todas as coisas. A extensão do decreto de Deus cobre tudo antes do tempo, durante o tempo e depois do tempo. É imutável. Não há nenhuma mudança no propósito divino. Nenhuma ação nova jamais entrará na mente divina. Além disso, não haverá nenhuma reversão do plano divino”[3]
Contra a visão determinista do calvinista, onde Deus determina tudo o que acontece, o arminiano crê no indeterminismo, que, diferente do que alguns pensam, não significa que Deus não determina nada, e sim que nem tudo foi predestinado previamente. No determinismo, todos os atos são causados por Deus, enquanto no indeterminismo os atos que não são determinados por Deus são autocausados, ou seja, causados pelo próprio indivíduo, e não por algum agente externo à ele.
Iremos começar abordando o determinismo nas palavras do próprio Calvino, para, em seguida, expormos algumas razões pelas quais tal conceito é biblicamente e logicamente inviável.
• O determinismo exaustivo de Calvino
É verdade que o termo “determinismo exaustivo” é redundante, pois todo determinismo é exaustivo, mas uso esse termo para expressar melhor o sentido calvinista de que nada, nenhum evento, nenhum pensamento, nenhum acontecimento escapa do determinismo divino – por isso é um determinismo exaustivo. Para os calvinistas, Deus decretou desde antes da fundação do mundo todos os acontecimentos que iriam ocorrer. Ele não apenas sabia pela presciência o que ocorreria em função de atos livres, mas determinou tudo o que aconteceria.
Mas deixemos que o próprio Calvino explique o que ele tinha a nos dizer sobre isso:
“Assim se deve entender que todas e quaisquer eventuações que se percebem no mundo provêm da operação secreta da mão de Deus”[4]
“Por isso, pois, ele é tido por onipotente, não porque de fato possa agir, contudo às vezes cesse e permaneça inativo; ou, por um impulso geral de continuidade ao curso da natureza que prefixou, mas porque, governando céu e terra por sua providência, a tudo regula de tal modo que nada ocorra senão por sua determinação”[5]
“Já que estamos debaixo de sua mão, nada sofremos senão pela ordenação e mandado de Deus. Pois, se o governo de Deus assim se estende a todas as suas obras, é pueril cavilação limitá-lo ao influxo da natureza”[6]
Mas para que tudo ocorra de acordo com o decreto divino previamente estabelecido, é necessário intervir diretamente na vontade e nos pensamentos do homem, pois no calvinismo o homem só age de acordo com aquilo que deseja agir:
“E a este ponto se estende a força da divina providência, não somente que sucedam as eventuações das coisas como haja previsto ser conveniente, mas também que ao mesmo se incline a vontade dos homens. Verdade é que, se atentamos para a direção das coisas externas segundo nosso modo de ver, até este ponto nada haveremos de duvidar que estão situadas sob o arbítrio humano. Se, porém, damos ouvidos a tantos testemunhos que proclamam que também nestas coisas externas o Senhor rege a mente dos homens, somos compelidos a sujeitar o próprio arbítrio ao impulso especial de Deus”[7]
Como vemos, para Calvino a própria vontade do homem, embora pareça estar no arbítrio dos homens, na verdade é governada por Deus, que “rege a mente dos homens”. É Deus que nos impulsiona e nos inclina a vontade para que os eventos que Ele determinou desde a eternidade venham a acontecer. Isso parece lógico, já que para garantir que os eventos ocorram é necessário agir na intenção e na vontade dos homens. Assim, até mesmo as nossas vontades e pensamentos, que pensamos que provém de nós mesmos, na verdade vem de Deus, na concepção de Calvino.
Mas até que ponto vai esse determinismo calvinista? Alguns poderiam pensar que eu exagero quando digo que os próprios argumentos contra o determinismo já estavam determinados, ou que se uma folha da árvore cair no chão é porque Deus determinou isso por um decreto eterno antes da fundação do mundo. Mas era exatamente assim que Calvino cria. Ele não pensava que Deus determinava algumas coisas, ou apenas as ações dos homens, mas tudo, desde os pensamentos até as coisas inanimadas:
“De tudo constituímos a Deus árbitro e moderador, o qual, por sua sabedoria, decretou desde a extrema eternidade o que haveria de fazer, e agora, por seu poder, executa o que decretou. Daí, afirmamos que não só o céu e a terra, e as criaturas inanimadas, são de tal modo governados por sua providência, mas até os desígnios e intenções dos homens, são por ela retilineamente conduzidos à meta destinada”[8]
As coisas inanimadas são, portanto, nada mais senão instrumentos nas mãos de Deus, sem nenhuma ação ou movimento aleatório, mas tudo decretado:
“Portanto, quem quiser guardar-se desta infidelidade, tenha sempre em lembrança que não há nas criaturas nem poder, nem ação, nem movimento aleatórios; ao contrário, são de tal modo governados pelo conselho secreto de Deus, que nada acontece senão o que ele, consciente e deliberadamente, o tenha decretado”[9]
“E quanto às coisas inanimadas, por certo assim se deve pensar: embora a cada uma, individualmente, lhe seja por natureza infundida sua propriedade específica, entretanto não exercem sua força senão até onde são dirigidas pela mão sempre presente de Deus. Portanto, nada mais são do que instrumentos aos quais Deus instila continuamente quanto quer de eficiência e inclina e dirige para esta ou aquela ação, conforme seu arbítrio”[10]
Este determinismo exaustivo se vê até nas gotas de chuva, pois, para ele, não cai sequer uma única gota de chuva a não ser pela explícita determinação de Deus:
“Se acolhemos essas razões, é certo que não cai sequer uma gota de chuva, a não ser pela explícita determinação de Deus”[11]
Até mesmo algo imaterial, como o vento, jamais surge ou desencadeia a não ser quando Deus explicitamente determina:
“Concluo que vento algum jamais surge ou se desencadeia a não ser por determinação especial de Deus”[12]
O próprio vôo das aves é determinado por Deus:
“Por certo que até o vôo das aves é governado pelo determinado conselho de Deus”[13]
Estes e outros exemplos semelhantes nos mostram que Calvino não abria exceções para o determinismo divino. Para ele, tudo, tudo mesmo, incluindo pensamentos humanos e coisas inanimadas, foi tudo determinado por Deus por Seu decreto antes da fundação do mundo, de modo que “nada acontece, a não ser por sua determinação”[14], uma vez que “não há nada mais absurdo do que alguma coisa acontecer sem que Deus o ordene”[15].
Desta forma, se Roberto Baggio chutou para fora o pênalti que deu o título mundial ao Brasil na Copa de 94, a causa primeira disso não foi porque ele pegou muito embaixo na bola, nem porque lhe faltou treinamento em cobrança de pênaltis, ou por estar nervoso e sentindo a pressão da torcida. A causa primeira foi porque Deus determinou antes da fundação do mundo que ele perderia o pênalti, e não havia nada que ele pudesse fazer naquele momento para não errar. Se Baggio pudesse voltar ao tempo e cobrar o pênalti de novo por mil vezes, ele erraria mil vezes, pois Deus determinou que ele erraria.
Toda a nossa vida, incluindo tudo aquilo que pensamos que acontece por nossas próprias atitudes e livre-arbítrio, na verdade é como um jogo de Xadrez manipulado por dedos divinos. Assim como em uma novela os personagens não tem escolha própria, mas fazem apenas aquilo que o roteiro determina, em nossa vida não temos verdadeiras escolhas, mas somo como robôs. A diferença é que, na novela, o personagem sabe que não está no controle, enquanto em nossa vida temos a ilusão de estarmos tomando decisões. É a ilusão do livre-arbítrio. Para Calvino, o homem não está no arbítrio de seus caminhos, mas tudo ocorre por escolha divina, e não humana:
“Digam agora que o homem é movido por Deus segundo a inclinação de sua natureza, mas ele próprio dirige o movimento para onde bem quiser. Ora, se isso realmente fosse assim, com o homem estaria o arbítrio de seus caminhos. Talvez o negarão, porquanto o homem nada pode sem o poder de Deus. Quando, porém, se evidencia que o Profeta e Salomão atribuem a Deus não apenas poder, mas também escolha e determinação, de modo algum conseguem desvencilhar-se”[16]
Ele prossegue dizendo que Deus não decretou tudo de uma forma geral, para que os homens tivessem algum governo sobre suas próprias vidas, mas que rege cada evento individualmente, de modo que nada procede a não ser por determinismo divino:
“Portanto, cabe-nos provar que Deus rege de tal modo cada evento individual, e de tal sorte todos eles provêm de seu conselho determinado, que nada acontece por acaso”[17]
Para ele, Deus não tem apenas um governo geral, mas dirige especificamente a ação de cada criatura, de modo que nenhuma criatura pode se mover de um lugar para outro, nem o homem pode fazer qualquer coisa livremente, mas cada detalhe é individualmente pré-determinado por Deus:
“Nem é tão crasso o erro daqueles que atribuem a Deus o governo das coisas; todavia, como já o disse, um governo confuso e geral, isto é, um governo que, mediante um movimento geral, revolve e impulsiona a máquina do orbe, com todas as suas partes, uma a uma; no entanto, ele não dirige especificamente a ação de cada criatura. Contudo, nem mesmo tal erro é tolerável. Porque ensinam que esta providência, à qual chamam universal, não impede que alguma criatura se mova de um lugar a outro, nem que o homem faça o que bem exige seu arbítrio. E assim fazem uma divisão entre Deus e o homem: aquele, por seu poder, insufla a este um movimento pelo qual possa agir de conformidade com a natureza nele infundida; este, porém, governa suas ações por determinação da própria vontade. Em suma, querem que o universo, as coisas humanas e os próprios homens sejam governados pelo poder de Deus, porém não por sua determinação”[18]
Ele cita outros vários exemplos para mostrar que nada ocorre senão por determinação divina. Até mesmo se alguém cai nas garras de assaltantes, se é devorado por animais ferozes ou se morre soterrado, foi porque Deus assim determinou que deveria ocorrer:
“Se alguém cai nas garras de assaltantes, ou de animais ferozes; se do vento a surgir de repente sofre naufrágio no mar; se é soterrado pela queda da casa ou de uma árvore; se outro, vagando por lugares desertos, encontra provisão para sua fome; arrastado pelas ondas, chega ao porto; escapa milagrosamente à morte pela distância de apenas um dedo; todas essas ocorrências, tanto prósperas, quanto adversas, a razão carnal as atribui à sorte. Contudo, todo aquele que foi ensinado pelos lábios de Cristo de que todos os cabelos da cabeça lhe estão contados [Mt 10.30], buscará causa mais remota e terá por certo que todo e qualquer evento é governado pelo conselho secreto de Deus”[19]
Em função de seu determinismo exaustivo, Calvino tinha uma visão distorcida sobre bênção e maldição. Para ele, as guerras, as pestes e as doenças eram maldições de Deus para o juízo da morte eterna sobre os ímpios:
“Ora, as guerras, a fome, as pestes, as doenças são tanto maldições de Deus quanto o próprio juízo da morte eterna, enquanto são infligidas com este propósito: que sejam instrumentos da ira e da vingança do Senhor contra os réprobos”[20]
O problema com essa teoria é que os justos e tementes a Deus também participam e morrem em guerras, também são alvos das mesmas pestes que atingem os ímpios e também sofrem com doenças – o próprio Calvino morreu doente, com apenas 54 anos. Mas ele não podia fugir de sua própria lógica, porque, se essas calamidades não são “gerais”, mas são determinadas individualmente por Deus para cada um, então todo êxito é bênção de Deus e toda calamidade é maldição dEle, como ele diz:
“Afinal de contas, se todo bom êxito é bênção de Deus, toda calamidade e adversidade são sua maldição, já não se deixa nenhum lugar à sorte ou ao acaso nas coisas humanas”[21]
“Tudo o que de próspero há emana da fonte da bênção de Deus; todas as coisas adversas são maldições suas”[22]
Isso também fez com que Calvino pensasse que a fertilidade e a esterilidade são bênçãos ou maldições singulares de Deus, como se a chuva devesse cair só para os justos e não para os ímpios:
“Se aqueles aos quais impugno dizem que Deus se mostra mui liberal para com os homens, porque infunde ao céu e à terra uma força regular para que nos provejam de alimentos, isso não é senão uma fantasia inconsistente e profana; seria como negar que a fertilidade de um ano é uma bênção singular de Deus, e a esterilidade e a fome são sua maldição e castigo”[23]
Jesus rejeitou claramente este pensamento quando disse que Deus “faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mt.5:45). Para Calvino, as bênçãos eram determinações singulares de Deus somente para os justos e as maldições eram determinações singulares de Deus somente para os réprobos, mas Cristo diz exatamente o contrário. Aqui nesta vida, o justo e o ímpio estão em iguais condições. O sol se levanta sobre os maus e os bons, a chuva sobre justos e injustos. A diferença estará na outra vida, na vida eterna, na ressurreição dos mortos.
De outra forma, seria difícil explicar como que nove dos dez países mais ateus do mundo são desenvolvidos, ou como que o homem mais rico do mundo é um ateu[24], ou como que alguns países com maior quantidade de evangélicos possam ser menos prósperos e avançados do que países com menos quantidade de cristãos, ou por que muitas vezes o justo sofre e o ímpio prospera. É claro e evidente que a teoria determinista de Calvino estava errada.
Se o determinismo calvinista estivesse certo, teríamos que pensar que sempre quando alguma coisa ruim acontecia com o apóstolo Paulo, que ficou doente várias vezes e passou por naufrágios, apedrejamentos, chibatadas, perseguições, fome e prisões, é porque estava sendo amaldiçoado por Deus o tempo todo, pois para Calvino todo mal acontecimento é uma maldição singular de Deus.
E o que dizer do próprio Senhor Jesus, que não tinha onde reclinar a cabeça, que foi zombado, crucificado e morto? E os ímpios que só tem coisas boas? A “força regular” que Calvino tanto condena é a única coisa que dá sentido real à vida, a não ser para quem viva em um mundo encantado completamente distinto do que vivemos[25].
Mas as consequencias do determinismo de Calvino eram muito mais profundas que isso, e ele sabia muito bem disso. Se Deus determina tudo, então ele determina até mesmo o pecado. Dizer que Deus não determina o pecado seria excluir do determinismo divino um tanto infindável de eventos, algo que Calvino não estava disposto a abrir mão.
Sem determinar o pecado, o determinismo ficaria com buracos e lacunas que teriam que ser fechados pelo homem, o que ele não estava disposto a admitir. Sem determinar o pecado, o determinismo já não seria determinismo, mas indeterminismo, visto que o indeterminista não crê que nada é determinado, e sim que nem tudo é determinado. Isso, é lógico, Calvino não podia tolerar. Para salvar seu determinismo, ele teria que ensinar que até mesmo o pecado e o mal são determinados por Deus.
Se um tsunami mata milhares, foi Deus que determinou essas mortes. Se Osama Bin Laden ordena um ataque terrorista em 11 de Setembro de 2001, ele nada mais estava fazendo a não ser cumprir aquilo que Deus havia decretado que teria que acontecer. Deus poderia não ter determinado aquilo, mas ele quis determinar. Que era assim que Calvino via as coisas, isso fica claro em outras analogias que ele faz, como quando diz que os assassinatos são fruto do decreto divino:
“Imaginemos, por exemplo, um mercador que, havendo entrado em uma zona de mata com um grupo de homens de confiança, imprudentemente se desgarre dos companheiros, em seu próprio divagar seja levado a um covil de salteadores, caia nas mãos dos ladrões, tenha o pescoço cortado. Sua morte fora não meramente antevista pelo olho de Deus, mas, além disso, é estabelecida por seu decreto”[26]
Portanto, para Calvino, Deus não apenas tem presciência do crime, mas ele também estabelece o crime. Os crimes não são fruto de um livre-arbítrio humano mal utilizado e antevisto por Deus, mas são frutos diretos do decreto divino e tais homens são meramente instrumentos nas mãos de Deus, que não podiam fazer nada a não ser executar o crime. É por isso que ele diz que todo o mal dos ímpios procede do decreto divino que lhes é infligido:
“Do quê concluímos que nada de mal eles sustém que não proceda do justíssimo juízo de Deus que lhes é infligido”[27]
Que os ímpios são meros instrumentos nas mãos de Deus para praticar suas impiedades, ele deixa claro:
“Deus de tal modo usa as obras dos ímpios e a disposição lhes verga a executar seus juízos, que Ele próprio permanece limpo de toda a mácula”[28]
Para ele, Deus obriga os justos e os ímpios à obediência de seus decretos pré-estabelecidos:
“Uma vez que a vontade de Deus é a causa de todas as coisas, a providência é estatuída como moderatriz em todos os planos e ações dos homens, de sorte que não apenas comprove sua eficiência nos eleitos, que são regidos pelo Espírito Santo, mas ainda obrigue os réprobos à obediência”[29]
Comentando esse texto, Olson diz:
“Como Calvino poderia se colocar de maneira mais direta e mais forte do que essa? Deus compele os réprobos, os ímpios, para obedecer sua vontade. Em outras palavras, até mesmo o mal feito pelas pessoas perversas é preordenado e tornado certo por Deus”[30]
Calvino cita Agostinho em defesa da tese de que Deus ordena o pecado:
“Agostinho, no livro V da obra Contra Juliano, contende, em longa oração, que os pecados são não apenas da permissão ou da presciência divina, mas também de seu poder, para que assim sejam punidos os pecados precedentes”[31]
Como vemos, na opinião de Calvino o pecado não é meramente permitido por Deus por causa do livre-arbítrio humano, mas é determinado por Ele. Por isso ele cria que o pecado dos maus, seja qual for, provinha de Deus:
“Acertadamente, assim define Agostinho a matéria em certo lugar: ‘Que os maus pequem, isso eles fazem por natureza; porém que ao pecarem, ou façam isto ou aquilo, isso provém do poder de Deus, que divide as trevas conforme lhe apraz’”[32]
Então, se o homem cai no pecado, é porque Deus assim ordenou que seria:
“Portanto, o homem cai porque assim o ordenou a providência de Deus”[33]
Calvino é ainda mais explícito sobre isso quando diz:
“Os crimes não são cometidos senão pela administração de Deus. E eu concedo mais: os ladrões e os homicidas, e os demais malfeitores, são instrumentos da divina providência, dos quais o próprio Senhor se utiliza para executar os juízos que ele mesmo determinou. Nego, no entanto, que daí se deva permitir-lhes qualquer escusa por seus maus feitos”[34]
“A suma vem a ser isto: que, feridos injustamente pelos homens, posta de parte sua iniqüidade, que nada faria senão exasperar-nos a dor e acicatar-nos o ânimo à vingança, nos lembremos de elevar-nos a Deus e aprendamos a ter por certo que foi, por sua justa adminitração, não só permitido, mas até inculcado, tudo quanto o inimigo impiamente intentou contra nós”[35]
Em suma, Deus não apenas permite ou antevê o pecado por sua presciência (o que o torna passivo na questão do pecado e o livra de toda e qualquer mancha do mesmo), mas ele incita, inculta, determina e ordena tais pecados. Eles fazem parte do decreto divino, e Deus determina que este decreto se cumpra plenamente, de modo que a causa primeira do pecado não é o pecador ou o criminoso, que é meramente um instrumento nas mãos de Deus, mas é o próprio Deus, que determinou que aquilo aconteceria antes mesmo do pecador nascer!
Se é assim, então o próprio pecado de Adão, o pecado original, foi preordenado e tornado certo por Deus. E era assim mesmo que Calvino cria. Um dos sub-capítulos das Institutas diz:
“A Queda de Adão foi preordenada por Deus, e daí a perdição dos réprobos e de sua linhagem”[36]
Ele também diz que Adão caiu por predestinação, e ainda acrescenta que essa condição miserável em que o homem se acha, afundado no pecado, é da vontade de Deus, porque Ele assim determinou que seria:
“Quando perecem em sua corrupção, outra coisa não estão pagando senão as penas de sua miséria, na qual, por sua predestinação, Adão caiu e arrastou com ele toda sua progênie. Deus, pois, não será injusto, que tão cruelmente escarnece de suas criaturas? Sem dúvida confesso que foi pela vontade de Deus que todos os filhos de Adão nesta miserável condição em que ora se acham enredilhados”[37]
Ele também disse:
“Pois não é provável que o homem tenha buscado sua perdição pela mera permissão de Deus, e não por sua ordenação”[38]
Ou seja: Deus não só permitiu a Queda, mas também a ordenou. Calvino repreende aqueles que dizem que Deus apenas permitiua Queda, mas não a causou. Contra eles, ele diz que Deus explicitamente decretou o pecado de Adão e que nada disso foi por causa do livre-arbítrio, mas porque Deus determinou em seu conselho secreto:
“Negam que subsista em termos explícitos que por Deus foi decretado que Adão perecesse por sua apostasia. Como se realmente esse mesmo Deus, que a Escritura proclama ‘fazer tudo quanto quer’ [Sl 115.3], haja criado a mais nobre de suas criaturas com um fim ambíguo! Dizem que foi apanágio do livre-arbítrio que ele próprio dispusesse seu destino; Deus, porém, não destinou nada, senão que o tratasse conforme seu mérito. Se tão insípida invenção for aceita, onde estará aquela onipotência de Deus pela qual, segundo seu conselho secreto, o qual de nenhuma outra coisa depende, a tudo governa e regula?”[39]
A lógica de Calvino é simples: se a Queda não foi determinada por Deus, mas ocorreu meramente em função do livre-arbítrio de Adão, então toda a sua tese sobre o determinismo divino cairia por terra. Ele sabia que para salvar sua teoria no determinismo exaustivo Deus teria que ter determinado tudo, até mesmo a Queda original, de modo que o pecado não aconteceu pelo livre-arbítrio de Adão sem que Deus o decretasse, e sim por Deus tê-lo predestinado a este fim.
É por isso que ele diz, mais adiante, que “a rejeição dos réprobos procede também da vontade divina, não da presciência de suas obras más”[40]. Dizer que as obras más dos ímpios eram meramente previstas por Deus estava longe de ser o suficiente para Calvino. Era necessário também que fosse determinado pela própria vontade de Deus.
Para ele, os roubos, os adultérios e os homicídios ocorreram porque Deus quis que ocorressem e porque Ele ordenou que ocorressem, de modo que ao fazermos o mal estamos cumprindo aquilo que Deus ordenou desde o princípio:
“Mas, replicarão, a não ser que ele quisesse os roubos, os adultérios e os homicídios, não o haveríamos de fazer. Concordo. Entretanto, porventura fazemos as coisas más com este propósito, ou, seja, que lhe prestemos obediência? Com efeito, de maneira alguma Deus não no-las ordena; antes, pelo contrário, a elas nos arremetemos, nem mesmo cogitando se ele o queira, mas de nosso desejo incontido, a fremir tão desenfreadamente, que de intento deliberado lutamos contra ele. E, por essa razão, ao fazermos o mal, servimos a sua justa ordenação, porquanto, em decorrência da imensa grandeza de sua sabedoria, ele sabe, bem e convenientemente, fazer uso dos instrumentos maus para efetuar o bem”[41]
Ele também sustentava que o homem caiu no pecado porque Deus assim julgou ser conveniente:
“Além disso, sua perdição de tal maneira pende da predestinação divina, que ao mesmo tempo há de haver neles a causa e a matéria dela. O primeiro homem, pois, caiu porque o Senhor assim julgara ser conveniente. Por que ele assim o julgou nos é oculto”[42]
Certamente um deus que é conveniente com o pecado não é o Deus que as Escrituras nos mostram, que odeia tanto o pecado que chegou ao ponto de sacrificar Seu Filho unigênito para tirar os nossos pecados. Para Calvino, Deus era a causa e a razão do pecado, e por conveniência ordenou que o homem caísse no pecado e trouxesse consigo todas as desgraças que vemos hoje – que também foram determinadas por Deus.
Por tudo isso e muito mais, o historiador Will Durant disse que “nós sempre acharemos difícil amar o homem que obscureceu a alma humana com a concepção mais absurda e blasfema de Deus em toda a longa e honrada história da tolice”[43]. Resta-nos saber se os seus seguidores, os calvinistas, também seguiram o determinismo de Calvino e confirmaram tudo o que ele disse, ou se eles tomaram uma dose de bom senso e viraram indeterministas.
• O determinismo exaustivo em calvinistas posteriores
Infelizmente, os calvinistas posteriores mantiveram o determinismo de Calvino e, por conta disso, tal ensino (que é a base da predestinação) é abundante nas obras de qualquer calvinista. Eles creem nele de forma tão apaixonada que R. C. Sproul chegou até mesmo a dizer que quem não é determinista é ateu[44]. A doutrina determinista foi aprovada em Westminster, cujo catecismo diz:
“Os decretos de Deus são o seu eterno propósito, segundo o conselho da sua vontade, pelo qual, para sua própria glória, Ele predestinou tudo o que acontece”[45]
Arthur W. Pink disse que “Deus decretou onde cada um irá viver: o país específico no qual deve nascer, e a própria cidade, comunidade, vila e casa na qual irá habitar, e quanto tempo irá permanecer lá”[46]. Ele ainda diz que “uma mosca não pode pousar sobre você sem a ordem do Criador”[47]. David West adiciona que “Deus predestina todas as coisas, animadas e inanimadas. Seu decreto inclui todos os anjos, bons e maus”[48].
John Gill especifica ainda mais:
“Em resumo, tudo a respeito de todas as pessoas do mundo, que existiram, existem e existirão, está em harmonia com os decretos de Deus, e está de acordo com eles; a vinda e a hora da vinda dos homens ao mundo e todas as circunstâncias que a acompanham; todos os eventos e acontecimentos com que eles irão deparar, durante todo o tempo de sua vida; seus locais de moradia, suas posições, ocupações e emprego; suas condições de riqueza e pobreza, de saúde e doença, adversidade e prosperidade; seu tempo de sair do mundo, com tudo que está envolvido; tudo está de acordo com o determinado conselho e vontade de Deus”[49]
No calvinismo, não apenas as ações, mas até mesmo os pensamentos estão predestinados:
“Todas as coisas ocorrem conforme a predestinação divina; não apenas as obras que fazemos exteriormente, mas até mesmo os pensamentos que pensamos interiormente”[50]
Que os calvinistas continuaram crendo no determinismo é algo tão óbvio que nos poupa a necessidade de passar mais citações. Vamos direto ao que interessa: Deus determina o pecado ou não?
• O problema do pecado e do mal
Certa vez, Calvino disse aos anabatistas:
“Quem não se sentirá estupefato diante dessas monstruosidades?”[51]
O que ele não esperava é que a sua própria teologia, muito mais do que a dos anabatistas, fosse realmente monstruosa. Contra ela, Wesley declarou que “o Deus misericordioso aparece como um tirano excêntrico mais enganoso e cruel do que o próprio diabo; e a pessoa humana como um autômato”[52]. De fato, até mesmo as atitudes do diabo nada mais seriam senão o resultado direto do decreto de Deus.
No calvinismo, o diabo não passa de um instrumento nas mãos daquele que é realmente o responsável por aqueles atos, pois Satanás não faz nada que Deus já não tivesse predestinado de antemão que ele deveria fazer. Sendo assim, se há algo de mal no diabo ou em suas atitudes, é muito mais porque Deus determinou que seria assim do que por qualquer ato livre do diabo, visto que nem mesmo o diabo é livre. Isso levou o mesmo John Wesley a dizer:
“Tu, tolo, por que estás rosnando há tanto tempo? Tua mentira, em esperar pelas almas, é tão desnecessária e inútil, quanto nossas pregações”[53]
De fato, qualquer “rosnado” do diabo, qualquer ataque, qualquer tentação, qualquer enganação ou qualquer ímpeto dele contra nós não seria nada mais senão o que Deus determinou que ele deveria fazer. O diabo não é realmente a causa primeira de seus atos. Seus atos já estavam pré-determinados. Não havia nada que ele pudesse fazer a não ser aquilo que ele faz. As suas mentiras, tanto quanto a pregação dos cristãos, são inúteis. Estão apenas cumprindo um decreto. O diabo é um servo passivo nas mãos de Deus, nunca um inimigo. Qualquer coisa que o diabo faça, é porque Deus determinou que faria. O fato do diabo ser mal é mera consequencia. A causa primária é Deus.
Nenhum calvinista diz que Deus não determina o pecado. Se ele dissesse isso, não seria calvinista, ou, no mínimo, estaria fugindo para bem longe de Calvino, e para bem perto de Armínio. Um calvinista indeterminista é algo tão coerente quanto um calvinista arminiano. Mas nem todos os calvinistas afirmam isso de forma explícita. Alguns, como Sproul, preferem usar o termo “permissão” quando em relação ao pecado, mas não o usam no mesmo contexto que os arminianos o usam.
Quando os arminianos dizem que Deus “permite” o pecado, eles estão querendo dizer exatamente aquilo que o termo “permissão” transmite. Algo não-determinado, não-ordenado, não-inculcado, não-incentivado, não-decretado, mas meramente permitido. E a razão para essa permissão é exatamente em função do livre-arbítrio humano, pois se Deus não permitisse nenhum pecado ele estaria tirando dos seres humanos a capacidade de livre-arbítrio que Ele lhes concedeu.
De fato, Deus tinha apenas quatro opções antes de criar o mundo. Ele poderia não ter criado nada, poderia ter criado apenas seres irracionais, poderia ter criado seres robotizados ou poderia ter criado seres livres. Como Deus queria criar o homem para um relacionamento de amor com ele, a primeira opção e a segunda não eram viáveis. Deus não seria amado por uma criação irracional ou inexistente. Não haveria nenhum tipo de relacionamento.
A terceira opção é a opção calvinista. Deus poderia ter criado, caso assim quisesse, um mundo com tudo pré-determinado, com seres humanos que pensassem estar agindo livremente quando, na verdade, seus pensamentos e ações foram todos decretados de antemão. Seres que, na melhor das hipóteses, seriam como marionetes e robôs, sem livre-arbítrio.
Não haveria um verdadeiro relacionamento em amor, pois o próprio amor destes seres a Deus seria predestinado. Ninguém escolheria amar a Deus. Deus não seria amado, não teria um relacionamento e seria visto como um tirano. Deus seria um grande manipulador de marionetes e nós seríamos as marionetes. Deus seria um grande roteirista de cinema e nós seríamos os atores, cujo destino e ações já estão traçados. Seria amado com um amor forçado, e se relacionaria com sua criação de uma forma tão profunda quanto um jogador de vídeo game se relaciona com um personagem selecionado, que está programado para apenas seguir comandos dados. Não, Deus não desejou criar isso.
Finalmente, havia uma quarta e última opção para Deus. Ele poderia criar seres inteligentes e livres, capazes de tomar decisões, de optarem pelo bem ou pelo mal, pelo certo ou pelo errado, de amarem ou não amarem, de crerem ou não crerem, de se relacionarem com ele ou de o rejeitarem. Assim, o relacionamento existiria, o amor seria sincero, a comunhão seria livre, e os seres seriam moralmente responsáveis por seus atos, pois teriam capacidade de tomar decisões e de agir contrário à forma com que agiram.
Mas havia um risco: se os seres criados seriam realmente livres, e poderiam realmente fazer escolhas, então eles poderiam optar por não buscarem um relacionamento com Deus. Eles poderiam amar mais a si mesmos do que a Deus. Poderiam virar as costas para ele e rejeitarem a graça oferecida. E esse afastamento entre o homem e Deus seria reconhecido como pecado. E o pecado, quando consumado, geraria a morte. Sim, era um risco que Deus teve que correr, mas era a única forma de fazer este mundo e esta vida ter algum valor.
Então, quando um arminiano diz que Deus permite o pecado, ele não está dizendo nada parecido como quando um calvinista diz o mesmo. Permitir é simplesmente não impedir, por não restringir um ato livre. Já o calvinista tem um conceito contrário, onde permitir é algo que o próprio Deus planejou, decretou e determinou de antemão que teria que acontecer. É algo que faz parte do plano e da “soberania” divina[54].
Portanto, que o leitor não se iluda quando lê um autor calvinista dizendo que Deus permite o pecado. Ele não está dizendo que Deus somente permite. Ele não está dizendo que Deus não determinou aquilo. Ele não está dizendo que aquilo está fora dos decretos divinos feitos antes da fundação do mundo, nem que essa permissão não inclua nada como “tornar certo” ou que seja puramente passiva. O próprio contexto das citações deles mostra que eles têm um conceito distinto de permissão, que nada mais é senão um termo mais leve para representar aquilo que eles realmente creem: em Deus determinando o pecado.
Alguns calvinistas são mais corajosos e admitem isso abertamente, sem rodeios, assim como Calvino fazia. Gomarus, o principal inimigo de Armínio, disse que “Deus move as línguas dos homens para blasfemar”[55]. O Dr. Gill afirmou que “a queda de Adão foi pelo determinado conselho e presciência de Deus”[56]. Peter Jong vai mais longe e diz que “Deus claramente pré-ordena o mal”[57], e Edwin Palmer ainda diz que “a Bíblia é clara: Deus ordena o pecado”[58]. O defensor da soberania de Deus, John Feinberg, diz que “é impossível para Deus remover o mal”[59], porque o mal já está no “decreto” divino.
Arthur W. Pink escreveu uma das mais célebres declarações sobre isso:
“Não apenas Seu olho onisciente viu Adão comendo do fruto proibido, mas Ele decretou antecipadamente que ele devia comer”[60]
E ele ainda diz:
“Claramente foi a vontade de Deus que o pecado deveria entrar neste mundo, de outra forma ele não teria entrado, pois nada acontece salvo conforme o que Deus eternamente decretou. Além do mais, foi mais do que uma mera permissão, pois Deus somente permite aquilo que tem proposto”[61]
Gresham Machen também é bem ousado:
“Todas as coisas, incluindo até mesmo as ações malévolas dos homens perversos e dos demônios, são trazidas à existência de acordo com o propósito eterno de Deus”[62]
Henry Atherton vai além e diz que Deus não apenas decretou, mas desejou o pecado:
“Certamente, se Deus não tivesse desejado a Queda, Ele poderia - e sem dúvida teria - ter impedido que ela acontecesse, mas Ele não a impediu: logo, Ele a desejou. E se Ele a desejou, Ele certamente a decretou”[63]
John Feinberg não para por aí e diz que “a pobreza também é decretada. O que quer que seja que causa essa pobreza também foi decretado como meios conducentes a essa pobreza”[64]. Ele faz questão de dizer que “Deus decreta todas as coisas, inclusive os meios e os fins”[65]. E então dispara:
“Embora possa parecer estranho que Deus decretasse algo contrário a Seus desejos, é exatamente assim que acontece. É certo que o pecado é algo contrário aos desejos de Deus; no entanto, é uma realidade, e Ele o decreta, se Efésios 1:11 é verdade”[66]
Vicent Cheung repudia os calvinistas que dizem que Adão era livre antes da Queda. Ele diz que Adão não tinha nenhuma liberdade, nem mesmo antes da Queda, e que Deus causou o pecado:
“Também, os calvinistas frequentemente afirmam que Adão foi livre antes da Queda. Mas, novamente, eu sempre falo de liberdade com relação a Deus, e desta perspectiva, eu diria que Adão não teve nenhuma liberdade, seja qual for, nem mesmo antes da Queda. Ser ‘livre’ para pecar é irrelevante. A questão é se Adão era livre de Deus para escolher permanecer livre do pecado – ele não era. Além disso, eu não diria que Deus permitiu Adão cair, mas que Deus causou a Queda”[67]
Até mesmo o reformador Ulrich Zwínglio não escapou de dizer que “a obra do pecado não parte de qualquer outra pessoa a não ser Deus”[68], e que “Deus sozinho é a única causa sobre tudo, de maneira que outras assim chamadas causas são simplesmente instrumentos do trabalhar divino”[69]. Palmer também confirma que “todas as coisas, incluindo o pecado, são causadas por Deus”[70]; Boettner não fica atrás e destaca que “a queda de Adão, e através dele a queda da raça, não foi por acaso ou acidente, mas foi assim ordenada nos conselhos eternos de Deus”[71].
E ele ainda acrescenta:
“Deus muito obviamente predeterminou todo evento que aconteceria, de sorte que até mesmo os atos pecaminosos do homem estão inclusos neste plano”[72]
John Piscator é outro que diz que Deus deseja que nós pequemos e que causa esses pecados:
“Deus propriamente deseja que cometamos pecados, e de fato absolutamente deseja que eles sejam cometidos; não somente isto mas ele também causa no tempo estes mesmos pecados”[73]
Não conformado com isso, Palmer ainda diz que esse ensino é “bíblico”:
“É até bíblico dizer que Deus preordenou o pecado. Se o pecado estivesse fora do plano de Deus, então nem uma única questão importante da vida seria governada por Deus”[74]
Nem mesmo John Piper se salva dessa. Ele diz que, “de alguma maneira que nós não podemos entender plenamente, Deus é capaz, sem ser culpado de ‘tentar’, de garantir que uma pessoa faça o que Deus ordena que ele faça ainda que isso envolva o mal”[75]. Ele também afirma que “Deus decreta um estado das coisas [incluindo o mal] ao passo que também deseja e ensina que um estado de coisas diferentes deva acontecer”[76], e que “até mesmo uma bomba com material radioativo que destrua Mineápolis seria de Deus”[77]. Ele também disse que Deus não apenas permitiu os ataques de 11 de Setembro, mas os causou[78].
Palmer diz que Deus determina coisas maravilhosas. O movimento de um dedo, a batida de um coração, o riso de uma menina... e então coloca o pecado no meio:
“Ele predeterminou tudo ‘segundo o conselho da sua vontade’ (Efésios 1:11): o movimento de um dedo, a batida de um coração, o riso de uma menina, o erro de um datilógrafo – até mesmo o pecado”[79]
Claro, o pecado não poderia ficar de fora. Mas, como disse Wiliam Shedd, “o pecado é um dos ‘tudo quanto’ acontece, todos os quais são ‘ordenados’”[80]. O mesmo acrescenta que “nada acontece contrário ao seu decreto. Nada acontece por acaso. Até o mal moral, que ele abomina e proíbe, ocorre pelo determinado conselho e presciência de Deus”[81]. Jonathan Edwards dispara que “ao desejar o mal, Deus não faz o mal”[82], como se o simples fato de desejar o mal já não fosse suficientemente condenável, ainda mais em se tratando de Deus.
Teodoro de Beza, o discípulo de Calvino, afirmou que “Deus predestinou qualquer pessoa que Ele desejou não somente para a condenação, mas da mesma forma para as causas da condenação”[83]. De uma forma paradoxal, Palmer acresce que “Deus deseja o pecado e a descrença indesejosamente; ele não se deleita neles”[84]. Mas, como disse Olson, “como Deus não se deleita naquilo que ele mesmo preordenou e tornou certo para a sua glória? Ele não se deleita em ser glorificado?”[85].
Pink é outro que diz que o pecado foi da vontade de Deus, e não apenas de seu decreto:
“Claramente foi da vontade de Deus que o pecado entrasse neste mundo, caso contrário não teria entrado, pois nada acontece, exceto o que Deus eternamente decretou. Além disso, houve mais do que uma simples permissão, pois Deus só permite coisas que realizam o seu propósito”[86]
A razão pela qual vemos tantos calvinistas seguindo Calvino e Edwards na tese de que Deus não apenas decretou o pecado, mas o desejou, é que não faz qualquer sentido Deus decretar algo que não deseja. É a mesma coisa que dar uma folha em branco para uma pessoa escrever qualquer coisa e ela decidir escrever coisas que ela não deseja escrever.
Deus poderia ter determinado qualquer coisa que quisesse, mas decidiu determinar o mal e o pecado. O mal e o pecado, então, não são apenas parte integrante do decreto divino, mas também constituem a vontade de Deus, que ele desejou que acontecessem, senão não teria determinado que ocorressem. Crianças morrendo de fome na África, a malária e outras doenças terríveis, o estupro de bebês, o homicídio, a tortura, tudo seria determinado por um Deus que poderia ter determinado o contrário se quisesse. Mas não quis.
Feinberg tenta resolver sobre este problema, dizendo:
“É preciso que se faça a distinção entre a perfeita vontade de Deus e aquilo que se denomina, com freqüência, vontade permissiva de Deus. A primeira diz respeito àquelas partes do decreto que estão de acordo com os desejos de Deus e as melhores coisas que Ele almeja para nós. A vontade permissiva de Deus refere-se àquelas coisas que, embora integrando o decreto, são contrárias aos desejos de Deus e às melhores coisas que Ele almeja para nós”[87]
Então vemos que no calvinismo existem coisas que Deus decretou e deseja, enquanto há coisas que ele decretou e odeia. Se isso não é um deus bipolar e falso, eu não sei o que é. Deus decreta coisas que ele detesta, e depois diz para nós não as praticarmos, mas não há como não as praticarmos pois ele já as decretou.
Além disso, como Deus pode “almejar melhores coisas para nós” se elas são contrárias àquilo que ele decretou sobre nós? Se o decreto é imutável, a declaração de que Deus deseja algo diferente e melhor para nós é algo puramente superficial e sem sentido. É como dar uma ordem para um serial killer matar alguém, tomar todas as precauções do mundo para que este assassinato ocorra mesmo e depois que essa pessoa for assassinada dizer que “almejou coisas melhores para ela”. Almejou como, decretando o contrário? É uma distinção sem sentido, absolutamente irrisória. Seria melhor deixar as coisas como estão e jogar a questão para o “mistério”.
• A visão arminiana sobre a predestinação do mal
É evidente que os arminianos não concordam com a visão calvinista de que Deus determina todos os males da história da humanidade e decreta todos os pecados, todo o sofrimento e todos os crimes que já existiram. E isso por uma simples razão: tal doutrina faria de Deus o autor do pecado e do mal e o tornaria tão desumano quanto o diabo. Se o diabo estivesse no poder, certamente ele só determinaria pecados. E o Deus calvinista leva vantagem sobre o diabo apenas nisso: além de determinar pecados, também determina “coisas boas” de vez em quando.
Antes de mostrarmos a opinião arminiana sobre a posição calvinista, é necessário dizer que nenhum arminiano crê que nenhum sofrimento possa ser infligido por Deus. Deus nunca determinou pecado nenhum, mas, às vezes, o sofrimento (que difere do mal moral[88]) é necessário para o crescimento espiritual dos cristãos e, outras vezes, Deus executa seus juízos sobre os ímpios com algo que inclui sofrimento – o inferno, por exemplo[89].
O problema no calvinismo é que Deus não determina o sofrimento em algumas ocasiões específicas com um fim específico de crescimento espiritual na vida de algum cristão, nem executa seus juízos – que podem incluir sofrimento, como foi no Egito com as dez pragas – senão de forma banal e incondicional, onde todo o mal no mundo nada mais é senão o decreto divino em ação.
No calvinismo, um pedófilo é pedófilo porque Deus determinou que ele seria pedófilo e, portanto, ele não poderia fazer nada para mudar o fato de ser um pedófilo. Foi algo determinado e fixo antes da fundação do mundo, é imutável, não depende em nada da influência humana, não foram as escolhas do indivíduo que levaram Deus a determinar que ele seria um pedófilo, nada no indivíduo fez com que Deus tivesse essa escolha.
Para citar um exemplo prático, suponhamos que uma pessoa livremente decida ser um pedófilo, alicie crianças e estupre indefesos. Deus pode, na visão arminiana, executar seu juízo sobre este pedófilo, seja com a morte ou com algum outro método que ele queira. Mas no calvinismo é Deus que determina que ele seja um pedófilo, é Deus que determina que ele alicie crianças, é Deus que determina que ele estupre indefesos e é Deus que determina que ele sofra um juízo pelos seus maus atos. Que sentido tem o juízo num mundo desses? Nenhum, a não ser por pura diversão.
O juízo só faz sentido caso algo mal tenha sido praticado livremente, e não se tudo é determinado, incluindo a própria ação má. Mas se todas as ações más são juízos de Deus, como cria Calvino, então deveríamos entender que Deus executa seus juízos executando estupro de menores, empregando a tortura e estimulando a pedofilia, já que tudo é determinado por Deus, e todas as ações más que Deus determina são juízos dele. Isso é obviamente abominável e é de pasmar como possa existir cristãos que ainda creem nisso.
E, ainda nas ocasiões em que Deus executa os seus juízos, isso não inclui o pecado. Deus nunca, em hipótese alguma, de nenhum modo concebível, pode determinar uma coisa como um estupro de um infante por um pecado deste infante ou de seus pais. Deus não tem nenhuma parte com o pecado. Quando Deus executa os seus juízos, ele nunca usa um pecado para este fim. Deus não justifica os fins pelos meios. Ele não peca para depois ensinar santidade. Ele não determina todo o pecado que há no mundo para depois dizer para não pecar. Isso é um decretum horribile.
Foi este ensino calvinista que afastou Armínio e os arminianos do calvinismo, e, de fato, é este mesmo ensino que continua afastando cada vez mais pessoas do calvinismo, e umas das explicações para o fato de que o calvinismo que antes era tão predominante no protestantismo tenha perdido tantos adeptos e hoje seja minoria na comunidade evangélica como um todo.
Ninguém quer servir a um Deus que possa tê-lo predestinado não apenas à perdição, mas também às causas da perdição. Até mesmo um crente que hoje pensa estar salvo e firme na fé pode, na verdade, estar predestinado por Deus a apostatar, a blasfemar e a cometer todos os tipos de pecado e terminar no fogo do inferno. E não há nada que este indivíduo possa fazer para mudar isso. Ele não pode mudar o decreto eterno que Deus fez de forma incondicional, sem qualquer relação com sua presciência ou com atos livres praticados pelo sujeito.
Foi por isso que Armínio expressou que este ensino calvinista é “pior do que o qual nem mesmo o próprio diabo pôde conceber em seu propósito mais maligno”[90]. Ele disse que “a partir destas premissas nós deduzimos que Deus, de fato, peca, que Deus é o único pecador, e que o pecado não é pecado”[91]. Para ele, “esta doutrina é repugnante à natureza de Deus e injuriosa à glória de Deus”[92].
Ele também disse:
“Se esta ‘determinação’ denotar o decreto de Deus pelo qual Ele resolveu que a vontade deveria ser depravada e que o homem deveria cometer pecado, então a consequencia disso é que este Deus é o autor do pecado”[93]
John Wesley foi outro que rejeitou fortemente o determinismo calvinista. Em seu famoso sermão “Graça Livre”, ele disse que iria “mencionar um pouco dessas terríveis blasfêmias contidas nessa horrível doutrina”[94], e Susana Wesley, sua mãe, afirmou que “a doutrina da predestinação, como sustentada pelos rígidos calvinistas, é muito repugnante, e deve ser completamente abominada, porque ela acusa o mais santo Deus de ser o autor do pecado”[95].
David Bentley é ainda mais enfático:
“Ele exige que acreditemos e que amemos um Deus cujos fins bondosos serão realizados não apenas apesar de – mas totalmente por forma de – toda crueldade, cada miséria fortuita, cada catástrofe, cada traição, cada pecado que o mundo já conheceu, ela exige que acreditemos na necessidade espiritual eterna de uma criança morrem do uma morte agonizante de difteria, de uma jovem mãe devastada pelo câncer, de dezenas de milhares de asiáticos engolidos em um instante pelo mar, de milhões assassinados em campos de extermínio e campos de trabalhos forçados e fomes forçadas (e assim por diante). De fato é uma coisa estranha buscar a paz em um universo tornado moralmente inteligível á custo de um Deus tornado moralmente repugnante”[96]
John Miley segue a mesma linha e afirma que, “se for assim, todo mal, físico e moral deve ser atribuído diretamente a Deus. O homem também não pode ter nenhuma agência pessoal ou responsável. Pois o bem e o mal são apenas os súditos passivos de uma providência absoluta. À luz da razão, consciência e Escritura, não existe tal providência sobre o homem”[97]. Ele acrescenta que “uma teoria de providência que obrigatoriamente torna a ação moral impossível ou faz de Deus o agente determinante em todo o mal não pode ter lugar em uma teologia verdadeira”[98].
Laurence Vance assevera:
“Na Bíblia, um homem despedaçou sua concubina em doze partes e a enviou aos termos de Israel (Jz 19.29). Foi por meio de um decreto soberano, eterno? Algumas pessoas queimavam seus filhos no fogo a Moloque e faziam sexo com animais (Lv 18.21-24). Isto aconteceu conforme o conselho determinado de Deus?”[99]
Simão Episcópio, discípulo de Armínio, afirmou:
“Ele jamais decreta ações más para que elas aconteça; nem ele as aprova; nem as ama; nem ele alguma vez já as propriamente outorgou ou as ordenou: muito menos de forma a causá-las; ou as obteve, ou as incitou ou forçou alguém a elas”[100]
Clark Pinnock responde ao determinismo de Feinberg da seguinte maneira:
“Deveria ficar bem claro para o leitor as razões por que o número de calvinistas rigorosos é tão pequeno, relativamente. O calvinismo envolve a pessoa em dificuldades agonizantes de primeira grandeza. Faz com que Deus se transforme num tipo de terrorista que vai por aí distribuindo tortura e desastre, e até mesmo exigindo que as pessoas façam coisas que a Bíblia diz que Deus aborrece. Há alguns anos, um louco assassinou vinte pessoas numa das casas de lanches McDonald, perto de San Diego. De acordo com Feinberg, embora Deus não goste de coisas desse tipo, Ele a decretou assim mesmo. Não seria mais simples dizer que Deus não gosta disso, e deixar as coisas envoltas em mistério? Feinberg diz que a exigüidade do espaço não lhe permite dar uma resposta completa, e pede-nos que consultemos seu livro. Ele terá de desculpar-me por eu pensar que isso é desculpa esfarrapada, e que não importa a extensão de seu livro, não há maneira de limpar a reputação de Deus, num caso assim. Não é preciso a pessoa pensar muito para responder por que muita gente torna-se descrente, ou ateu, ao defrontar-se com tal teologia. Um Deus assim teria muita coisa por que responder”[101]
Norman Geisler também diz:
“O primeiro problema é que, pela lógica, tal conceito torna Deus a causa eficiente de todas as decisões livres, inclusive as más ações. Se os seres humanos, agentes individuais, não são as causas eficientes reais do mal, é Deus, então, quem pratica os raptos, os assassinatos, e outras crueldades, usando seres humanos. Tal conceito é biblicamente herético, e moralmente repugnante”[102]
O filósofo arminiano Jerry Walls também sustenta que “é impensável que tanto mal abunde se Deus determinou todas as escolhas humanas”[103]. Roger Olson diz que esse ensino calvinista “torna difícil enxergar a diferença entre Deus e o diabo”[104], e que “Deus é, desse modo, retratado, no melhor cenário, como moralmente ambíguo, e, no pior cenário, um monstro moral”[105]. Ele ainda discorre sobre o argumento calvinista de que todas as desgraças do mundo Deus determina por uma “razão soberana”, quando ele conta sobre uma experiência que teve em um hospital:
“No corredor, pude ouvir uma criança pequena, talvez de dois ou três anos de idade, gritando em agonia entre tosses horríveis e ânsias de vômito. A pobre criança estava sendo segurada por alguém que falava de maneira calma e suave com ela enquanto ela tossia incontrolavelmente e então gritava mais um pouco. Não era de forma alguma uma birra normal ou costumeira de crianças ou um grito de desconforto. Jamais ouvi algo igual àquilo antes e desde aquele evento, até mesmo na TV. Meu pensamento constante era: ‘Por que alguém não faz algo para aliviar o sofrimento daquela criança?’ Eu queria correr pelo corredor e ver se poderia ajudar, mas posso dizer que havia muitas pessoas ao redor daquela criança naquela sala. O que eu ouvi me assombra até hoje. Parece que a criança estava possivelmente morrendo uma morte agonizante. Se o calvinismo for verdadeiro, Deus não apenas planejou e ordenou, mas também tornou certo aquele sofrimento horrível daquela pequena criança. Ele não apenas planejou e ordenou e tornou certa a doença da criança, mas também a agonia resultante”[106]
Ele também diz que, “embora Deus tenha o direito e o poder de fazer o que lhe aprouver com qualquer criatura, o caráter de Deus como amor e justiça supremos tornam certos atos de Deus inconcebíveis. Entre estes está a preordenação do pecado e do mal”[107]. O comentário mais polêmico de Olson, que causou e continua causando muita revolta dos calvinistas, foi quando ele disse que, se lhe fosse revelado que o Deus calvinista era o verdadeiro, ele não o adoraria:
“Um dia, no fim de uma sessão de aula sobre as doutrinas da soberania de Deus do calvinismo, me fez uma pergunta que eu tive que parar de levar em consideração. Ele perguntou: ‘se fosse revelado a você de uma forma que você não pudesse questionar ou negar que o Deus verdadeiro na verdade é como o calvinismo diz e os preceitos como o calvinismo afirma você ainda o adoraria?’ Eu sabia que a única resposta possível sem um momento de reflexão, embora eu soubesse que isto chocaria muitas pessoas. Eu disse não, que eu não o adoraria porque eu não podia. Tal Deus seria um monstro moral. É claro, eu tenho consciência de que os calvinistas não pensam que os seus pontos de vista da soberania de Deus fazem dele um monstro moral, mas eu posso simplesmente concluir que eles não têm pensado nisso através de sua conclusão lógica ou mesmo levado suficientemente a sério as coisas que dizem sobre Deus e o mal e o sofrimento inocente no mundo"[108]
Claro, não demorou muito para que os calvinistas reagissem ferozmente contra Olson, chamando-o inclusive de “blasfemo”. Mas ele não afirmou em momento nenhum que ele não adoraria a Deus (ao verdadeiro Deus), e sim que não adoraria a um falso deus, a um deus criado pelos deterministas, um deus que determina todas as tragédias, todo o mal, todo o pecado e todo o sofrimento do mundo. Este não é o Deus verdadeiro, mas um pintado pelos deterministas.
Tal como dificilmente um cristão diria que adoraria Alá (o Deus dos muçulmanos) caso lhe fosse revelado que este é o Deus verdadeiro e que ele se agrada de ataques suicidas de homens-bomba em hospitais e em escolas matando milhares de inocentes, é igualmente difícil tolerar a ideia de um deus que não apenas se agrada disso, mas que determina e torna certa tais ações, sendo os homens meros instrumentos nas mãos deste deus. Osama Bin Laden não seria um terrorista, seria meramente um instrumento usado por aquele que realmente pregaria o terror, aquele que usa os terroristas para estes fins.
Um deus que diz para o homem não pecar, mas ordena e determina que ele peque e não há nada que o homem possa fazer para evitar este decretum horribile. Um deus que usa terroristas para destruir hospitais, para matar inocentes, para derrubar prédios. Um deus sádico e tirano, pronto para determinar um pecado e punir o pecador pelo pecado já pré-determinado que ele deveria fazer. Com certeza, este não é o Deus da Bíblia. Como disse o poeta protestante John Milton (1608-1674), “posso ir para o inferno, mas um Deus como esse jamais terá o meu respeito".
• Textos Bíblicos
Quando eu vejo um calvinista se esforçando o máximo que pode para provar biblicamente que Deus determina o pecado, imediatamente penso o mesmo que John Wesley:
“Você representa Deus como pior do que o diabo; mais falso, mais cruel, mais injusto. Mas você diz que você irá provar isso, através das Escrituras. Espere! O que você irá provar através das Escrituras? Que Deus é pior do que o diabo? Não pode ser! O que quer que essas Escrituras provem, elas nunca irão provar isso; o que quer que o seu verdadeiro significado seja, esse não será seu verdadeiro significado”[109]
De fato, chega a soar ridículo e até mesmo patético que tenhamos que provar pelas Escrituras que Deus não determina o pecado. É tão absurdo quanto ter que provar biblicamente que Deus existe, ou que Jesus é o salvador, ou qualquer outra verdade autoevidente da Bíblia. A simples alegação de que a Bíblia afirma que Deus determina o pecado é uma blasfema contra a Bíblia, e ainda mais contra Deus. Como disse Wesley, seja lá o que for que as Escrituras provam, elas nunca irão provar isso.
Um mundo em que Deus é pior que o diabo, pois todos os atos do diabo na verdade são determinados por Deus, é um mundo que deveria nos encher de pavor e de duvidarmos se o amor que a Bíblia tanto atribui a Deus é mesmo verdadeiro. No calvinismo, até mesmo o ódio que o diabo tem contra Deus provém de Deus, pois eles não admitem nenhum pensamento ou evento que seja autocausado.
Mas para que nenhum calvinista alegue que a Bíblia ensina esta doutrina terrível que faz de Deus um ser pior que o diabo, iremos provar pelas Escrituras o básico: nenhum pecado é determinado por Deus. Para começar, João nos diz:
“Vocês sabem que ele se manifestou para tirar os nossos pecados, e nele não há pecado” (1ª João 3:5)
Seria estranho, senão cômico, que Jesus tenha se manifestado para tirar os nossos pecados que ele mesmo colocou. Deus determina que nós pequemos e depois envia o Seu Filho para tirar esses pecados, mas continua determinando pecados novos. Isso é absurdo, obviamente. De Deus não há nenhuma determinação maligna, ou senão João não teria dito:
“Esta é a mensagem que dele ouvimos e transmitimos a vocês: Deus é luz; nele não há treva alguma” (1ª João 1:5)
De Deus só provém luz, e não trevas. As trevas são do próprio coração corrupto do homem, são autocausadas por ele. Uma prova clara na Bíblia de que o pecado – que João identifica como sendo a cobiça da carne, dos olhos e a ostentação de bens – não provém de Deus (i.e, não é determinado por Ele), e sim do próprio homem, está em 1ª João 2:16, onde ele diz:
“Pois tudo o que há no mundo – a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens – não provém do Pai, mas do mundo” (1ª João 2:16)
Se o pecado não provém do Pai, então não pode ser causado ou determinado por Ele. O pecado, se não provém de Deus, só pode ser autocausado pelo próprio homem, e não por algum agente externo. É isso o que Tiago também diz de forma clara:
“De onde vêm as guerras e contendas que há entre vocês? Não vêm das paixões que guerreiam dentro de vocês?” (Tiago 4:1)
As guerras e as contendas, para Tiago, não vem de Deus, mas das “paixões que guerreiam dentro de vocês”, isto é, da carne, da natureza do próprio ser humano. Para crer que tudo vêm de Deus – incluindo o pecado – teríamos que considerar João e Tiago dois mentirosos, pois João diz que o pecado não provém de Deus e Tiago diz que o pecado vem do próprio homem. Ou eles não entendiam bem o determinismo calvinista, ou eles não criam nisso.
Tiago é ainda mais explícito sobre isso quando diz:
“Quando alguém for tentado, jamais deverá dizer: ‘Estou sendo tentado por Deus’. Pois Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Cada um, porém, é tentado pela própria cobiça, sendo por esta arrastado e seduzido” (Tiago 1:13-14)
Além de dizer que o pecado provém de si mesmo e não de Deus (i.e, autocausado, e não externamente determinado), ele ainda diz que Deus a ninguém tenta. O calvinista tem que fazer um verdadeiro malabarismo mental neste texto para conseguir conciliá-lo à ideia de que Tiago cria que Deus não tenta ninguém, mas determina todas as tentações e todos os pecados.
Isso é simplesmente impossível, visto que “tentar” é menos que “determinar”. Alguém que é somente “tentado” ao pecado não necessariamente cai nele. Jesus foi tentado, mas não caiu. Mas a determinação vai muito além disso: a pessoa simplesmente não pode deixar de pecar, se Deus determinou que ela pecasse. Então, lá no fundo, o que o “Tiago calvinista” estava dizendo era isso:
“Quando alguém for tentado, jamais deverá dizer: ‘Estou sendo tentado por Deus’. Pois ele não tenta, ele determina que se peque”
De fato, tentar ao pecado é simplesmente inclinar alguém ao pecado, mas no calvinismo Deus não apenas tenta (inclina a vontade do homem para onde ele quer), mas também determina, ordena e decreta que o homem caia nesse pecado, o que é muito pior. A única forma de negar isso seria afirmando que os pecados do crente são autocausados, sem qualquer determinismo externo, mas isso seria o fim do determinismo, e, consequentemente, o fim do calvinismo[110].
O Antigo Testamento também está cheio de citações que nos mostram que Deus não determina nenhum pecado. Em Jeremias, Deus nos fala sobre alguns pecados cometidos pelo povo israelita, e diz:
“Construíram nos montes os altares dedicados a Baal, para queimarem os seus filhos como holocaustos oferecidos a Baal, coisa que não ordenei, da qual nunca falei nem jamais me veio à mente” (Jeremias 19:5)
Deus diz que aqueles pecados nunca foram ordenados por ele, nunca foram ditos por ele e nunca vieram à mente dele. Ou Deus é bipolar e falso, que ordena e determina o pecado antes da fundação do mundo e depois de forma dissimulada diz que nunca ordenou aquilo, ou o determinismo é mais falso que nota de três reais.
Na verdade, se o determinismo fosse verdadeiro, Deus não teria qualquer razão para reclamar com os israelitas naquela ocasião. Afinal, eles estavam apenas cumprindo o decreto divino. Eles não poderiam fazer nada para deixarem de cumpri-lo. Deus determinou antes da fundação do mundo que eles deveriam queimar seus filhos como holocausto aos deuses pagãos, eles não tinham como mudar esse decreto, foram lá e queimaram, e fim de papo.
Como que Deus pode colocar a culpa de um ato em um ser humano que estava apenas cumprindo ordens contra as quais ele não poderia agir de forma diferente, e, pior ainda, ordens vindas do próprio Deus? E como Deus poderia, honestamente, dizer que não ordenou aquilo, se na verdade ele havia ordenado desde antes da fundação do mundo? Como aquilo “nunca lhe veio à mente” se foi exatamente o que ele incluiu em seu decreto, que fixou e determinou de forma incondicional e imutável, sendo que os israelitas em questão estavam apenas cumprindo o que Deus ordenou desde sempre?
Deus seria, na melhor das hipóteses, dissimulado ao dizer que jamais lhe veio à mente ordenar um pecado que foi ordenado antes dos próprios israelitas pecarem. Não há forma satisfatória de conciliar uma teologia que diz que foi Deus quem ordenou em seu decreto que os pais queimariam seus filhos em sacrifício a Baal com este texto, que diz tão claramente o contrário. É preciso, além de um senso de crueldade apurado e de um senso moral coibido, um verdadeiro assassinato da interpretação bíblica para dizer que foi Deus quem de fato ordenou todo esse morticínio.
Outro texto que nos mostra que Deus não determina pecados é Habacuque 1:13, que diz:
“Teus olhos são tão puros, que não suportam ver o mal; não podes tolerar a maldade. Por que toleras então esses perversos? Por que ficas calado enquanto os ímpios engolem os que são mais justos do que eles?” (Habacuque 1:13)
Deus é tão puro que não suporta ver o mal que ele mesmo decretou? Ele não tolera a maldade que ele mesmo determinou? O que alguém em sã consciência determina livremente sem qualquer coerção externa e não pode tolerar nem suportar sua própria determinação livre? É natural que Deus não tolere nem suporte algo que não foi determinado por ele, mas que seja um mau uso do livre-arbítrio dos próprios seres humanos, mas é completamente absurdo que Deus tenha livremente determinado algo (sem qualquer influência externa ou coerção que o levasse a tomar essas decisões) que ele depois não tolere e nem suporte.
Os calvinistas também teriam que mudar o conceito bíblico de que todas as coisas que Deus faz é bom. Se Deus faz o mal ou o determina, então nem tudo o que Deus faz é bom, ou o próprio mal não existe, ou o mal é bom. Os calvinistas, em suma maioria, creem que o mal existe e que o mal é mau e o bem é bom, então tem que assumir a consequencia lógica de que nem tudo o que Deus faz é bom, contradizendo diversos textos bíblicos (Gn.1:31; Ec.7:29). À luz de Habacuque 1:13, teriam que inferir também que Deus não apenas determina coisas más, mas que também não suporta nem tolera as coisas más que ele determina!
Outro exemplo claro de que não é Deus quem determinou a Queda e o pecado está em Eclesiastes 7:29, que diz:
“Eis aqui, o que tão-somente achei: que Deus fez ao homem reto, porém ele se meteu em muitas astúcias!" (Eclesiastes 7:29)
Ao invés de o autor inspirado dizer que Deus fez o homem reto e depois fez com que ele caísse (como creem os calvinistas), ele diz que Deus fez o homem reto (sem pecado) e o próprio homem que causou sua própria Queda, “se metendo em muitas astúcias”. Assim, vemos Deus determinando a criação de um Adão íntegro, e Adão, por sua própria concupiscência através de um pecado autocausado, se desvia. Deus determina a primeira parte (da retidão); o homem se desvia por conta própria.
Também teriam que negar o Salmo 145, que diz:
“Justo é o Senhor em todos os seus caminhos, e santo em todas as suas obras” (Salmos 145:17)
O Senhor é santo em todas as suas obras. Mas lembre-se que os calvinistas dizem que Deus não determina apenas coisas boas, mas coisas más também – incluindo o pecado. Consequentemente, teriam que acreditar que a má determinação é um bom caminho e que o pecado é uma boa obra, se Deus determina o pecado e mesmo assim todas as suas obras são santas, e não “algumas”. Isso mudaria todo o nosso conceito de “pecado”, e nos traria para mais perto dos conceitos humanistas seculares de relativismo, onde tanto o pecado quanto o mal nada mais são que ilusões – o mesmo que a maioria dos calvinistas creem em relação ao livre-arbítrio[111].
Eliú também diz:
“Portanto vós, homens de entendimento, escutai-me: Longe de Deus esteja o praticar a maldade e do Todo-Poderoso o cometer a perversidade!” (Jó 34.10)
Se Eliú fosse determinista, ele teria que crer que Deus não pratica a maldade, apenas a determina e a torna irrevogável, da mesma forma que não comete a perversidade, mas ordena a perversidade por meio de um decreto imutável antes da fundação do mundo. Deus não “pratica” nem “comete”, mas faz coisas muito piores, pois quem “pratica” e “comete” está apenas cumprindo aquilo que foi determinado por ele, não podendo nem mesmo agir de forma contrária!
O Salmo 5:4 diz claramente que “tu não és um Deus que tenha prazer na iniqüidade, nem contigo habitará o mal” (Sl.5:4). Isso foi o que levou alguns calvinistas a entrarem em paradoxos e confusões mentais ao ponto de empregarem linguagem contraditória tal como: “Deus deseja o pecado indesejosamente”, pois a Bíblia diz claramente que Deus não tem prazer no pecado, mas os calvinistas creem que o pecado é determinado por Deus. Portanto, os calvinistas são levados a crer que Deus determina coisas que não tem vontade, que determina o mal e o pecado mesmo não gostando do mal e do pecado, que não tem prazer na iniquidade, mas a decreta assim mesmo.
Por fim, ficaria difícil entender bem o que os autores bíblicos queriam realmente dizer quando exclamavam que “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; e toda a terra está cheia da sua glória” (Is.6:3), sendo que “aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg.4:17), e Deus, sabendo que o certo é fazer o bem, determina o contrário. É como disse Limborch: “O que pode ser mais desonroso, o que pode ser mais indigno de Deus do que torná-lo o autor do pecado, que é tão extremamente inconsistente com sua própria santidade?”[112]
Alguns contestam tudo isso se apegando a um texto bíblico que parece dizer que Deus criou o mal. Trata-se de Isaías 45:7, que diz:
“Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas” (Isaías 45:7)
Contudo, o original hebraico possui quatro palavras diferentes para o “mal”, e nem todas elas representam o mal moral. Aqui a palavra hebraica utilizada é ra, que tem como um de seus significados “calamidade”[113]. Essa interpretação é ainda mais reforçada pelo contexto, que traça um contraste entre paz e guerra, e não entre bem e mal. Se a tradução correta fosse por “mal”, o texto estaria contrastando o bem e o mal, e ficaria assim: “eu faço o bem e crio o mal”. Mas ele está em contraste com paz, o que significa que está no contexto de batalha, pois o inverso de paz é guerra.
Norman Geisler e Thomas Howe acrescentam no “Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e ‘Contradições’ da Bíblia”:
“Na sua forma temporal, a execução da justiça de Deus às vezes é chamada de ‘mal’, porque parece ser um mal aos que estão sujeitos a ela (cf. Hb 12:11). Entretanto, a palavra hebraica correspondente a ‘mal’ (rá) empregada no texto nem sempre tem o sentido moral. De fato, o contexto mostra que ela deveria ser traduzida como ‘calamidade’ ou ‘desgraça’, como algumas versões o fazem (por exemplo, a BJ). Assim, se diz que Deus é o autor do ‘mal’ neste sentido, mas não no sentido moral”[114]
Assim, a tradução mais correta desse verso é aquela oferecida pela Nova Versão Internacional e por outras versões, que diz:
“Eu formo a luz e crio as trevas, promovo a paz e causo a desgraça; eu, o Senhor, faço todas essas coisas” (Isaías 45:7)
A “desgraça” (NVI) ou “mal” (ARA) não é o mal moral, como o pecado, mas a guerra, em contraste com a paz. A Bíblia não é absolutamente contrária à guerra, contanto que seja por uma boa razão. Se os Aliados não tivessem lutado contra Hitler na Segunda Guerra Mundial, provavelmente o mundo teria sido dominado pelos nazistas e seus planos de exterminar todas as raças exceto a “raça pura” ariana teria sido levado à ação em todo o mundo. Isso é totalmente diferente de dizer que toda guerra é boa, ou de justificar guerras por motivos fúteis como mera conquista territorial ou roubar petróleo do Iraque.
Em resumo, Deus não determina o pecado e o mal moral nunca. Isso macularia a santidade divina e o tornaria um monstro de pior crueldade que o próprio diabo. Nenhum texto bíblico, quando analisado à luz do contexto, ensina o determinismo, e existem inúmeros textos que provam o contrário. Mas iremos abordar estes textos mais adiante, porque agora é importante pensarmos um pouco em que tipo de “amor” que os calvinistas atribuem a Deus.
• Um amor diferente
John Wesley uma vez disse:
“Agora o que pode, porventura, ser uma contradição mais clara do que esta, não apenas para toda a extensão e tendência geral da Escritura, mas também para aqueles textos específicos que expressamente declaram: ‘Deus é amor?’”[115]
A verdade é a seguinte: se o Deus determinista é verdadeiro e ele é quem determina todos os pecados e todo o mal moral existente no planeta, então deveríamos repensar o conceito de “amor” que a Bíblia tanto diz e que nós tanto pensamos. Pois não creio que haja um único ser humano nesta terra – nem mesmo o calvinista mais fanático – que sustente que o terrorismo, o estupro, a pedofilia ou a tortura sejam “atos de amor”. Se alguém sustenta isso, tem que ser internado urgentemente. Mas, se tais atos pecaminosos e horríveis são determinados por Deus, então que tipo de amor ele possui?
Essa questão tem levado calvinistas a refletirem e a chegarem a conclusões ainda mais absurdas do que a alegação de que ele determina os pecados. Muitos deles sustentam que em Deus há “duas faces”. Há um “amor revelado”, aquele do Senhor Jesus Cristo, aquela parte em que Deus envia o Seu Filho unigênito como propiciação pelos nossos pecados, e há também uma “outra face” escondida em Deus, aquela que ele joga suicidas contra prédios, que determina que maridos espanquem suas esposas e que o homem cometa pecado.
Mas, se há “duas faces” em Deus, então a Bíblia erra quando diz que Deus é amor (1Jo.4:8), e não que Deus meramente “possui” amor. Um Deus que é essencialmente amor não pode apenas “ter” amor, ou “exercer” esse amor algumas vezes, enquanto, por outro lado, determina todos os atos que a Bíblia considera “impiedade”. Para resolver esse dilema, os calvinistas alegam que aquilo que é pecado para nós não é pecado para Deus. Ou seja: que Deus pode fazer o que quiser (incluindo pecar ou determinar o pecado) que aquilo que ele faz é certo porque ele faz. É assim que Calvino cria:
“Pois a vontade de Deus é a tal ponto a suprema regra de justiça, que tudo quanto queira, uma vez que o queira, tem de ser justo. Quando, pois, se pergunta por que o Senhor agiu assim, há de responder-se: porque o quis”[116]
Arthur W. Pink resume essa crença calvinista da seguinte maneira:
“Não há nenhum conflito entre a vontade divina e a natureza divina, todavia precisamos insistir que Deus é lei para si mesmo. Deus faz o que Ele faz, não simplesmente porque a justiça requer que Ele assim aja, mas o que Deus faz é justiça simplesmente porque Ele faz. Todas as obras divinas resultam da mera soberania”[117]
Em outras palavras, para o calvinista, não há moralidade para Deus, porque tudo o que Deus faz é justo porque ele faz. Dito em termos simples, se Deus decidir mentir daqui para frente, ele permanecerá sendo justo e santo porque ele é lei para si mesmo. Por isso, qualquer coisa que Deus faça, ainda que seja considerada uma crueldade ou uma aberração em um padrão humano, para Deus é justo, porque é Deus que age, e ele age da forma que ele quer. Deus não tem, no calvinismo, nenhuma limitação moral.
Em resumo, os calvinistas creem que Deus não mente porque ele não quer mentir, e não porque ele não pode mentir. Os arminianos, ao contrário, creem que Deus não mente porque ele não pode mentir (em razão de sua natureza essencialmente moral), e não porque ele simplesmente não quer mentir, como se Deus pudesse decidir mentir amanhã e ele continuaria sendo justo e verdadeiro mesmo assim.
Então, ainda que ambos creiam que Deus não mente, calvinistas e arminianos se divergem quando a questão é o porquê que Deus não mente. Como os arminianos creem que Deus é amor em Sua essência e que ele não poderia mentir e permanecer verdadeiro, ou pecar e permanecer santo, cremos que Deus não mente porque ele não pode mentir, porque isso é impossível para ele, e não simplesmente porque ele não quer, embora possa.
A questão crucial é: qual das duas visões sobre a natureza de Deus tem apoio bíblico? Os escritores bíblicos diziam que Deus não mente porque ele não quer ou porque ele não pode? Eles criam que a mentira era possível para Deus ou impossível? Vejamos:
“Em esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos” (Tito 1:2)
“Para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta” (Hebreus 6:18)
Como vemos, o testemunho bíblico é de que Deus não mente porque ele não pode mentir, porque isso é impossível para ele. Sendo assim, a natureza de Deus não lhe permite cometer ou determinar algo que vá contra a sua própria essência. Isso refuta a tese das “duas faces” de Deus e do “amor diferente”, como se tudo o que Deus fizesse fosse bom simplesmente pela única razão de Deus ter feito.
Se isso fosse verdade, Deus poderia mentir e somente não mentiria porque não quer mentir, mas mesmo que quisesse a mentira se tornaria verdade porque se refere a Deus. Este é, como vimos, um ensino estranho à Bíblia, que prega o contrário. E, se este ensino é falso, então até Deus está “limitado” a certos padrões morais, sendo impossível que ele alguma vez determine algo que é essencialmente imoral ou pecaminoso.
O padrão de justiça e moral que Deus nos impôs como obrigação é o mesmo que permeia Sua própria natureza de forma imutável e permanente. Se Deus é amor, e se esse amor é compatível com o amor revelado nas Escrituras e na consciência de cada pessoa, então é completamente inadmissível que ele seja amor e ao mesmo tempo determine todas as maldades e impiedades que existem no planeta.
Ou os calvinistas terão que rever seu conceito de “amor” com um pseudo-amor contrário ao sentido das Escrituras, da consciência e da razão, ou então terão que assumir que Deus não é plenamente e essencialmente amor sempre, ou então assumem que Deus não determina nada que seja contrário à sua natureza de amor, o que, como vimos, não pode implicar em pecados que ele não pode cometer em função de sua própria essência.
Considero, portanto, os versículos que dizem que “Deus é amor” como a maior prova de que Deus não é como os calvinistas imaginam. Este versículo, em apenas três palavras, refuta o calvinismo por completo. As tentativas de relativizar o conceito de amor como algo diferente do amor revelado nas Escrituras e na consciência moral de cada um tem fracassado miseravelmente.
Se o amor de Deus fosse diferente do conceito de amor que nós possuímos em nossa consciência moral, teríamos que entender que o verdadeiro conceito de “amor” à luz de Deus é o estupro, a tortura, a pedofilia, o terrorismo e todas as outras coisas que Deus determina à luz de seu conceito pessoal de “amor” e que nós humanos erroneamente consideramos “maus”. Neste caso, o nosso conceito de amor não somente estaria completamente falho, mas também todas as nossas tentativas de amar verdadeiramente seriam inúteis, se o amor real é bem diferente do que entendemos pelo termo.
Imagine, por exemplo, que uma moça está sendo estuprada na rua. A sua consciência lhe aponta que reagir ao criminoso e salvar a moça é a atitude que deve ser tomada, pautada pelo amor. Mas, se este conceito de amor não é verdadeiro, mas o real conceito de amor inclui o próprio estupro que foi predestinado por Deus, então não há nenhuma razão real para considerarmos que a ajuda a moça estuprada seja um ato de amor maior do que fingir que nada está acontecendo e deixá-la sendo estuprada. Afinal, para o calvinista, ambas as atitudes seriam determinadas por Deus, e seriam fruto do “amor” dEle.
Também por esta linha, teríamos que presumir que Deus colocou em nossas consciências um padrão de amor completamente distinto do amor verdadeiro. Nós cremos que o altruísmo é uma coisa boa, mas pode não ser, pois nossa consciência pode ser falha. No determinismo, Deus nos engana infundindo em nós uma consciência moral com padrões completamente diferentes daquilo que realmente é moral e não-moral.
Para o determinismo divino incluir tudo o que conhecemos como moral e tudo o que conhecemos como imoral, de que modo Deus determina ambos e permanece sendo amoroso em ambos os casos? Apenas se tudo aquilo que nós consideramos imoral for, na verdade, moral. Neste caso, a própria moralidade vai para a lata do lixo e se perde completamente. Nós pensamos que há certos padrões objetivos de moral, mas tudo é moral, incluindo o que pensamos ser imoral.
É esta a única forma de os calvinistas salvarem sua crença no determinismo divino à luz do ensinamento bíblico de que Deus é amor. É um amor diferente, completamente à parte do conceito de amor que possuímos, diferente do padrão de moralidade que o próprio Deus colocou em nossos corações, e que envolve tudo aquilo que entendemos como antiético, promiscuo, imoral e antibíblico. Deveríamos ter realmente medo de um Deus desses, e não amor. Essa visão é conhecida como fideismo, que “assevera que Deus é bom contra toda noção de bondade conhecida pela humanidade ou revelada na Escritura”[118].
Até mesmo o calvinista Paul Helm rejeita essa noção de que o amor de Deus seja diferente da nossa noção de amor e do amor divino revelado nas Escrituras:
“A bondade de Deus deve possuir alguma relação positiva com os tipos de relações humanas que consideramos como boas. De outra forma, por que deveríamos atribuir bondade a Deus?”[119]
Mas se o amor de Deus é “diferente” e inclui também todas as monstruosidades do “decreto”, então “amor” seria uma palavra genérica que não compreende nada daquilo que a Bíblia entende pelo termo. Para ser mais claro, esse Deus não seria amor da forma que entendemos, mas de uma forma completamente oposta à que entendemos. Um amor relativo e assustador, que deveria fazer cada cristão rever seus conceitos sobre o mesmo. Felizmente, não é este “amor” que a Bíblia nos apresenta, nem é este deus que a Bíblia nos mostra.
Biblicamente, o Deus que amou o mundo é um Deus que nunca teve parte com qualquer determinismo que envolvesse o pecado, e amor é um conceito bem definido, pautado por princípios morais existentes na consciência de cada indivíduo e que remete ao seu Criador, que é o próprio Deus, o qual, por sua vez, não pode ter princípios morais diferentes ou que violem aqueles que ele impôs a nós por sua soberania e graça.
Roger Olson aborda isso nas seguintes palavras:
“Se o amor de Deus é absolutamente diferente de nossas mais elevadas e melhores noções de amor na medida em que as extraímos da própria Escritura (principalmente de Jesus Cristo), então o termo é simplesmente sem sentido quando em relação a Deus”[120]
Ele também diz:
“De que maneira Deus poderia ser amável para com os que ele incondicionalmente decretou enviar para as chamas do inferno para todo o sempre? Dizer que Deus os ama de qualquer forma (ainda que apenas de certa maneira) e transformar o amor em um termo ambíguo, esvaziando-o de seu sentido. Deus não pode ser um Deus de amor ainda que ele prescreva e determine os destinos eternos das pessoas, incluindo alguns para o tormento infindável? Novamente, qual seria o significado de amor neste caso? E de que maneira tal Deus é diferente do diabo, a não ser em termos da população total do inferno? Citarei Wesley novamente: ‘Este amor não nos faz gelar o sangue nas veias?’”[121]
Bruce Reichenbach também aborda a questão do decreto que envolve o mal e o pecado feito por um Deus que a Bíblia descreve como plenamente bondoso e amoroso:
“Fazer um decreto é determinar que algo deverá ocorrer de certa maneira. Visto que o decreto de Deus faz parte de Sua soberania, cada acontecimento deveria ocorrer e de fato ocorrerá conforme foi decretado. Mas, que é que um Deus de bondade haveria de decretar para acontecer? Certamente o que Ele decreta deve derivar tanto de Seus desejos (porque de outra forma Ele agiria irracionalmente) como de Seu caráter moral (de outra forma Ele não seria bom). É impossível que Deus decrete algo que Ele não deseje, e que seja inconsistente com Sua bondade. Porém, se Deus é bom, e só almeja o que é bom, Ele só poderá decretar o que é bom, e não o bem e o mal. Se assim é, de onde então vem o mal, e o pecado?”[122]
Mas ninguém resume melhor a questão do que Andrey Moore, quando disse:
“O calvinismo não é acidentalmente, mas essencialmente imoral, visto que faz a distinção entre o certo e o errado uma questão de decreto positivo, e através disso faz ser possível afirmar que o que é imoral do homem é moral para Deus, pois Ele está acima da moralidade”[123]
• O problema do livre-arbítrio
No mais recente filme do “Robocop”, um discurso entre o Dr. Dennett Norton e Liz Kline chamou minha atenção. Na conversa sobre o “homem máquina” Alex Murphy, o Dr. Dennett diz:
Dr. Dennett Norton – Quando ele está em uma batalha, o visor desce e o software assume, então a máquina faz tudo, e o Alex é como um passageiro aproveitando a viagem.
Liz Kline – Mas, se a máquina está no controle, Murphy não é responsável. Quem puxa o gatilho?
Dr. Dennett Norton – Quando a máquina luta, o sistema envia sinais para o cérebro de Alex fazendo com que ele pense que está fazendo o que os nossos computadores estão fazendo. Ou seja: Alex crê que está no controle, mas não está. É a ilusão do livre-arbítrio.
Muitos calvinistas são como o Dr. Dennett Norton, e pensam que nós somos como Alex Murphy, o “Robocop”, que pensa estar no controle, mas está apenas cumprindo o que os “nossos computadores” (neste caso, Deus) programaram. Muitos deles pensam que o livre-arbítrio não passa de uma mera ilusão. Até mesmo o fato de eu estar escrevendo este livro agora, defendendo o livre-arbítrio, foi determinado por Deus, de modo que a minha própria defesa do livre-arbítrio é destituída de livre-arbítrio.
A introdução de um livro de um autor calvinista ilustra bem isso. Ele escreve:
“Caro leitor, você tem em suas mãos um livrinho intitulado ‘Uma Introdução ao Livre-Arbítrio’. Eu não conheço você, mas sei muito sobre você. Uma coisa que sei é que você não adquiriu este livro de seu próprio livre-arbítrio. Você o adquiriu e começou a lê-lo, e agora continua a lê-lo, porque você deve assim fazer. Não há absolutamente nenhuma possibilidade, sendo a pessoa que você é, que você não estivesse lendo este livro agora. Ainda, você anteriormente não destruiu este pequeno livro por indignação. Se tivesse feito, não teria lido essa sentença. Poucos de vocês podem sorridentemente saber quão certo estou. Mas alguns estão indignados porque pensam que o que eu disse sobre vocês é ridículo e absolutamente falso”[124]
Depois disso, ele diz:
“Agora, digo àqueles que estão duvidosos, e especialmente àqueles que estão indignados, que por favor não destruam o livro”[125]
E ao chegar ao final da introdução, presumindo que aquelas pessoas continuaram a leitura porque estavam predestinadas a isso, ele conclui:
“Não provei estar certo em dizer que você tinha que adquirir este livro, que você agora tem que continuar a ler exatamente onde você está neste exato momento?”[126]
Mas será mesmo que as pessoas que leram aquele seu livro ou que leem este já estavam predestinadas a isso, de modo que não poderiam fazer nada a não ser ler? Será que as escolhas que elas fizeram não as levaram de algum modo a este fim, ou as próprias escolhas já estavam predestinadas? Calvino diz que, “queiras ou não, que teu intento é pendente antes da impulsão de Deus do que da liberdade de tua escolha, esta é a experiência diária”[127]. Ele segue dizendo que nós somos tão incapazes de agir quanto uma pedra:
“Ora, nem seria consistente com a razão dizer que fazemos as coisas que Deus nos move a fazer, se por nós mesmos somos tão incapazes de fazê-las, como uma pedra”[128]
De fato, é isso o que a maioria dos calvinistas creem que somos: uma pedra. Como Calvino, eles também creem que o ser humano não tem opções reais de escolha, porque as próprias escolhas já estavam determinadas. O que Deus determinou de forma incondicional e imutável antes da fundação do mundo, isso ele irá fazer cumprir de qualquer forma, independentemente de qualquer escolha humana.
As nossas decisões, então, têm tanto valor quanto as “decisões” de uma pedra. Consequentemente, não seria exagero dizer que a nossa vida não tem muito mais valor do que uma pedra, visto que ambos são seres sem a menor capacidade de agir, pensar ou escolher por si mesmos, mas são manipulados por dedos divinos a todo instante.
Até mesmo o que você pensa que o diferencia de uma pedra é determinado por Deus. Se você pensa, é porque Deus determinou seus pensamentos. Se você age, é porque Deus determinou cada uma das suas ações. Se você pensa que odeia ou ama a Deus, na verdade este sentimento, seja qual for, provém de Deus. Não, o homem não é mais que uma pedra. A única diferença entre um e outro é que nós pensamos que somos diferentes, mas estamos errados – segundo os calvinistas rígidos. Deus conseguiu enganar os seres humanos de tal forma que fez com que eles pensassem que tem escolha, mesmo não tendo nenhuma.
De fato, você pensa que poderia estar fazendo algo diferente do que estar lendo este livro agora. Você poderia estar fazendo algo mais divertido, como saindo com os amigos, jogando algum jogo, assistindo televisão ou descansando, mas escolheu ler isso, mesmo que a contragosto, e ainda que seja porque as suas outras opções no momento não sejam lá grandes coisas. Mas, de qualquer forma, envolveu escolha humana. Escolha essa que os calvinistas rejeitam, à luz de seu determinismo exaustivo.
Spurgeon disse que “o livre-arbítrio é um absurdo”[129] e que é “simplesmente ridículo”[130]. David Wilmoth afirmou que “o livre-arbítrio é uma invenção do homem, instigado pelo diabo”[131]. Tom Ross foi além e disse que “o livre-arbítrio faz do homem seu próprio salvador e seu próprio deus”[132]. No mesmo embalo, W. E. Best alega que “a heresia do livre-arbítrio destrona Deus e entroniza o homem”[133], e, com um non sequitur incrível, Boettner sustenta que “se a teoria do livre-arbítrio fosse verdade, daria a possibilidade de arrependimento depois da morte”[134].
John H. Gerstner, o mesmo que escreveu a introdução sobre o livre-arbítrio que acabamos de conferir, disse ainda que o livre-arbítrio “é um símbolo falso de uma entidade inexistente”[135]. João Calvino, além de dizer que o arbítrio do homem é igual ao da pedra, disse também que só Deus tem arbítrio e vontade própria[136], e que os que creem que o homem possui livre-arbítrio “se desviam totalmente do caminho”[137].
É evidente que tais inimigos do livre-arbítrio não descreem nele por terem alguma prova eficaz de que ele inexista, e sim porque são deterministas, e no determinismo simplesmente não faz sentido afirmar que Deus determina todas as coisas e que mesmo assim o homem é “livre”, a não ser que se mude totalmente o conceito de liberdade ou que seja um determinista inconsistente.
As duas coisas são totalmente incompatíveis. Ou Deus determina tudo e não sobra nada para ser escolhido livremente pelo ser humano; ou então Deus não determina tudo e muitas coisas são determinadas livremente pelo homem. Mas dizer que Deus determina tudo e que o homem possui livre-arbítrio é fatalmente contraditório, como a maioria dos calvinistas reconhece[138]. O teólogo calvinista Gordon Clark, por exemplo, diz que só um demente acreditaria em ambos:
“Sustentar ambos (livre-arbítrio e soberania) seria uma antinomia e uma contradição; pois soberania significa que Deus controla todas as coisas, incluindo nossas vontades, e livre-arbítrio significa que nossas vontades não são controladas por Deus. Esta é uma clara contradição. Só um demente acreditaria em ambos”[139][140]
Então, para salvarem o determinismo, eles esmagam o livre-arbítrio. Mas por qual razão temos que crer no livre-arbítrio? Afinal de contas, qual é o problema se o homem realmente não passa de uma máquina? Se tudo é determinado, e daí? Há várias razões pelas quais creio que o livre-arbítrio existe. As razões bíblicas veremos mais adiante. Dentre as razões lógicas, a primeira delas já conferimos: o livre-arbítrio é a única forma de colocar na conta do homem o mal e o pecado que existe no mundo.
Se o pecado não provém do homem, então provém de Deus, o que já vimos que é absurdo, blasfemo e herético. Como bem disse Miley, “à parte da crença no livre-arbítrio, todo mal deve ser colocado na conta de Deus”[141]. Pelo fato de já termos entrado neste ponto nos tópicos anteriores, não continuarei a explanar mais este ponto. O fato é que, sem o livre-arbítrio, não apenas Deus é o verdadeiro autor do pecado e do mal, mas também é ele que planejou e tornou certa a nossa rebelião contra ele, como diz Pinnock:
“Certamente não nos é possível acreditar que Deus planejou em segredo nossa rebelião contra Ele. É certo que nossa rebelião é prova de que nossas ações não são determinadas, mas significativamente livres”[142]
Na verdade, se o livre-arbítrio não existe, então a própria rebelião daquele que é popularmente conhecido como “Lúcifer”, Satanás, foi planejada e decretada por Deus. Tudo era perfeito, mas então Deus decidiu colocar ódio no coração de um anjo contra ele, e decidiu também determinar que este anjo se rebelaria contra ele, depois determinou que este anjo caído iria odiar Sua criação e que pagaria no inferno por ter feito tudo aquilo que ele determinou que fizesse!
O segundo ponto que nos serve de evidência para o fato de que Deus dotou seus seres com livre-arbítrio é a crucificação de Jesus. Se Cristo não morreu por causa de pecados cometidos livremente pelos seres humanos, pelo mau uso do livre-arbítrio em atos autocausados, então somos deixados no assombroso cenário que Laurence Vance expôs:
“Se Deus determinou a crucificação de seu Filho por um decreto soberano, eterno, sem nenhuma presciência envolvida (foi incondicional), então somos deixados com o pensamento assustador, draconiano, que Deus decretou a morte de seu Filho e então criou o homem para que ele pudesse cair e Deus pudesse cumprir seu decreto da crucificação”[143]
O terceiro ponto é o da responsabilidade humana, embora iremos abordar essa questão em um tópico particular. Por hora, cabe ressaltar que não há nenhuma forma lógica ou consistente de conciliar determinismo com responsabilidade humana. Se Deus determinou tudo, inclusive as decisões humanas, não há como seriamente culpar o homem por essas decisões pré-determinadas.
Tentando salvar a responsabilidade humana, Calvino chegou a alegar que o homem ainda é culpado porque ele desejou o mal, mesmo que não pudesse escolher diferente. Isso não muda nem melhora em nada as coisas para o calvinismo, pois o próprio Calvino cria que esses desejos maus no coração do homem foram colocados ali pelo próprio Deus, e que Deus em momento nenhum ofereceu uma graça eficaz ao indivíduo para que este pudesse sair desta condição.
Em outras palavras, ele nasceu assim, Deus determinou que ele permanecesse assim, Deus em momento nenhum ofereceu um caminho diferente onde ele tivesse alguma chance real de mudar de vida e ainda determinou a condenação e as causas da condenação antes da fundação do mundo. Então, o indivíduo não poderia ser moralmente condenado nem pelos seus atos, nem pelos seus desejos, visto que nem um nem outro foram causados pelo próprio indivíduo, e sim por um agente externo, que determina todas as coisas. É como disse C. S. Lewis: “Todos os que estão no inferno estão lá porque o escolheram. Sem essa auto-escolha, não poderia haver inferno algum”[144].
O quarto ponto que prova o livre-arbítrio é que, se o livre-arbítrio não existisse, o homem nunca poderia se colocar contra a vontade de Deus em circunstância alguma, pois a vontade dEle estaria no decreto e esse decreto jamais estaria dependente da vontade humana ou de atos futuros livres. Assim sendo, se o homem pode se opor à vontade de Deus – e em alguns casos até prevalece – é lógico que ele possui alguma coisa que podemos chamar de livre-arbítrio. Pinnock fala sobre isso nas seguintes palavras:
“Deus não quer que alguém se perca – entretanto, alguns se perdem. Deus não quer que os maridos batam em suas esposas – entretanto, algumas esposas apanham. Deus quer que todos se salvem, mas nem todos se salvam. Jesus almejava juntar os judeus como uma galinha junta seus pintinhos, mas eles não quiseram. Deus não queria que eles resistissem ao Espírito, mas eles resistiram. É difícil, para mim, imaginar as razões por que Feinberg aceita uma teoria da soberania de Deus que contradiz o tema geral das Escrituras. De acordo com a Bíblia, homens e mulheres rejeitam, e podem rejeitar, a vontade e o plano de Deus. Deus, em Sua soberania, concedeu-lhes este terrível poder. Contrariamente a Calvino e a Agostinho, a vontade de Deus não é sempre feita”[145]
Ele conclui que “é evidente que os homens não são marionetes presas a um barbante. São livres até o ponto de lançar suas vontades contra a vontade de Deus”[146].
O quinto ponto de evidência do livre-arbítrio é nosso senso de louvor ou demérito. É evidente que consideramos mais louvável o ato daquele bom samaritano que se compadeceu daquele que estava quase morto, em contraste com os outros dois que passaram por ali e não fizeram nada. É evidente que levamos em maior estima pessoas como madre Tereza de Calcutá do que pessoas como Adolf Hitler.
Mas isso simplesmente não teria sentido caso todos eles estivessem apenas cumprindo decretos pré-estabelecidos, contra os quais eles nada poderiam fazer. Hitler estava apenas cumprindo o papel dele, determinado por Deus. Madre Tereza estava apenas cumprindo o papel dela, determinado por Deus. Nenhum dos dois poderia agir diferente da forma que agiram.
Tal como em um filme seria ridículo se alguém condenasse o vilão na vida real (porque sabe que ele só estava ali cumprindo um roteiro pré-estabelecido), assim também seria absurdo condenar alguém como Hitler se ele estava apenas cumprindo ordens contra as quais ele nada poderia fazer, como em um roteiro de cinema. Hitler e madre Tereza seriam meros personagens, dominados por dedos divinos que os conduziam para lá e para cá. Nós não deveríamos respeitar mais um do que outro, ou admirar mais um do que outro. Norman Geisler resume este argumento dizendo:
“Outra evidência de que temos livre-escolha moralmente autodeterminante é que a Bíblia e a sabedoria moral comum nos informam de que louvor e acusação não fazem qualquer sentido a menos que os louvados e os acusados sejam livres para agir de forma contrária. Por que elogiar madre Teresa e difamar Hitler, se eles não puderam evitar fazer o que fizeram? Por que culpar Adolf Eichmann e louvar Martin Luther King, se eles não tiveram escolha? Todavia, eles tiveram, e nós temos. A Bíblia diz claramente que Deus ‘retribuirá a cada um conforme o seu procedimento’ (Rm 2.6)”[147]
A sexta prova de que nós temos o livre-arbítrio é que, sem ele, nada nesta vida faz sentido. C. S. Lewis disse:
“Por que Deus deu então o livre-arbítrio? Porque o livre-arbítrio, apesar de tornar o mal possível, é também a única coisa que faz com que todo amor, bondade ou alegria valham a pena. Um mundo de autômatos, de criaturas que trabalhassem como máquinas, não valeria a pena ser criado”[148]
Bruce Reichenbach também diz:
“As interferências que chegam a remover totalmente a liberdade moral, significativa, a liberdade de tomarmos nossas próprias decisões morais, são totalmente inaceitáveis, porque promovem a desumanização do ser humano. A humanização integral e o crescimento moral só ocorrem quando existe liberdade”[149]
De fato, todo o nosso amor, como também nosso ódio e nossas emoções, seriam todos controlados, dirigidos e determinados por Deus, e ninguém teria realmente alguma personalidade própria. A vida de ninguém neste mundo teria qualquer sentido, e não haveria nada que distinguisse os humanos das pedras, a não ser o fato de que Deus determinou que as pedras fossem mudas e que os humanos falassem coisas igualmente determinadas por ele. No fundo, são ambos iguais.
A pedra é um objeto irracional manipulado por dedos divinos da mesma forma que os seres humanos. Os seres humanos podem pensar, mas não podem pensar nada por si próprios, mas somente aquilo que Deus coloca em nossos pensamentos. Os seres humanos podem agir, mas não podem fazer nada por si próprios, mas somente aquilo que Deus faz com que nós façamos. Não há sentido na vida, no amor ou na dor. Tudo seria vazio de significado, e não deveríamos nos ver de uma forma mais elevada do que um robô ou uma marionete. O resultado disso é “um jogo de xadrez divino no qual Adão era um inconsciente peão”[150].
O sétimo ponto a favor do livre-arbítrio são as escolhas humanas. Bruce Reichenbach resume este argumento dizendo:
“As Escrituras estão cheias de exemplos de decisões bem estudadas que pressupõem o livre-arbítrio. Na opção de Adão e Eva para obedecer ou não (Gên. 3); na apresentação que Moisés fez de opção semelhante para Israel (por exemplo, Êx. 32 e 33); no famoso discurso final de Josué, concernente ao serviço (Jos. 24); na apresentação que Jesus fez do caminho largo e do caminho estreito (Mat. 7:13,14), há apelos para uma decisão bem ponderada. Além disso, como crentes, nós estamos sob certas obrigações morais, sendo a maior delas amar a Deus acima de tudo, e ao nosso próximo como a nós mesmos. Entretanto, as ordens no sentido de agirmos adequadamente, e as sanções impostas à conduta inadequada, não fazem o mínimo sentido se as pessoas não têm livre-arbítrio. Deus coloca Suas determinações diante de nós; Ele nos criou livres, a fim de aceitá-las ou rejeitá-las”[151]
Por que Deus iria dizer tantas vezes para nós escolhermos, se ele já decidiu tudo de antemão por nós? Na melhor das hipóteses, Deus seria um brincalhão que coloca sobre nós uma falsa impressão de possibilidade de escolha apenas para nos deixar iludidos e fazer de conta que podemos mesmo escolher algo, quando, na verdade, Ele já decidiu tudo por nós. Esse mundo seria uma zombaria, e nossas escolhas seriam mais inúteis do que a ajuda do “suporte online” quando perdemos a conexão com a internet. Deus diz: “escolha”, mas na verdade o que ele estava querendo dizer é: “eu já escolhi por você”.
Um oitavo ponto a favor do livre-arbítrio é que, sem ele, teríamos irremediavelmente que chegar à conclusão de que todos os bons acontecimentos são bênçãos de Deus e todos os maus acontecimentos são maldições dele, já que Deus determina tudo, e não sobra nada para o livre-arbítrio. Sendo assim, se você é um crente fervoroso mas tropeça e cai de uma escada, é porque Deus te amaldiçoou e fez com que você caísse, e não porque você estava desatento ou distraído. A distração é uma mera consequencia do decreto, que é a causa real.
De fato, em nossas vidas coisas ruins acontecem diariamente, assim como as coisas boas. Então, se cada bom acontecimento é uma bênção singular de Deus e cada mau acontecimento é uma maldição singular dele, teríamos que concluir que Deus está o tempo todo amaldiçoando e abençoando homens bons e maus quase que simultaneamente. Se você erra uma questão na prova, Deus te amaldiçoou e fez com que você errasse. Se você acerta a próxima questão, Deus te abençoou e fez com que você acertasse. Mas se você volta a errar a próxima, é Deus te amaldiçoando de novo.
Não sobra nada para o livre-arbítrio, mas é tudo determinado por Deus, e, segundo Calvino, todas as coisas boas que Deus determina são bênçãos singulares dele e todos os maus acontecimentos são maldições singulares. O livre-arbítrio não teve qualquer influência real nas questões. Você não errou por não ter estudado, nem acertou por ter estudado. Você acertou e errou porque Deus determinou que você acertasse e errasse, em um joguinho infinito de bênçãos e maldições.
O nono ponto a favor do livre-arbítrio é que, sem ele, Lemke diz que “o lamento de Jesus deveria teria sido sobre a dureza do coração de Deus”[152], se referindo a Mateus 23:37, que diz:
“Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram” (Mateus 23:37)
Se não há livre-arbítrio no homem, então a verdade é que quem não quis que os israelitas se reunissem com Deus foi o próprio Deus. Jesus estaria simplesmente sendo sarcástico ao dizer que foram eles que não quiseram, quando, na verdade, este “não querer” deles havia sido determinado por Deus antes da fundação do mundo e não havia nada que eles pudessem fazer além de “não querer”.
O texto diz claramente que Deus quis, mas eles não quiseram, e por isso seriam julgados. A vontade de Deus se contrapôs à vontade do homem e, neste caso, a vontade do homem prevaleceu, pois Deus respeita a livre opção de escolha que ele concedeu[153]. Sem o livre-arbítrio não há como explicar contrastes como esse, muito menos como crer num mundo onde tudo foi determinado por Deus e este mesmo Deus reclama por alguém ter rejeitado um convite dele, quando foi da determinação do próprio Deus que eles rejeitassem. Seria a “dureza do coração de Deus”, e não do homem, a causa primeira da negação dos judeus, se não existisse o livre-arbítrio.
Mas há ainda o décimo ponto, que é a maior prova de que temos livre-arbítrio: as Escrituras. Iremos examiná-las a partir de agora para vermos o que elas têm a nos dizer quanto a isso.
• Textos Bíblicos
A Bíblia deixa claro que nós podemos agir livremente, ao invés de sermos robôs programados apenas para seguir comandos de uma divindade no Céu. Pedro diz:
“Vivam como pessoas livres, mas não usem a liberdade como desculpa para fazer o mal” (1ª Pedro 2:16)
Para Pedro, o fato de que somos livres é indiscutível. O ponto em disputa é o que fazemos com essa liberdade. Somos livres, mas devemos usar essa liberdade para fazer o bem, e não o mal. Isso passa nitidamente a ideia de seres livres para optarem realmente pelo bem ou pelo mal, e não seres robotizados que apenas seguem uma direção determinista prévia, que não são livres e nem podem fazer uso dessa liberdade.
Ele também diz:
“Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto” (1ª Pedro 5:2)
Voluntariamente é pela própria vontade. De forma livre, e não de forma forçada, como se uma força superior externa tivesse domínio sobre as pessoas de modo que elas não pudessem agir diferente da forma que agem. A palavra grega empregada por Pedro aqui é hekousios, que, de acordo com a Concordância de Strong, significa: “voluntariamente, de boa vontade, de acordo consigo mesmo”[154]. O apóstolo Paulo segue na mesma linha e diz:
“Mas não quis fazer nada sem a sua permissão, para que qualquer favor que você fizer seja espontâneo, e não forçado” (Filemom 1:14)
O favor “espontâneo” é algo livre, ao invés de algo forçado ou coagido, seja por forças internas ou externas. A ideia é a mesma do texto de Pedro. Paulo ainda diz:
“Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; pelo contrário, sirvam uns aos outros mediante o amor” (Gálatas 5:13)
Mais uma vez, vemos que Paulo, assim como Pedro, não tinha qualquer hesitação em expor que somos “livres”. Isso não era um ponto de discussão, mas sim o que fazemos com essa liberdade. Podemos usar nossa liberdade para agradar a carne ou para agradar a Deus. O calvinista rígido não pode conceber nem um nem outro, pois crê que nós não somos, de fato, livres, para podermos agir de uma forma ou de outra por conta própria.
Outro conjunto de textos que nos indicam o livre-arbítrio são os que falam das ações feitas “por iniciativa própria”:
“Por iniciativa própria eles nos suplicaram insistentemente o privilégio de participar da assistência aos santos” (2ª Coríntios 8:3-4)
“Pois Tito não apenas aceitou o nosso pedido, mas está indo até vocês, com muito entusiasmo e por iniciativa própria” (2ª Coríntios 8:17)
Para os calvinistas, a iniciativa parte sempre de Deus, que é sempre a causa primeira das nossas ações, de modo que nossos atos são externamente determinados ao invés de autocausados. Paulo se opõe a este conceito ao dizer que os Macedônios e Tito tiveram iniciativa própria, e não externa, em suas ações. Em outras palavras, a iniciativa partiu deles mesmos[155]. Da mesma forma, Paulo escreve em 2ª Coríntios 9:7:
“Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria” (2ª Coríntios 9:7)
Como vemos, é a própria pessoa que determina em seu próprio coração (ou seja: atos autodeterminados), e não Deus que determina as ações do homem. A contribuição, para Paulo, não seria de acordo com aquilo que Deus determinou no coração de cada um, mas conforme aquilo que as próprias pessoas determinaram em seus próprios corações. Esta é a evidência bíblica mais forte de atos autocausados, e, consequentemente, do livre-arbítrio. As pessoas determinam suas próprias ações, em seu próprio coração.
Outro grupo de versículos que provam o livre-arbítrio são os que denotam escolha. Como já vimos, é inconcebível a ideia de Deus nos dar opção de escolha quando ele já escolheu por nós. Isso seria uma opção falsa, para não dizer enganação. Deus estaria iludindo o homem para que este pensasse que podia mesmo escolher, quando não tinha a mínima capacidade disso.
Em outras palavras, é como se Deus quisesse que pensemos que temos livre-arbítrio, quando não temos. Mas Deus não é Deus de confusão (1Co.14:33), nem é enganador. Ele não ilude ninguém e nem pode mentir (Tt.1:2). Se existem escolhas, o homem pode escolher livremente. Sendo assim, os calvinistas rígidos teriam que explicar textos como estes:
“Escolham hoje a quem irão servir” (Josué 24:15)
“Se vocês obedecerem fielmente ao Senhor, ao seu Deus, e seguirem cuidadosamente todos os seus mandamentos que hoje lhes dou, o Senhor, o seu Deus, os colocará muito acima de todas as nações da terra (...) Entretanto, se vocês não obedecerem ao Senhor, ao seu Deus, e não seguirem cuidadosamente todos os seus mandamentos e decretos que hoje lhes dou, todas estas maldições cairão sobre vocês e os atingirão” (Deuteronômio 28:1,15)
“Se você voltar, ó Israel, volte para mim’, diz o Senhor. ‘Se você afastar para longe de minha vista os seus ídolos detestáveis, e não se desviar, se você jurar pelo nome do Senhor, com fidelidade, justiça e retidão, então as nações serão por ele abençoadas e nele se gloriarão’” (Jeremias 4:1-2)
“Escolhi o caminho da fidelidade; decidi seguir as tuas ordenanças” (Salmos 119:30)
“Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” (Deuteronômio 30:19)
“Assim diz o Senhor: ‘Estou lhe dando três opções de punição; escolha uma delas, e eu a executarei contra você’” (2ª Samuel 24:12)
Laurence Vance comenta:
“Note o que mais a Bíblia diz sobre o livre-arbítrio: ‘Por mim se decreta que no meu reino todo aquele do povo de Israel, e dos seus sacerdotes e levitas, que quiser ir contigo a Jerusalém, vá’ (Es 7.13). Adão e Eva tinham livre-arbítrio (Gn 2.16). Durante o tempo dos juízes o povo ‘se ofereceu voluntariamente’ (Jz 5.2). Davi encorajou Salomão a servir a Deus ‘com uma alma voluntária’ (1Cr 28.9). Durante o tempo de Neemias, algumas pessoas ‘voluntariamente se ofereciam para habitar em Jerusalém’ (Ne 11.2). No Novo Testamento, vemos que as promessas da oração estão baseadas sobre o livre-arbítrio: ‘Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito’ (Jo 15.7)”[156]
Outro caso que desperta a atenção é o de Caim. Deus aceitou a oferta de Abel e rejeitou a de Caim, porque este não deu das primícias, como seu irmão[157]. Então, a Bíblia diz:
“Por isso Caim se enfureceu e o seu rosto se transtornou. O Senhor disse a Caim: ‘Por que você está furioso? Por que se transtornou o seu rosto? Se você fizer o bem, não será aceito? Mas se não o fizer, saiba que o pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo’” (Gênesis 4:6,7)
Tudo isso nos passa vividamente a ideia de que Caim possuía livre-arbítrio. Ele não foi obrigado a pecar. Ele pecou porque ele quis. Deus não determinou o pecado de Caim, senão de modo nenhum teria dito que poderia fazer o bem e seria aceito. Mas se não havia qualquer possibilidade de Caim não pecar (pois Deus já havia determinado que ele pecaria), então Ele estava sendo sádico e falso com Caim, apresentando-lhe uma falsa possibilidade, a qual ele nunca poderia optar.
Da mesma forma, Deus diz que o pecado (o desejo pelo pecado, a tentação) “está à porta”, mas que Caim teria que ter controle sobre esse desejo. Isso mostra, em primeiro lugar, que há a possibilidade de agir diferente do desejo mais forte, contra o que ensinava Edwards[158]. Em segundo lugar, isso nos mostra mais uma vez que Caim tinha uma opção real. Ele, de fato, poderia ter dominado aquele desejo pecaminoso, e a única forma de ele dominá-lo é se ele possuía livre-arbítrio para poder optar pelo bem ou pelo mal, pelo pecado ou pela santidade. Sem o livre-arbítrio, Caim não tinha escolha e nada neste texto faria sentido algum.
Outro texto que implica em livre-arbítrio é o de Gênesis 15:16, onde Deus diz:
“Na quarta geração, os seus descendentes voltarão para cá, porque a maldade dos amorreus ainda não atingiu a medida completa” (Gênesis 15:16)
Mesmo Deus sabendo (pela presciência) que os habitantes de Canaã não iriam se arrepender dos seus pecados, ainda assim ele esperou quatro gerações até que os pecados deles atingissem a medida completa. Se não existisse livre-arbítrio, dificilmente Deus teria que esperar pacientemente uma ação humana para depois tomar uma atitude. Ele teria simplesmente agido, já que o livre-arbítrio ou as atitudes humanas não influenciam em nada o decreto divino, segundo os calvinistas. Aqui Deus respeita o livre-arbítrio humano e lhes dá tempo para se arrependerem, mesmo sabendo que não iriam se arrepender.
Finalmente, há também aquelas passagens – as quais trataremos mais adiante, no tópico sobre o determinismo na Bíblia – que dizem abertamente que o propósito ou vontade de Deus foi rejeitado pelos homens. Mateus 23:37, como já vimos, diz que Jesus queria ajuntar Jerusalém como a galinha ajunta seus pintinhos debaixo das suas asas, mas eles não quiseram. Como consequencia disso, a “casa” deles ficou deserta (Mt.23:38).
Se não existe livre-arbítrio, então foi Deus que determinou a rejeição dos israelitas e Deus que determinou também que eles seriam punidos por causa da própria determinação dEle! Além disso, Jesus estaria sendo completamente insincero em dizer que Deus muitas vezes quis ajuntar Jerusalém para si, quando, na verdade, o que Deus havia feito mesmo foi decretar o contrário, de forma imutável e incondicional. Sem o livre-arbítrio, este texto é o maior nonsense de toda a Bíblia.
Outro texto semelhante é o de Lucas 7:30, que diz:
“Mas os fariseus e os peritos na lei rejeitaram o propósito de Deus para eles, não sendo batizados por João” (Lucas 7:30)
Deus tinha um propósito da vida de cada um dos fariseus, mas eles rejeitaram este plano de Deus para eles. Se o livre-arbítrio não existe, então Jesus mentiu quando disse que o propósito de Deus para eles era que eles fossem batizados por João, quando, na verdade, já havia determinado exatamente o contrário. Ou Deus tem dois planos contraditórios e conflitantes entre si, dizendo uma coisa e fazendo o contrário, ou os fariseus realmente, por seu próprio livre-arbítrio, se opuseram e resistiram ao plano individual de Deus para a vida deles. Aqui é valioso o comentário de Clark Pinnock, que disse:
“Jesus deixou claríssimo que os fariseus ‘rejeitaram, quanto a si mesmos, o desígnio de Deus’ (Luc. 7:30). Não estavam numa posição em que poderiam impedir’ a consecução da vontade de Deus para o mundo todo, mas podiam rejeitá-la totalmente, para si mesmos”[159]
Ainda que ninguém possa resistir ao plano geral de Deus para toda a humanidade (por exemplo, ninguém pode impedir a volta de Jesus, da mesma forma que ninguém poderia impedir o nascimento dele), as pessoas podem resistir e se opor ao plano individual de Deus na vida delas. É por isso que pessoas se perdem e caminham para a morte eterna. Não é porque Deus, de forma negligente e tirânica, não tinha nenhum propósito para a vida delas a não ser a morte, mas sim porque elas, deliberadamente e por seu próprio livre-arbítrio, rejeitaram o plano de redenção que era o propósito de Deus para elas.
• Soberania é sinônimo de determinismo?
Uma tática muito usada por calvinistas é igualar determinismo com soberania, como se a tese determinista deles fosse a única que realmente aceitasse a soberania de Deus. Assim, a coisa mais comum do mundo é vermos calvinistas, de forma astuta e sagaz, trocando o termo determinismo por soberania, para fazer parecer seu determinismo algo mais “bíblico”. Outros, igualmente ardilosos, usam os termos determinismo e soberania em paralelismo, como sinônimos.
O objetivo deste truque é um só: indicar que todos aqueles que não são deterministas não creem na soberania de Deus. E como a soberania de Deus é biblicamente indiscutível, muitos são levados a crer no determinismo, por serem ludibriados por tais pregadores sagazes que lhes convencem que determinismo e soberania é a mesma coisa, e que qualquer coisa que difira de determinismo diminui ou exclui a soberania divina. Por conseguinte, eles creem que os arminianos e todos os outros grupos não-deterministas são também contra a soberania.
Contra essa tática engenhosa e farsante, é necessário dizer, antes de tudo, que arminianos creem na soberania de Deus tão ou mais fortemente quanto calvinistas creem. Também é necessário dizer que soberania nunca, em momento nenhum, foi sinônimo de determinismo. Determinismo é uma coisa, soberania é outra[160].
Tanto o determinismo quanto o indeterminismo são formas plausíveis de honrar a soberania divina. O calvinista crê que Deus é soberano porque determina todas as coisas. O arminiano crê que Deus é soberano porque tem todas as coisas sob seu controle. Ambos creem que Deus é o único e verdadeiro soberano da criação. Nenhum crê em um Deus deísta, que cria tudo e depois senta de braços cruzados e deixa tudo para o acaso decidir.
A diferença é que, “para os arminianos, as duas coisas – a glória de Deus e o amor de Deus – não podem ser divididas”[161]. Consequentemente, uma doutrina da soberania de Deus que faz dele o autor do pecado e do mal e que o transforma em um ser pior que o diabo não pode ser tolerada. Embora tanto o determinismo como o indeterminismo honrem teoricamente o sentido lógico de soberania, apenas o indeterminismo faz jus também aos outros atributos de Deus, dentre eles o amor. Uma doutrina da soberania que afoga os outros atributos é simplesmente absurda e não pode ser considerada.
Algum calvinista poderia contestar, dizendo que no indeterminismo Deus realmente não é soberano, e que Deus só é soberano se Ele determina todas as coisas. Em resposta a isso, deve ser observado que “Deus exerce controle absoluto e total sobre toda parte da criação sem determinar tudo”[162]. Ninguém precisa determinar cada ação para ser considerado soberano. Os monarcas soberanos não determinam cada ação humana, mas estabelecem leis gerais e mantém sob seu controle e domínio as atitudes de seus súditos. Eles não são menos soberanos por não determinarem cada ação humana!
Deus é soberano porque “nada, em toda a criação, está oculto aos olhos de Deus; tudo está descoberto e exposto diante dos olhos daquele a quem havemos de prestar contas” (Hb.4:13). Deus é onisciente e presciente, de forma que nunca é pego de “surpresa” em algo. Deus também é soberano porque é a autoridade máxima sobre todos. Ninguém está em um patamar igual ou maior que Deus. Ele exerce um senhorio absoluto, é o “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Ap.19:16; 1Tm.6:15). Por isso, a Sua glória não pode ser dividida com nenhum outro (Is.42:8).
Deus também é soberano porque nada acontece sem a permissão dele. Embora ele não determine tudo, nada acontece sem a sua permissão. Se as coisas acontecessem sem a permissão de Deus, então o diabo já teria tomado o controle há muito tempo e destruído este planeta. Neste caso, Deus teria perdido o controle da sua criação. Mas isso não aconteceu justamente porque ele é soberano, e nada acontece sem que ele saiba ou permita. Como já foi dito, as pessoas podem rejeitar o plano individual de Deus na vida delas, mas ninguém pode tirar de Deus o controle sobre a sua criação ou o governo do mundo.
Se soberania fosse o mesmo que determinismo, então teríamos que supor que isso seria realidade na vida humana também. Mas, como diz Olson:
“Quem foi que disse que soberania necessariamente inclui controle absoluto ou governo meticuloso em exclusão da contingência real e livre-arbítrio? A soberania implica estes significados na vida humana? Os regentes soberanos ditam todos os detalhes das vidas de seus subordinados ou eles supervisionam e governam de uma maneira mais geral?”[163]
Se soberania não inclui nenhum significado determinista em nosso cotidiano, então é óbvio que soberania não implica em determinismo nem é sinônimo dele. Roger Olson também nos conta uma história divertida de um diálogo entre ele e um pastor calvinista revoltado por achar que ele descria na soberania de Deus por não ser calvinista. Ele diz:
“Certo dia estava trabalhando em meu escritório quando o telefone tocou. Era um pastor que havia lido no jornal estudantil acerca de minha rejeição ao calvinismo. Ele exigiu saber: ‘Como você pode não acreditar na soberania de Deus?’ Eu lhe perguntei o que ele queria dizer com soberania de Deus e ele respondeu: ‘Quero dizer, ao fato de Deus controlar tudo o que acontece’. Eu lhe respondi com uma pergunta: ‘Essa soberania inclui o pecado e o mal?’ Ele pausou: ‘Não’. Então, perguntei: ‘Você realmente acredita na soberania de Deus?’ Ele pediu desculpas e desligou o telefone”[164]
De fato, Deus poderia escolher ser soberano determinando tudo, tanto quanto poderia decidir ser soberano sem determinar tudo, mas tendo tudo sob o seu controle. Dizer que somente se Deus determina tudo é que ele pode ser considerado soberano é limitar Deus a tal ponto que ele não poderia ser capaz de criar seres livres e permanecer sendo soberano. Assim sendo, a acusação de nossos oponentes volta-se contra eles mesmos com muito mais força. Se Deus não pode criar seres livres e continuar sendo soberano, então ele não é soberano, mesmo determinando tudo. Mas ele tanto pode como fez, porque soberania não implica em determinar cada ação do homem.
Devemos ressaltar também a diferença entre um soberano e um romancista. Bruce Reichenbach é perfeito sobre isso:
“É preciso máxima clareza para distinguir um soberano de um romancista. Este cria seus próprios personagens, o enredo, a ambientação e o desenrolar da história. Todos os participantes da novela fazem exatamente aquilo que o autor determinou. Todos eles possuem traços predeterminados, não tendo existência à parte: são o produto do autor. O enredo encaminha-se inexoravelmente para o fim determinado pelo autor. Ocorre apenas aquilo que ele quis que acontecesse, com precisão; não pode haver variação. Deus, em Sua função de soberano, freqüentemente tem sido confundido com um autor de novelas. Tem-se afirmado que Deus tem a habilidade privativa de determinar as pessoas que serão criadas, de que modo o serão, o que farão, o que falarão, qual será o enredo em detalhes, de que maneira os fatos acontecerão, e não de modo geral, mas em particular, para cada indivíduo”[165]
E ele completa:
“Consequentemente, a criação transforma-se numa novela muito bem coordenada, mas bastante enganadora, visto dar a ilusão de livre-arbítrio, ao invés de ser a história da soberania divina sobre criaturas responsáveis, capazes de comunicar-se”[166]
Por fim, se pelo termo “soberania” está incluída necessariamente a determinação de cada ação humana sem exceção, então os calvinistas (até mesmo os moderados) teriam que dizer que Deus não é soberano a não ser que ele determine todo o pecado e todo o mal que há no mundo – coisa que nem todos os calvinistas estão dispostos a aceitar.
Pois se não há soberania a não ser onde exista determinismo, então dizer que Deus não determina o pecado é o mesmo que dizer que Deus não é soberano sobre tudo. Ou, em outras palavras, é dizer que ou Deus é soberano, ou ele é pecador. Algo absurdo, obviamente, já que soberania não é sinônimo de determinismo. Clark Pinnock também discorre sobre isso, dizendo:
“Eles até mesmo evitam dizer que Deus apenas ‘permite’ algumas atrocidades como o Holocausto (morticínio de 6 milhões de judeus, durante a segunda guerra mundial, também conhecido como genocídio nazista), como fazem alguns calvinistas menos duros, mas inconsistentemente, visto que tal opinião sugeriria que o fato originou-se fora da soberana vontade de Deus. Longe dos calvinistas negar a Deus a glória de causar todas as coisas!”[167]
Em resumo, tanto calvinistas como arminianos creem firmemente na soberania de Deus, mas de forma diferente. O calvinista limita a Deus a um ponto onde ele não pode criar seres livres e continuar sendo soberano, pois crê que só há soberania se há determinismo. Por esta linha, Deus só é soberano se determina o pecado.
O arminiano, ao contrário, crê na soberania de Deus, por Ele ter todas as coisas sob seu controle, e por nada acontecer a não ser sob a sua permissão. Assim sendo, Deus pode determinar algo soberanamente da mesma forma que pode permitir atos livres e permanecer sendo soberano, e Deus pode ser soberano mesmo sem ser pecador. Uma visão que, ao meu ver, parece ser muito mais lógica e bíblica.
• O problema da responsabilidade humana
A consequencia fatal de seu conceito deturpado acerca da soberania de Deus (que eles pensam que significa determinismo) é um choque de frente com aquilo que conhecemos como sendo “responsabilidade humana”. É inegável que a Bíblia culpa os pecadores por seus próprios pecados, e os condena à morte no lado de fogo, da mesma forma que recompensa os justos a uma existência eterna. Mas com que base poderíamos justamente considerar alguém responsável pelos delitos cometidos em vida, se tudo nesta vida foi previamente determinado?
Em outras palavras, se foi Deus quem determinou que o ladrão roubasse e este ladrão não poderia fazer outra coisa a não ser roubar, por que o ladrão deveria ser considerado responsável pelo roubo? Culpar um ladrão nestas circunstâncias seria tão ilógico quanto culpar uma faca por um assassinato cometido por meio dela. A faca é simplesmente um meio, e não a causa. A faca não é culpada, ela é meramente um instrumento, o mesmo que os calvinistas pensam em relação aos seres humanos. O real responsável, neste caso, deveria ser a causa primeira do ato (o que os calvinistas remetem a Deus).
Thomas Summers disse:
“A liberdade e responsabilidade seriam destruídas ou postas de lado se necessitássemos agir seguindo motivos dos quais não temos controle algum, tão certamente como se alguma força maior nos agarrasse e, mecanicamente, nos forçasse a realizar qualquer ato contrário à nossa vontade”[168]
De fato, se alguém mais forte do que eu me amarra, coloca uma arma na minha mão e usa o meu dedo para puxar o gatilho e matar alguém, eu não sou responsável pelo assassinato, pois eu fui meramente utilizado, fui um meio, não fui a causa. Eu não tive escolha, eu fui coagido a isso. Se os seres humanos não possuem livre-arbítrio, mas apenas agem conforme o que Deus determinou desde a eternidade, então eles não são responsáveis, mas estão apenas cumprindo obedientemente um decreto divino, contra o qual é impossível resistir.
Como já vimos anteriormente, Calvino em momento algum negou que era Deus quem determinava os pecados e que o homem não possui escolha, mas a todo instante buscava resgatar algo da responsabilidade humana dizendo que, embora o homem não possa não pecar, ele é culpado porque desejou pecar. Isso não resolve nada e nos leva a problemas maiores, porque, em primeiro lugar, para Calvino o desejo também vem de Deus. Então, com que lógica o homem deveria ser responsável pelo desejo e não pela ação se tanto o desejo quanto a ação vieram de Deus?
Mesmo que algum calvinista divergisse de Calvino neste ponto e dissesse que os desejos vêm do próprio homem e que somente a ação é determinada por Deus, ele estaria em maus lençóis. Isso porque, em primeiro lugar, ele estaria assumindo que os desejos são autocausados, o que destroi e põe por terra toda a teoria de Edwards, aceita por quase todos os calvinistas, de que nada é autocausado pelo homem, mas tudo é determinado por Deus.
Se abrirmos brecha para a tese de que os desejos podem ser autocausados, então por que as ações também não poderiam ser autocausadas? Um calvinista que recua neste ponto teria que abrir mão também da alegação de que os atos não podem ser autocausados e devem ser externamente determinados, o que o levaria, irremediavelmente, ao arminianismo indeterminista. Seria um grande nonsense afirmar que as ações não podem ser autocausadas, se os desejos podem.
Em segundo lugar, a alegação de que os desejos são autocausados mas as ações são determinadas por Deus nos leva a outro problema, que é o fato de que nós agimos em conformidade com os nossos desejos. São os nossos desejos que nos leva a agirmos, de outra forma não agiríamos. Se você está dormindo em sono profundo e não tem vontade nenhuma de acordar, você continua dormindo. Mas quando começa a pensar nas consequencias que teria em não acordar (como perder o emprego ou faltar em algum dia importante) você passa a desejar acordar, pensando nas consequencias.
Então, ainda que calvinistas e arminianos discordem quanto a se o desejo seguido é sempre o maior, eles concordam que nós agimos porque desejamos agir. Mas, se são os desejos que nos levam a ação, então como pode uma ação ser determinada e um desejo não ser? Se desejamos uma coisa e agimos de modo contrário, toda a teoria de Edwards estaria derrubada e os nossos desejos não levariam às nossas ações.
Se Deus não influencia ou determina a vontade (ou, melhor dizendo, se não a causa), então teríamos um cenário estranho onde o desejo é autocausado pelo próprio ser humano livremente e a consequencia do desejo é determinada por Deus e não autocausada. Em outras palavras, o efeito não seguiria à causa. E se o homem desejasse não pecar, mas Deus determinou o pecado? O homem pecaria mesmo sem desejar pecar? Não, pois o homem só peca quando deseja o pecado.
Então, de uma forma ou de outra, para atingir seus objetivos Deus teria que agir e causar de forma irresistível o próprio desejo, para poder levar à ação. É assim que Edwards cria e muitos calvinistas creem. Deus causa o desejo e a ação, ambos estão determinados e nenhum deles é autocausado, pois é o desejo determinado que leva à ação determinada. E, se ambos estão determinados, então não há nenhuma razão lógica para culpar o homem pelo desejo, da mesma forma que não se pode responsabilizá-lo pela ação.
Calvino seguia um non sequitur, onde admitia que o homem não poderia ser responsabilizado pela ação porque a ação é determinada por Deus, mas deveria ser culpado mesmo assim porque desejou pecar, sendo que esse desejo também foi igualmente determinado e causado por Deus, e não autocausado. Ele era inconsistente neste ponto. Simplesmente não existe nenhum método lógico ou racional de conciliar o determinismo exaustivo com a responsabilidade humana, ou, melhor dizendo, o calvinismo com a Bíblia. John Wesley fala sobre isso nas seguintes palavras:
“Ele não punirá ninguém por fazer qualquer coisa que não poderia possivelmente evitar, nem por omitir qualquer coisa que não poderia possivelmente fazer. Toda punição supõe que o ofensor poderia ter evitado a ofensa pela qual ele é punido. De outra forma, puni-lo seria claramente injusto, e inconsistente com a característica de Deus nosso Governador”[169]
Bruce Reichenbach diz também:
“Para que as pessoas possam ser responsabilizadas moralmente por suas ações, precisam ser capazes de agir livremente, tomando decisões diferentes. Para que determinada pessoa seja responsabilizada por um roubo, é preciso que tal pessoa tenha tido a possibilidade de não roubar, sob aquelas circunstâncias. Generalizando: se ser livre significa que poderíamos ter agido de maneira diferente daquela como agimos, as pessoas precisam ser livres, então, a fim de poderem agir moralmente. É diferente o caso da pessoa que teve de agir coagida. Nenhuma pessoa é livre se um ato desempenhado por outra pessoa – humana ou divina – empurra-a para pensar, desejar ou agir de determinada maneira”[170]
Ele também aborda a diferença na questão da responsabilidade entre um ato coagido e um ato livre:
“Verifica-se esta abordagem do comportamento moral em outra esfera. A lei faz distinção entre assassinar uma pessoa (o assassino poderia ter agido de maneira diferente) e matar uma pessoa (quando fatores relevantes, críticos, estavam além do controle da pessoa que mata, como quando um motorista não pode evitar atropelar uma criança que surge correndo à sua frente, saindo dentre carros estacionados). Há também o caso da alegação de insanidade mental, para desculpar pessoas que cometem assassinato. O que se discute não é se a pessoa cometeu ou não o ato. Discute-se se a pessoa o praticou livremente, ou se seu estado psicológico era de tal ordem que não poderia ter feito outra coisa senão matar”[171]
O problema da responsabilidade humana é tão grande para os calvinistas que a grande maioria deles apenas afirma que o homem é responsável, mesmo admitindo que isso é um paradoxo que não pode ser satisfatoriamente explicado à luz de sua crença no determinismo. No fundo, eles sabem que afirmar a responsabilidade do homem e ao mesmo tempo o determinismo divino é uma contradição de termos, mas preferem chamar isso de outro nome: “mistério”. Roger Olson fala sobre isso:
“No processo de raciocínio, certos calvinistas param e apelam ao mistério e recusam ser logicamente consistentes ao afirmar as conseqüências lógicas e necessárias de seu sistema de crença”[172]
Eles não seguem as consequencias lógicas de seu calvinismo porque sabem que essas consequencias são biblicamente devastadoras. Por isso, preferem simplesmente afirmar ambos – responsabilidade e determinismo – e jogar a contradição para o “mistério”. Seria o mesmo que eu afirmasse que João é casado e João é solteiro, e na hora de explicar como que João pode ser solteiro e casado eu respondo dizendo que isso é um “mistério”, mas que não deixa de ser verdade!
Alguns fazem analogias com a doutrina da trindade para explicar que isso é inexplicável. Mas essa analogia falha exatamente em não reconhecer que, diferente do paradoxo do calvinismo, a trindade não é uma contradição. Seria uma contradição se afirmássemos que Deus é uma pessoa em três pessoas, ou que Deus é um ser em três seres, mas afirmar, como os cristãos afirmam, que Deus é um ser em três pessoas, não é contradição. Pode ser difícil de se entender, mas não é contraditório[173].
O calvinismo, em contrapartida, é totalmente contraditório. O “mistério” que eles chamam não tem outro nome senão contradição não explicada, porque eles sabem que não tem explicação. Os calvinistas seguem as consequencias lógicas de suas premissas apenas até certo ponto, e, depois que veem que a consequencia irredutível é algo claramente antibíblico, ao invés de voltarem e reformarem o sistema ou corrigir as premissas eles preferem manter as premissas e se opor à conclusão. É algo simplesmente contra a razão e o bom senso[174].
Algo semelhante ocorre nos debates entre ateus e cristãos. Os cristãos afirmam que da premissa: (1) Tudo o que passa a existir tem uma causa; (2) O Universo passou a existir; segue que: (3) O Universo possui uma causa. Mas os ateus, sabendo que isso levaria à crença na existência de uma Causa Primeira (que chamamos Deus) e também conscientes de que não podem negar a premissa 1 e a 2 (que são filosoficamente e cientificamente comprovadas), preferem negar a conclusão lógica que levaria à existência de Deus, preferindo apelar ao “mistério”.
É o mesmo que os calvinistas fazem com o calvinismo. Eles enxergam veracidade em suas próprias premissas, mas se recusam a admitir as consequencias lógicas de suas premissas. Enquanto o determinismo calvinista tem como consequencia lógica um conflito entre a “soberania” (no conceito deles) de Deus e a responsabilidade do homem, o indeterminismo arminiano, ao contrário, tem como consequencia lógica a afirmação de ambos como sendo igualmente verdadeiros e totalmente compatíveis, além de resgatar o livre-arbítrio e de dar algum sentido real à vida, onde os seres humanos são livres e responsáveis sob o governo de um Deus soberano, e não onde seres autômatos são condenados por pensamentos e atos determinados por Deus.
• A oração muda as coisas?
Se perguntar a dez cristãos sinceros qual é a parte mais importante da vida cristã, nove dirão que é a oração[175]. É através da oração que entramos em contato direto com o Pai, que temos acesso ao trono da graça, que somos perdoados dos nossos pecados, que podemos esvaziar o nosso coração diante dEle de todo o peso da culpa, do medo e das adversidades, além de ser o meio através do qual ele quebranta os nossos corações e nos leva a uma condição de relacionamento mais profundo com ele.
É pela oração que vidas são libertas, é a oração que faz as portas do Hades tremerem, é por meio dela que a Igreja pode conquistar o mundo aos pés de Cristo. Como disse John Bunyan, “a oração é um escudo para a alma, um sacrifício a Deus e um açoite para Satanás”. Mas até que ponto a oração tem importância no calvinismo?
Primeiramente, é importante esclarecer que não estamos questionando o tanto que os calvinistas em geral oram ou deixam de orar. Também não estamos dizendo que os arminianos oram mais que os calvinistas. Deixemos a vida particular de cada cristão nas mãos de Deus, o único que tem pleno conhecimento de tudo. O que será analisado aqui é puramente teórico. Em sentido lógico, qual a razão que um calvinista teria para orar?
Só de ouvirem uma pergunta como essa, muitos poderiam ficar revoltados. Eu sei que há muitas razões importantes para orar. O ponto em questão é: o que irá mudar com a minha oração, em um mundo determinista? Em outras palavras, se Deus já determinou tudo, então em que as minhas orações podem influenciar? Exatamente o que iria acontecer caso eu orasse, que não aconteceu pela minha falta de oração? Os arminianos podem responder com muitas coisas, mas o calvinista não, pois ele crê em um decreto imutável feito antes da fundação do mundo – antes mesmo das nossas orações serem feitas.
E este decreto não existe com base na presciência. Ele é incondicional. Em outras palavras, Deus não decretou que Pedrinho iria receber uma bicicleta porque ele previu que Pedrinho oraria para receber uma bicicleta. Ele determinou simplesmente porque ele quis. A Sua vontade é a única causa determinante de todo o decreto. Então, se Deus determinou que Pedrinho iria receber uma bicicleta, ele receberá uma bicicleta orando ou não. Da mesma forma, se Deus não determinou que Pedrinho receberia uma bicicleta, ele pode ficar orando a vida toda por uma bicicleta, mas nunca irá receber uma.
A mesma coisa se aplica à oração intercessória pelos perdidos. Eu suponho que você tenha parentes ou amigos não-convertidos, que você deseja a salvação. Muitas vezes essas pessoas estão distantes e você não pode pregar o evangelho pessoalmente. O que você faz? Você ora. Você pede para Deus abrir a mente e o coração dessa pessoa, para que ela possa reconhecer e receber a luz do evangelho da glória de Cristo. Mas a sua oração em nada importa. Se Deus determinou que ela se salvaria, ela se salvará, você orando ou não. E se Deus determinou que ela se perderia, ela se perderá e ponto final. Sua oração é inútil. Não muda nada.
Eu sinceramente não consigo pensar em um mundo assim, onde a oração tem tão pouco valor – na verdade, não tem nenhum. Tudo o que foi decretado irá acontecer e tudo o que não foi decretado não irá acontecer, e isso independentemente se você orou arduamente todos os dias ou se você nunca orou nada. Não é a sua oração que muda as coisas, porque as coisas não podem ser mudadas. A oração, então, seria tão útil quando falar com a parede. Falar com a parede não irá mudar as coisas, a oração também não.
Muitos autores calvinistas reconhecem isso. Joseph M. Wilson disse que ninguém pode crer na predestinação e ao mesmo tempo achar que a oração muda algo:
“Ninguém pode crer na gloriosa doutrina bíblica da predestinação e acreditar que a oração muda as coisas. As duas são incompatíveis. Elas não se harmonizam. Se uma é verdadeira, a outra é falsa. Visto que a predestinação é verdadeira, segue, como a noite segue o dia, que a oração não muda as coisas”[176]
David S. West também assevera:
“A oração não muda as coisas, nem a oração muda Deus ou Sua mente”[177]
James O. Wilmoth ainda diz:
“Sabemos que Deus predestinou todas as coisas que acontecem. Ele faz todas as coisas conforme o conselho de Sua própria vontade. É difícil reconciliar a oração e a vontade imutável de Deus”[178]
Até mesmo o autonomeado “calvinista moderado” R. C. Sproul escreveu:
“A Bíblia diz que há certas coisas que Deus determinou desde a eternidade. Essas coisas acontecerão inevitavelmente. Se você orasse individualmente, ou se eu e você uníssemos forças em oração, ou se todos os cristãos do mundo orassem coletivamente, isso não mudaria o que Deus, em seu conselho secreto, determinou fazer. Se decidimos orar em favor de que Jesus não volte, ele voltará apesar disso”[179]
Sproul empregou deliberadamente uma linguagem mais leve para expressar exatamente a mesma coisa que os calvinistas mais “duros” afirmaram explicitamente. Ele disse que há “certas coisas” que Deus determinou desde a eternidade e que estas coisas não mudam pela oração, mas, como todo bom calvinista, ele diz em seu livro “Eleitos de Deus” que estas “certas coisas” compreendem tudo, porque Deus não determinou apenas algumas coisas, mas todas as coisas. Portanto, na prática Sproul está em concordância com os demais calvinistas na crença de que a oração não serve para nada.
Mas, se a oração não muda as coisas, para que ela serve? Estaríamos mesmo sendo sinceros ao dizer que a oração não serve para nada em um mundo determinista? Alguns calvinistas tem se esforçado muito para encontrarem algum benefício na oração, algo pelo qual eles possam olhar e dizer que significa alguma coisa. Dan Phillips, por exemplo, afirmou:
“O que Deus predestinou acontecer sempre acontece conforme Ele propôs, e por mais que alguém ore, nada vai mudar isto. Não, a oração não muda as coisas; entretanto, ela nos muda”[180]
Embora ele reconheça que a oração não mude as coisas, ele diz que a oração muda o homem. Mas em o que a oração muda o homem, se ela não muda as coisas? Se o homem é realmente mudado, presume-se que ele passa a agir de modo diferente. Por exemplo: um viciado em drogas que ora para ser liberto do vício e “é mudado” é alguém que deixa o vício. Mas, se ele deixa o vício, alguma coisa muda no mundo – há um novo evento, a saber.
Mas este novo evento, que é o resultado da mudança da mente, não pode existir, porque a oração não muda as coisas. Em outras palavras, essa “mudança” no homem não implica em literalmente nada – mudança nenhuma – pois mudanças se refletem em atitudes, e atitudes são ações novas, que é algo que os calvinistas não admitem.
Mas e se apenas a mentalidade muda, sem nenhum novo evento ocorrendo? Primeiramente, seria de se pensar quão importante é uma mudança que não se reflete em atitudes. O homem é mudado, mas não age de forma diferente que antes. Se há mesmo alguma mudança, essa mudança é algo tão superficial que realmente não é nada.
Em segundo lugar, os pensamentos também são eventos, desde que pensamentos também sejam parte da “soberania” divina que os calvinistas entendem por determinismo. Como eles não admitem pensamentos autocausados e creem que Deus tem que exercer seu determinismo em tudo, até mesmo a vontade, o desejo e os pensamentos do homem são externamente determinados. Sendo assim, nenhum pensamento “novo”, que não esteja incluído no decreto, pode existir.
Desta forma, vemos que essa “mudança” não pode ser algo que se reflita em atitudes e também não pode ser nem ao menos uma mudança de mentalidade. Então, o que é que os calvinistas querem dizer quando dizem que a oração “muda o homem”? Nada. É simplesmente uma frase de efeito, sem nenhum sentido significativo, puramente simbólica e superficial, sem nenhum conteúdo, que não implica em nada novo na mente ou nas ações. É simplesmente uma forma mais bonita que um calvinista pode usar para dizer que a oração não serve para nada.
Laurence Vance explica a ideia que eles têm ao fazerem declarações como essas:
“A idéia é: se Deus já fixou tudo, então quem somos nós para desrespeitar sua soberania e solicitar uma mudança?”[181]
Por essa razão, ele diz que “as doutrinas do calvinismo, se realmente acreditadas e consistentemente praticadas, são danosas ao evangelismo, à salvação das almas, à oração, à pregação, e ao Cristianismo prático em geral”[182]. John Wesley foi outro que percebeu o quanto que o calvinismo rebaixa o valor da oração. Ele disse:
“Em qualquer um dos casos, nosso aviso, reprovação ou exortação é tanto desnecessária, quanto inútil, como nossa pregação. Ela é desnecessária àqueles que são eleitos; porque eles serão infalivelmente salvos, sem ela. Ela é inútil àqueles que são não-eleitos; porque com ou sem ela, eles serão infalivelmente condenados; então, você não pode, consistentemente com seus princípios, levar quaisquer preocupações sobre a salvação deles. Conseqüentemente, esses princípios, diretamente, destroem seu zelo pelas boas obras; por todas as boas obras; mas, particularmente, para a maior de todas, a salvação da alma da morte”[183]
Wesley também disse que esse ensino calvinista já estava trazendo maus frutos em sua época, inclusive diminuindo a necessidade de santificação, que era uma grande ênfase dele:
“Ele poderia justificadamente dizer (e eu tenho ouvido alguns dizerem, ambos doentes corporalmente e espiritualmente), se eu sou ordenado para a vida, eu devo viver; se para a morte, eu devo viver; então, eu não preciso me preocupar com isso. Então, diretamente, a doutrina tende a fechar mesmo o portão da santidade em geral, – por dificultar os homens profanos de sempre se aproximarem dela, ou se esforçarem para entrar nela”[184]
Norman Geisler é outro que crê que este conceito errôneo e distorcido que o calvinista tem com relação à oração pode influenciar na vida cristã. Ele diz:
“Realmente, há coisas que mudam porque oramos, porque um Deus soberano decidiu usar a oração como meio para o fim de concretizar essas coisas. Mas se Deus vai fazer essas coisas mesmo que não as peçamos, não há necessidade alguma de as pedirmos. O que cremos a respeito de como a soberania de Deus se relaciona com o livre-arbítrio faz grande diferença em como – e quanto – oramos”[185]
Na Bíblia, o conceito de que a oração tem o poder de mudar as coisas é muito claro. Tiago diz:
“A oração de um justo é poderosa e eficaz. Elias era humano como nós. Ele orou fervorosamente para que não chovesse, e não choveu sobre a terra durante três anos e meio. Orou outra vez, e o céu enviou chuva, e a terra produziu os seus frutos” (Tiago 5:16-18)
Ele também afirma que a razão de seus leitores não terem recebido é porque não pediram, ao invés de dizer que era porque aquelas coisas não haviam sido decretadas antes da fundação do mundo:
“Não têm, porque não pedem” (Tiago 4:2)
Aos filipenses, o apóstolo Paulo disse que a sua libertação ocorreria, não porque estava no decreto, mas graças às orações deles e ao auxílio do Espírito Santo:
“Pois sei que o que me aconteceu resultará em minha libertação, graças às orações de vocês e ao auxílio do Espírito de Jesus Cristo” (Filipenses 1:19)
No evangelho de Mateus, vemos Jesus dizendo algo muito interessante:
“Então disse aos seus discípulos: ‘A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Peçam, pois, ao Senhor da seara que envie trabalhadores para a sua seara’” (Mateus 9:37-38)
A seara é de Deus, e Deus é soberano. Mesmo assim, ao invés de ele mesmo decretar e determinar que trabalhadores iriam ser enviados à seara, ele pede para que nós oremos a Deus para que Ele envie os trabalhadores! Em outras palavras, Deus condicionou tudo à oração dos crentes, de modo que é por meio dela que Deus opera. Foi pela oração que Ezequias teve quinze anos acrescentados à sua vida, quando já estava à beira da morte:
“Vá dizer a Ezequias: ‘Assim diz o Senhor, o Deus de seu antepassado Davi: Ouvi sua oração e vi suas lágrimas; acrescentarei quinze anos à sua vida’” (Isaías 38:5)
Moisés também mudou o curso da história através da oração. Deus iria destruir Miriã e Arão; Moisés intercedeu por eles e não lhes aconteceu nada:
“Tive medo da ira e do furor do Senhor, pois ele estava suficientemente irado para destruí-los, mas de novo o Senhor me escutou. O Senhor irou-se contra Arão a ponto de querer destruí-lo, mas naquela ocasião também orei por Arão” (Deuteronômio 9:19-20)
Deus também condicionou o destino de Abimeleque à oração de Abraão. Ele disse:
“Restitui a esposa ao marido, pois é profeta, e ele orará por ti para que vivas. Do contrário, sabe que certamente morrerás tu e tudo que tens” (Gênesis 20:7)
À luz de tantas evidências de que a oração muda as coisas, podemos crer, como disse Maurício Zágari, que “se não pregarmos, meu irmã, minha irmã, muitos irão para o inferno”[186]. Nossas pregações e orações não são inúteis. Elas podem determinar o futuro. Coisas que não aconteceriam se não orássemos acontecem com as nossas orações, e coisas que ocorreriam se orássemos deixam de acontecer pela falta de oração. É por isso que a oração é tão importante. É por isso que ela permeia toda a Bíblia com uma enorme ênfase e valor. É por isso que os primeiros cristãos oravam tanto. Verdadeiramente, “Deus aceita a influência de nossas orações para as decisões que Ele vai tomar”[187].
• Determinismo na Bíblia?
Vimos até aqui que o determinismo torna Deus o autor do pecado e do mal, o transforma em um ser pior que o diabo, suplanta o livre-arbítrio humano, distorce o sentido de soberania, torna a oração inútil, esmaga o maior atributo de Deus – o amor – e tira do homem a responsabilidade pelos pecados determinados por Deus. Mas os calvinistas ainda tem uma última carta na manga: eles dizem que, apesar de tudo, este ensino é “bíblico”. Então, querendo ou não, gostando ou não, devemos crer nele e aceitar suas consequencias.
Mas será mesmo que o determinismo calvinista é bíblico?
Os calvinistas tem alguns versículos de prateleira, que eles sempre tiram de lá quando veem oportunidade, a fim de provarem que o determinismo, apesar de tudo, é bíblico. Uma passagem que foi repetidamente usada por Calvino foi Lucas 12:6, que diz:
“Não se vendem cinco pardais por duas moedinhas? Contudo, nenhum deles é esquecido por Deus” (Lucas 12:6)
Porém, este texto não está tratando de determinismo, mas de presciência. Cristo diz que nenhum pardal é “esquecido”, ou seja, que ele se lembra de todos, e não que determina cada ação de cada pardal, o que seria ir muito além daquilo que está escrito. Outra passagem bastante usada por Calvino foi Mateus 10:29-30, que a ACF[188] traduziu assim:
“Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? E nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados” (Mateus 10:29-30)
De fato, o texto fala da “vontade” de Deus, mas seria uma vontade decretiva ou permissiva? Por exemplo: se um filho diz à sua mãe que vai sair para jogar bola e voltar mais tarde e a mãe consente, pode-se dizer que o filho não saiu de casa sem a vontade da mãe, embora a mãe não tenha decretado isso (ela não disse para o filho sair de casa, mas meramente permitiu que o filho saísse). É a mesma coisa que ocorre aqui. Não está em jogo um decreto divino sobre a ação de cada passarinho, mas uma vontade permissiva. A NVI[189] traduz com perfeição o sentido do texto:
“Não se vendem dois pardais por uma moedinha? Contudo, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do Pai de vocês. Até os cabelos da cabeça de vocês estão todos contados” (Mateus 10:29,30)
O verso seguinte lança mais luz ao sentido do texto, pois não diz que Deus determinou todos os cabelos da cabeça, mas que contou, passando a ideia de saber e não de ordenar. Deus sabe e Deus permite, ao invés de determinar e ordenar.
Outro texto muito usado por deterministas está no Salmo 139, onde Davi diz:
“Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Salmo 139:14-16)
Essa parece ser a declaração bíblica mais forte a favor do determinismo. Infelizmente para os calvinistas, essa é uma tradução mal feita, ainda presente em algumas versões da Bíblia. A King James, por exemplo, que é reconhecida como sendo a tradução mais fiel aos originais, verte da seguinte maneira:
“Os teus olhos viram a minha substância ainda imperfeita, e no teu livro todos os meus membros foram escritos, que em continuação foram formadas, quando ainda não havia nem um deles”
A Almeida Corrigida e Revisada Fiel segue na mesma linha e traduz:
“Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia”
Alon Franco conclui:
“Assim, as traduções citadas deixam exposta a ideia do original hebraico, que nos permite perceber o que foi pré escrito no livro de Deus: a formação dos membros do seu corpo é que foram pré-gravadas no ‘livro’ – isso se alguém ainda acha mesmo que devemos tomar esse tom poético literalmente. Como mencionado acima, o tema dos versos 13 a 15 é a formação do corpo de Davi. De fato, na primeira estrofe do verso 16, quando se diz: ‘Seus olhos viram a minha substância ainda informe’, também diz respeito à consciência íntima que o Senhor tem do salmista, mesmo antes que ele esteja formado. Davi louva ao Senhor pelo cuidado que tem dele, enfatizando a soberania e amor de Deus que o acompanhava desde o útero de sua mãe. Uma interpretação deste versículo que continua na expressão poética do autor do cuidado notável que o Senhor tomou na formação de seu corpo parece mais adequada”[190]
Portanto, não há nada nestes versículos que prove que os dias do salmista foram escritos previamente. É por isso que este texto tem sido pouco usado pelos eruditos calvinistas mais respeitados (especialmente entre os de fala inglesa, onde a KJV é muito respeitada), embora ainda seja muito usado por leigos que só leem uma versão da Bíblia. O próprio João Calvino não usou este texto nem uma vez, parecendo reconhecer que ele não fornecia uma evidência para a sua tese[191].
Mas o texto mais usado pelos calvinistas é o de Efésios 1:11, que diz:
“Nele fomos também escolhidos, tendo sido predestinados conforme o plano daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade” (Efésios 1:11)
Ele tem um paralelo forte com Provérbios 16:4, que diz algo semelhante:
“O Senhor faz tudo com um propósito; até os ímpios para o dia do castigo” (Provérbios 16:4)
Os calvinistas usam estes dois textos para dizer que Deus “faz todas as coisas”, incluindo o pecado e o mal, e, portanto, tudo foi predeterminado por Deus. John Feinberg usa este versículo como a base de toda a sua tese do determinismo divino, e diz que “Efésios 1:11 afirma que Deus decretou todas as coisas, até mesmo o pecado”[192]. Alvin Baker concorda e diz que, segundo este texto, “Deus faz ‘todas as coisas’, incluindo o pecado, segundo a sua vontade eterna”[193].
Mas essa é apenas uma interpretação do versículo, e não a interpretação final. Não é este o sentido do texto, muito menos o único sentido possível. Bruce Reichenbach lhe deu uma bela de uma resposta, dizendo:
“Há uma ambigüidade crítica que Feinberg despreza. Será que essa passagem ensina que Deus faz ou suscita todas as coisas segundo Seus propósitos, ou será que ela ensina que todas as coisas que Deus faz, Ele as faz segundo Seus propósitos? A sintaxe gramatical da sentença não nos obriga a adotar uma interpretação ao invés de outra. Por exemplo, uma pessoa pode dizer: ‘João faz todas as coisas muito devagar!’ Não podemos inferir daí que João faz todas as coisas, mas apenas que todas as coisas feitas por João são feitas devagar. De modo semelhante, não se pode inferir deste versículo que Deus faz ou suscita todas as coisas; é igualmente razoável interpretar esta passagem como afirmando que todos os atos de Deus provêm de Seu conselho”[194]
Em outras palavras, Efésios 1:11 e Provérbios 16:4 não dizem que Deus faz tudo e também com um propósito, e sim que tudo o que Deus faz ele faz com um propósito. É a mesma coisa do exemplo de Reichenbach: “João faz todas as coisas muito devagar” não implica que João faz todas as coisas e também as faz devagar, mas sim que tudo o que ele faz, ele faz devagar. É uma frase ambígua, é verdade, e por essa mesma razão está longe de ser a prova conclusiva que os deterministas tanto precisam.
Impressiona que tantos eruditos calvinistas façam tanto carnaval em cima deste texto, como se fosse a “prova irrefutável” que eles precisavam para colocar o determinismo na Bíblia, quando somente uma leitura forçada e tendenciosa do texto impediria uma interpretação indeterminista do mesmo. Se o texto estivesse realmente dizendo que Deus determina tudo e também com um propósito, então teríamos que achar um “propósito” no estupro de bebês. Qual é o propósito nisso? A glória de Deus? Deus precisa ser glorificado através do estupro de infantes? Ele ordena que o bebê seja estuprado para “tirar algo bom” disso? A simples conjectura já é absurda[195].
Outros textos que os calvinistas usam são aqueles que o Antigo Testamento diz que “Deus fez”, quando o que ele fez foi permitir a ação. Vance aborda isso em “O Outro Lado do Calvinismo”, dizendo:
“Freqüentemente se diz que Deus faz algo quando na verdade ele somente permitiu que fosse feito. Satanás incitou Davi a numerar Israel (1Cr 21.1), mas se diz que Deus fez isto (2Sm 24.1). O melhor exemplo é Jó. Satanás foi a causa do sofrimento de Jó (Jó 1.12, 2.7), mas Jó (Jó 1.21), o escritor de Jó (Jó 42.11), e o próprio Satanás (Jó 1.1, 2.5) o atribui a Deus”[196]
Geisler e Howe acrescentam:
“Embora tenha sido Satanás que diretamente incitou Davi, foi Deus que permitiu essa provocação”[197]
Estes dois exemplos nos mostram que não era incomum o Antigo Testamento retratar Deus “fazendo” algo, quando, na verdade, este “fazer” é equivalente a “permitir”. Não foi Deus quem causou o sofrimento de Jó, mas ele permitiu que o diabo o provasse. Não foi Deus quem incitou Davi a numerar Israel, mas ele permitiu que Satanás o incitasse a isso. Nestes casos, o diabo é o agente ativo (é o que “faz”, de fato) e Deus o passivo (o que permite, embora não cause). Este hebraísmo era relativamente comum e por conta disso muita confusão foi feita pelos deterministas.
Eles se apoiam em textos como Amós 3:6, que diz que nenhum mal sucede na cidade sem que o Senhor o tenha feito, quando o hebraísmo indica que “fazer” aqui é o equivalente a “permitir”. Embora isso seja incomum em língua portuguesa, temos que recordar que o original do Antigo Testamento foi escrito em hebraico, cujo idioma possui diversos hebraísmos e expressões que podem denotar outros significados que vão além da leitura natural do texto para alguém que não está familiarizado com o hebraico.
Um dos exemplos de hebraísmo é exatamente a questão do “fazer”, como nos mostra o Dr. E. Lund, que é erudito especializado nos idiomas bíblicos e autor da obra “Hermenêutica – Regras de Interpretação das Sagradas Escrituras”. Ele nos diz:
“Como prova de que o idioma hebraico expressa em forma de mandamento positivo o que não implica mais que uma simples permissão, e nem sequer consentimento, de fazer uma coisa, temos em Ezequiel 20:39, onde diz o Senhor: ‘Ide; cada um sirva os seus ídolos agora e mais tarde’, dando-se a compreender linhas adiante que o Senhor não aprovava tal conduta. O mesmo acontece no caso de Balaão o dizer-lhe Deus: ‘Se aqueles homens (os príncipes do malvado Balaque) vierem chamar-te, levanta-te, vai com eles; todavia, farás somente o que eu te disser’; dizendo-nos o contexto que aquilo não era mais que uma simples permissão de ir e fazer um mal que Deus absolutamente não queria que o profeta o fizesse. (Núm. 22:20.) Caso semelhante temos provavelmente nas palavras de Jesus a Judas, quando lhe disse: ‘O que retendes fazer, faze-o depressa’ (João 13:27)”[198]
Até mesmo o pastor presbiteriano Charles Hodge, que foi um dos maiores defensores do calvinismo no século XIX, reconheceu isso:
“Destas passagens e de outras similares, é evidente que é um uso bíblico familiar atribuir a Deus ações que ele em sua sabedoria permite acontecer”[199]
Infelizmente, muitos calvinistas não estão familiarizados com os hebraísmos do Antigo Testamento e com as regras de interpretação bíblica e acabam pensando que o verbo hebraico asah possui sempre o mesmo sentido do nosso verbo fazer, ignorando a hermenêutica e, consequentemente, se equivocando na exegese[200]. O próprio Calvino pouco conhecia sobre hebraísmos, e por isso falhava constantemente na exegese dos textos bíblicos, em especial os do Antigo Testamento, já que ele praticamente não abriu o Novo para provar o determinismo na Bíblia. Até mesmo o calvinista Francois Wendel reconheceu isso, dizendo:
“Mas, às vezes, pelo bem da coerência lógica ou da ligação a posições dogmáticas pré-estabelecidas, Calvino também fez violência aos textos bíblicos. Seu princípio de autoridade Escriturística então o levou a buscar as Escrituras por apoio ilusório, por meio de interpretações puramente arbitrárias”[201]
Outro erro muito comum de Calvino foi ter cometido a falácia da inversão do acidente, que é uma falácia que consiste em tomar uma exceção como regra, aplicando um caso específico como regra para uma causa geral. Calvino usou e abusou deste método falacioso. Um dos únicos textos do Novo Testamento citados por ele na defesa do determinismo (junto a Lucas 12:6 e a Mateus 10:29, que já conferimos aqui) foi o de Atos 2:23, que diz:
“Este homem lhes foi entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz” (Atos 2:23)
Se Calvino citou dez vezes este texto, foi pouco. Ele usava e abusava deste texto como a “prova” neotestamentária que ele precisava para sustentar o determinismo. Só tem um problema: este texto não fala nada sobre Deus determinar tudo. Ele meramente fala que a morte de Jesus foi determinada de antemão, o que nenhum arminiano indeterminista nega[202].
Calvino queria dar um salto na exegese e induzir que do fato da morte de Jesus ter sido determinada, daí decorre que tudo neste mundo foi determinado, algo que é simplesmente uma violência à exegese, pois o texto não diz isso. Em outras palavras, como Calvino não tinha nenhum texto que provasse que tudo neste mundo foi determinado de antemão por Deus, ele buscava casos isolados de assuntos específicos onde tentava forçar a interpretação para fazer das exceções uma regra.
Vemos, então, que a Bíblia não dá uma base sólida à crença no determinismo, e que as passagens utilizadas pelos deterministas são dúbias, forçadas e que violam as regras de interpretação bíblica. Mas será que o indeterminismo é apoiado biblicamente? Os calvinistas dizem que não. Contra a tese arminiana de que nem tudo é determinado por Deus, Feinberg diz que “se eu pudesse encontrar pelo menos um único versículo que afirmasse isto, eu me tornaria um indeterminista teológico (arminiano)”[203].
Para a satisfação de Feinberg, existem muitos versículos que dizem isso, ou que tem essa conclusão por implicação lógica. Pedro, por exemplo, nos diz:
“Vivam de maneira santa e piedosa, esperando o dia de Deus e apressando a sua vinda” (2ª Pedro 3:11-12)
Se o dia da volta de Jesus já é algo fixo e determinado por Deus antes da fundação do mundo, então como nós poderíamos apressar a vinda de Cristo? Para os calvinistas, este verso simplesmente não faz sentido. Nós não podemos apressar a vinda de Cristo. Nenhuma ação humana pode isso. O dia que Deus determinou antes da fundação do mundo como o sendo o da volta de Jesus será o que Jesus vai voltar e nenhum homem pode “apressar” essa vinda.
Os indeterministas, ao contrário, creem que o dia do Filho do homem será como nos dias de Noé (Lc.17:26). Quando veio o dilúvio? Quando Noé terminou a arca. Quando Jesus vai voltar? Quando a Igreja concluir sua missão na terra. Portanto, o dia da volta de Jesus está condicionado ao sucesso da Igreja, que pode, por sua vez, retardar a volta de Jesus ou apressá-la, dependendo de seu sucesso ou fracasso. Ninguém pode impedir que Jesus volte, mas podemos apressar essa vinda ao pregarmos o evangelho ao mundo todo, que é um dos precedentes necessários para a volta de Jesus (Mt.24:14).
Sendo assim, embora Deus já saiba o dia da volta de Jesus, ele não determinou este dia de modo fixo e independente das ações livres dos homens. Ao contrário: ele condicionou esse dia aos atos livres dos cristãos. Essa é a primeira e uma das mais fortes evidências de que nem tudo foi previamente determinado por Deus, mas que as ações do homem influenciam e escrevem a nossa própria história.
Vimos anteriormente que o pecado não é determinado por Deus. João, como vimos, disse que o pecado não provém do Pai, e, portanto, não pode ter sido determinado por ele:
“Pois tudo o que há no mundo – a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens – não provém do Pai, mas do mundo” (1ª João 2:16)
“Provém” tem ligação com a origem. Qual é a origem do pecado? O decreto. Da onde vem este decreto? Dos homens ou de Deus? De Deus. Assim, os calvinistas não podem escapar da lógica de que, se Deus determina e origina o pecado através do seu decreto, é de Deus que o pecado provém. Mas João diz que não. Para João, o pecado é autodeterminado, ao invés de ser externamente causado.
Outra falha do determinismo é presumir que a vontade de Deus é feita sempre. A vontade de Deus nunca pode deixar de ser feita, porque ele decretou de antemão tudo que é feito hoje. Portanto, qualquer coisa que aconteça, essa foi a vontade de Deus, isso foi o que ele determinou que seria. Clark Pinnock escreveu sobre isso, dizendo:
“Em face de tal visão da soberania determinística, como é que alguém poderia deixar de estar dentro da vontade de Deus? Aqui está o ponto central do conceito de Feinberg concernente ao mundo. A vontade de Deus é feita sempre. O milionário em seu castelo, o mendigo à sua porta, Deus decretou que a história decorresse desse jeito. Deus quis que acontecesse, seja o que for que esteja acontecendo. Seria irracional preocupar-se a respeito de qualquer fato, no universo calvinista. Simplesmente submeta-se à vontade determinística de Deus! Se Deus quiser salvá-lo, Ele certamente o fará, sem que você tenha de levantar um dedo para ajudá-lo. Se Ele quer que você seja pobre, é melhor você ir-se acostumando, porque você não poderá mudar nada. Alfredo não precisa preocupar-se com a moralidade de sua fortuna, uma vez que a realidade da responsabilidade moral voou pela janela fora. Maria não precisa alimentar dúvidas, porque tudo quanto vem acontecendo foi planejado para acontecer mesmo”[204]
Ocorre que, biblicamente, a vontade de Deus nem sempre é feita. Se a vontade de Deus fosse feita sempre, teria sido inútil Jesus pedir para orarmos assim:
“Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6:10)
Por que deveríamos orar para que a vontade de Deus seja feita na terra assim como ela é feita no Céu, se a vontade de Deus é sempre feita de qualquer jeito? Se a vontade de Deus fosse feita sempre, estaríamos simplesmente desperdiçando tempo de oração, que poderíamos estar investindo em outra coisa. A razão pela qual Jesus orou para que a vontade de Deus fosse feita é porque a vontade de Deus nem sempre é feita. É por isso que João diz:
“O mundo e a sua cobiça passam, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1ª João 2:17)
João traça um contraste entre o mundo e o cristão, e deixa implícito que somente o cristão é que faz a vontade de Deus, já que todos concordam que só ele “permanece para sempre”. O próprio Senhor Jesus deixou claro que a vontade de Deus não é feita sempre, quando disse que alguém tem que decidir fazer a vontade de Deus:
“Se alguém decidir fazer a vontade de Deus, descobrirá se o meu ensino vem de Deus ou se falo por mim mesmo” (João 7:17)
Nem todos descobriram que o ensino de Cristo vinha de Deus, porque nem todos decidiram fazer a vontade de Deus. Jesus também disse que “quem faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt.12:50), porém todos concordam que nem todo mundo faz parte da família espiritual de Cristo, porque nem todos fazem a vontade do Pai que está nos céus. É somente aquele que faz a vontade de Deus que será salvo:
“Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mateus 7:21)
Ele também contou uma parábola em que somente um dos filhos fez a vontade do pai:
“Havia um homem que tinha dois filhos. Chegando ao primeiro, disse: ‘Filho, vá trabalhar hoje na vinha’. E este respondeu: ‘Não quero!’ Mas depois mudou de idéia e foi. O pai chegou ao outro filho e disse a mesma coisa. Ele respondeu: ‘Sim, senhor!’ Mas não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? ‘O primeiro’, responderam eles. Jesus lhes disse: ‘Digo-lhes a verdade: Os publicanos e as prostitutas estão entrando antes de vocês no Reino de Deus’” (Mateus 21:28-31)
Para os calvinistas, os dois filhos teriam feito a vontade do pai, porque o que o Pai decreta o filho apenas obedece. Se Deus decretou que alguém iria aceitar o chamado divino, ele está fazendo a vontade de Deus, e se ele decretou que outra pessoa não iria aceitar o mesmo chamado, essa pessoa também está cumprindo a vontade de Deus, que determinou isso de forma incondicional e irrevogável. Então, qualquer coisa que aconteça no mundo, é a vontade de Deus expressa no decreto que está se cumprindo. Simplesmente não faz sentido dizer que a vontade de Deus não é feita por alguém, se Deus decretou tudo e ele decreta de acordo com a vontade dele.
A única forma de conciliar tais dados bíblicos com o determinismo seria inventando “duas vontades” em Deus. Uma vontade moral onde ele deseja coisas boas, e outra vontade decretiva onde ele decreta coisas más, de modo que alguém pode estar cumprindo a vontade decretiva, mas não a vontade moral. Mas que razão ou cabimento há em Deus decretar algo que ele não deseja, ou que não é moral? Duas vontades conflitantes em Deus é algo impossível à luz do testemunho bíblico de que Deus “não muda como sombras inconstantes” (Tg.1:17).
Além disso, como Deus poderia ter uma vontade diferente daquilo que ele decreta? Se Deus decretou, não há como mudar esse decreto. O que ele decretou vai acontecer e pronto. Então, simplesmente não há razão para desejar algo diferente do que foi decretado na vida de uma pessoa, se é impossível agir diferente do decreto. É o mesmo que eu ordenar que alguém se jogue de um precipício e morra, e depois dizer que ele não cumpriu a minha vontade.
Há também textos onde o homem resiste a Deus[205]. Em Isaías, por exemplo, Deus diz:
“Quando eu vim, por que não encontrei ninguém? Quando eu chamei, por que ninguém respondeu? Será que meu braço era curto demais para resgatá-los? Será que me falta a força para redimi-los? Com uma simples repreensão eu seco o mar, transformo rios em deserto; seus peixes apodrecem por falta de água e morrem de sede” (Isaías 50:2)
Se tudo é decretado por Deus, por que ele não decretou que os israelitas responderiam ao chamado dele e que seriam redimidos? O texto deixa claro que Deus procurou, mas não encontrou ninguém. Para os deterministas, foi o próprio Deus que determinou que ninguém responderia, e ele que decretou que ninguém creria. Em outras palavras, Deus estaria reclamando com os israelitas por estarem obedecendo a um decreto imutável dele mesmo, contra o qual eles nada poderiam fazer em contrário.
Mas, que o texto não indica isso, é óbvio pelo fato de Deus estar dizendo que seu braço não era curto demais para resgatá-los, nem faltava-lhe força para redimi-los. Ou seja: Deus estava disposto a resgatá-los, mas eles rejeitavam serem resgatados. Isso implica que nem tudo neste mundo é determinado por Deus, senão a própria rebelião dos israelitas teria sido decretada por ele e, consequentemente, seu chamado e sua disposição em salvar seriam falsos e fúteis.
Outro texto que já vimos é o de Jeremias 19:5, onde Deus diz:
“Construíram nos montes os altares dedicados a Baal, para queimarem os seus filhos como holocaustos oferecidos a Baal, coisa que não ordenei, da qual nunca falei nem jamais me veio à mente” (Jeremias 19:5)
Deus não ordenou, não pensou nem falou nada daquilo, mas, para os calvinistas, aquilo havia ocorrido exatamente em cumprimento de um decreto dele mesmo. Deus teria decretado que os israelitas apostatariam da fé e queimariam seus filhos em sacrifício a um deus pagão, e depois teria dito que nunca ordenou uma coisa dessas, como uma típica escusa. É lógico que este texto indica que pelo menos este acontecimento não foi ordenado por Deus, e, sendo assim, Deus não poderia ter decretado tudo – sendo o fim do determinismo.
Algo semelhante Deus diz em Oseias:
“Eles instituíram reis sem o meu consentimento; escolheram líderes sem a minha aprovação. Com prata e ouro fizeram ídolos para si, para a sua própria destruição” (Oséias 8:4)
Deus diz que os reis fizeram aquilo sem o consentimento dele, quando, na verdade, os calvinistas creem que eles fizeram aquilo justamente em cumprimento a um decreto dEle mesmo. Deus decreta aquilo, determina, faz com que aconteça, e depois diz que não consente naquilo que ele mesmo ordenou! Como os líderes dos israelitas teriam sido escolhidos sem a aprovação de Deus, se, na verdade, foi o próprio Deus que determinou a escolha destes líderes antes da fundação do mundo, e os homens estavam apenas cumprindo uma determinação irresistível?
Neste caso, teríamos que concluir que Deus decreta algo e não consente nisso; que ele determina algo que não aprova. Um deus como esse nos deveria causar medo, pois seria tão instável quanto um ser humano, que faz coisas sem pensar e depois as repudia. Alguém que pergunta ao homem que pecou: “que é isto que fizeste?” (Gn.3:13), quando, na verdade, foi ele mesmo que decretou aquele pecado.
Finalmente, há também aqueles versículos que mostram o homem rejeitando o propósito ou plano de Deus na vida dele. Os “fariseus e os peritos na lei rejeitaram o propósito de Deus para eles, não sendo batizados por João” (Lc.7:30), e Jesus chorou sobre Jerusalém (Lc.19:41), dizendo: “Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mt.23:37).
Como já vimos, estes textos implicam que o homem pode resistir ou rejeitar o plano de Deus na vida deles. Não era do plano nem da vontade de Deus que os fariseus e os peritos da lei não fossem batizados por João, mas eles não foram. Também não era da vontade de Jesus que os judeus rejeitassem os profetas e abandonassem a Deus, mas eles abandonaram. Jesus queria reuni-los, mas eles não quiseram. Ele quer o bem para todos, mas muitos o rejeitam e cavam o seu próprio abismo.
Diferente do determinismo calvinista, onde Deus traça planos terríveis para a vida das pessoas, incluindo uma série de pecados mortais que culminam na morte eterna, na Bíblia ele planeja sempre o nosso bem e deseja sempre o nosso melhor, mas somos nós que rejeitamos este plano e que assinamos nossa própria perdição. Deus permanece sempre justo e amoroso, “bom para com todos” (Sl.145:9). O homem é quem destroi tudo. O homem é o responsável.
• O determinismo de Jonathan Edwards
Ainda que o determinismo de Jonathan Edwards seja substancialmente o mesmo de Calvino, será necessário dedicar alguns tópicos para tratar dele especificamente, uma vez que Edwards sistematizou de forma mais intelectualmente satisfatória o determinismo que foi afirmado de forma confusa por Calvino em alguns pontos. A principal diferença entre o determinismo de Edwards e o de Calvino é que, enquanto este negava o livre-arbítrio, aquele inventou um livre-arbítrio compatibilista, ou seja, uma teoria de livre-arbítrio que tenta ser compatível com um mundo determinista.
Para isso, é lógico, ele precisou mudar todo o conceito de livre-arbítrio que conhecemos. A descrição abaixo de “livre-arbítrio” feita por Flávyo Henrique, que eu creio ser a mais compatível com o pensamento da maioria dos cristãos sobre liberdade, era rejeitada por Edwards:
“Definimos como a capacidade de escolher em contrário, mesmo frente a agentes externos, meio, situação ou necessidade, a capacidade de resistir e decidir, restritamente, mediante condições, em que nada verga, de tal maneira, a vontade humana, que não se possa atribuir ao homem a responsabilidade de seus atos. Tal capacidade nada mais pode ser, que a semelhança em que fomos criados, advinda de Deus, da livre graça, da liberdade do criador que dotou a criatura, comer ou não comer do fruto, do bem e do mal, obedecer ou não, esta diante de cada um de nós, agora mesmo. A graça, indispensável à salvação do homem, nos orienta para aquilo que o homem natural não compreende, isto é, as coisas espirituais, nos abrindo os olhos, pela pregação da palavra, a fé vem aos nossos corações (Rm 10.17) e então somos feitos novas criaturas em Cristo Jesus. (II Co 5.17)”[206]
Em contraste a esta definição de livre-arbítrio (que é conhecido como “livre-arbítrio libertário”, que decorre do fato de que o agente é livre para agir da forma contrária à que ele agiu), o “livre-arbítrio” de Edwards não era algo em que a pessoa pudesse agir contrariamente à forma que agiu. Ele disse:
“Aquilo que parece mais convidativo, e tem o grau maior de tendência prévia para excitar e induzir a escolha, é o que chamo ‘motivo mais forte’. Nesse sentido, suponho que a vontade é sempre determinada pelo motivo mais forte”[207]
Essa definição ficou muito famosa nos séculos seguintes e hoje é seguida de perto pela maioria dos calvinistas. Basicamente, o ensino consiste em que o homem tem algo que eles chamam de “livre-arbítrio” ou “livre-agência”, mas não para poder agir em contrário. Ele somente pode agir da forma que age, porque suas ações são determinadas pelo motivo mais forte.
Então, é de questionarmos se esse “livre-arbítrio” de Edwards merece mesmo este nome. O “livre-arbítrio”, neste caso, é simplesmente a capacidade de agir somente e sempre em conformidade com o que deseja, e não de ter realmente opções de escolha. Isso conflita com o real sentido de ser “livre”, embora possa trazer certo conforto a calvinistas que ainda precisam crer em alguma forma de liberdade.
Sproul resumiu de forma simples o pensamento de Edwards:
“Tenho o desejo de ser magro e tenho o desejo de tomar um ‘Super Sundae’. Qualquer desses desejos que for maior na hora da decisão é o desejo que vou escolher. Simples assim”[208]
John Feinberg, da mesma forma, afirma:
“Deus pode decretar todas as coisas e, ao mesmo tempo, nós estaremos agindo livremente, de acordo com o sentido compatibilista de liberdade. Deus pode garantir que Seus objetivos serão atingidos livremente, mesmo quando alguém não deseja praticar um ato, visto que o decreto inclui não apenas os fins escolhidos por Deus, mas também os meios para a consecução desses fins. Tais meios incluem todas e quaisquer circunstâncias e fatores necessários para convencer a pessoa (sem constrangimento) de que a ação que Deus decretou é a ação que essa pessoa deseja praticar. E assim, propiciadas as condições suficientes, a pessoa praticará a ação”[209]
Em outras palavras, o determinismo que Feinberg chamou de “leve”, presente em Edwards e em autores calvinistas posteriores, se difere do determinismo “duro” de Calvino e de calvinistas rígidos apenas em um aspecto: enquanto para Calvino o homem é coagido, para Edwards o homem é persuadido. Mas essa diferença ainda é muito superficial, pois Edwards ainda cria em uma persuasão irresistível, que no fim das contas pouco difere da coação. É mais uma diferenciação técnica do que prática. É por isso que o “determinismo leve” cai nos mesmos erros do determinismo rígido, como veremos adiante.
• Atos autocausados são impossíveis?
Um lema dos deterministas – tanto dos rígidos como dos moderados – é que atos autocausados são impossíveis, pois tem que existir sempre uma causa e efeito. Isso decorre de uma má interpretação do que entendemos pelo termo “autocausado”. Com isso, não estamos dizendo que os atos surgem do nada, se autocausando, ou seja, que atos causem atos. Estamos simplesmente dizendo que atos são causados pelo próprio agente, isto é, pela própria pessoa. Portanto, a pessoa é a causa e os atos são os efeitos. Isso é que são atos “autocausados”.
Os atos precisam ser autocausados para explicar a origem do pecado e do mal. Se atos autocausados são impossíveis, então é Deus quem coloca o desejo pelo pecado e que causa o ato pecaminoso. Mas “se a inclinação má que levou Adão a pecar veio dele mesmo, de maneira autônoma, tal seria uma enorme concessão ao arminianismo”[210]. Seria dizer que atos autocausados são possíveis, e que, de fato, já existiram. Mais do que isso, negar que possam existir atos autocausados é o mesmo que dizer que a rebelião de Satanás partiu de Deus.
Norman Geisler aborda isso, dizendo:
“Se as ações autocausadas não são possíveis, então não há nenhuma explicação para o pecado de Lúcifer. Porque, novamente, um Deus impecável não poderia ter causado o pecado em Lúcifer (Tg 1.13). Visto que Lúcifer foi o primeiro a pecar, a sua ação deve ter sido autocausada, ou ele nunca teria sido capaz de pecar. Segue-se que as ações autocausadas são possíveis”[211]
Ele também diz:
“Isso não explica a origem do desejo de pecar de Lúcifer. Se esse desejo não veio de Deus, então deve ter vindo dele mesmo. Nesse caso, seu ato original maligno foi autocausado, isto é, gerado pelo próprio Satanás – exatamente a idéia de livre-arbítrio do ser humano que o calvinista radical rejeita”[212]
A alegação calvinista de que deve haver uma causa irresistível externa para causar os atos é falha, porque, se essa objeção fosse levada a sério, nem Deus poderia criar o mundo ou fazer qualquer coisa, visto que deveria ter alguma causa externa que determinasse seus atos. Mas se os atos de Deus são autocausados, então atos autocausados são possíveis. Geisler diz:
“As ações autocausadas não são impossíveis. Se fossem, então Deus, que não pode fazer o que é impossível (v. tb. Hb 6.18), não teria sido capaz de criar o mundo, porque não havia ninguém ou nada mais para causar a existência do mundo antes de o mundo existir, exceto o próprio Deus. Se o ato da criação não foi autocausado por Deus, não poderia ter acontecido, visto que Deus, a Causa não-causada, é o único que poderia ter realizado aquela ação”[213]
Explicar as razões que levam o homem a tomar certa decisão pode ser tão difícil quanto explicar o que levou Deus a criar o mundo ou a fazer qualquer coisa, mas inferir que os atos do homem não podem ser autocausados por causa disso é simplesmente um non sequitur, uma vez que calvinista nenhum sabe o que fez com que Deus causasse o Universo, e mesmo assim crê que os atos de Deus foram autocausados. Sobre isso, Geisler afirma:
“Se este raciocínio estiver certo, nem mesmo Deus poderia agir livremente. Não há condições causais suficientes, além de Sua vontade, para Suas decisões. Contudo, Feinberg admite que Deus pode agir livremente. Portanto, a perspectiva de Feinberg é inconsistente”[214]
Em resumo, atos autocausados são possíveis. Esta é a única forma de explicar a Queda de Adão, a rebelião de Satanás e o pecado do homem. É também a única forma de responsabilizar o homem e de torná-lo livre. As objeções calvinistas com base na filosofia falham em desconsiderar que, se não é possível tomar uma decisão a não ser que essa decisão seja externamente determinada, então nem Deus poderia determinar nada, visto que ninguém determina as escolhas de Deus – elas são autocausadas. Portanto, atos autocausados são possíveis.
• O determinismo de Edwards explica o mal e o pecado?
Uma coisa deve ficar clara aqui: embora o “determinismo leve” busque salvar algo da responsabilidade humana ou do livre-arbítrio que outros calvinistas negam[215], ele não move um dedo para livrar Deus da afirmação de que ele decreta o pecado. Como já vimos nos tópicos anteriores, tanto Edwards como seus seguidores diziam explicitamente que Deus determina o pecado, da mesma forma que os calvinistas mais rígidos dizem o mesmo.
Não há diferença entre ambos neste ponto. Um calvinista que alegasse que Deus não determina o pecado teria que ensinar um decreto que não envolve tudo o que acontece na humanidade, mas que deixa de fora muitas coisas – os acontecimentos e pensamentos pecaminosos –, o que significaria ir contra Calvino, contra o Sínodo de Dort, contra o Confissão de Westminster e contra todas as outras normas de fé dos reformados. Por fim, isso implicaria em negar o próprio determinismo, e cair no indeterminismo.
É por isso que nenhum calvinista, nem mesmo o “moderado”, crê que Deus não decreta o pecado. Isso o colocaria contra a sua própria teologia, e o levaria para o campo arminiano e indeterminista. Calvinistas que seguiram Edwards em sua teologia, como John Piper e John Feinberg, afirmaram várias vezes que Deus determina o pecado (já vimos várias citações ao longo deste livro, nos tópicos anteriores). Portanto, se algum calvinista pensa que Edwards resgatou algo neste ponto, está errado.
O próprio Edwards disse que “Deus deseja o mal”[216], embora não o faça, pois quem o coloca em ação são os seres humanos. Mas, como também já vimos, isso não melhora as coisas, pois faria do ser humano uma mera causa intermediária do pecado, e não a causa primeira. O homem seria um instrumento, um meio, e Deus seria a causa, a razão. Deus seria, assim, muito mais responsável pelo pecado do que o homem, se é que ainda resta alguma responsabilidade humana, pois é Deus quem determina tudo, não sobrando nada ao homem. O homem apenas obedece decretos, que ele não poderia resistir.
É comum dizemos que “Hitler assassinou mais de seis milhões de judeus”, ainda que ele não tenha feito isso diretamente, mas indiretamente, por meio de seus oficiais. Dizemos que Hitler matou tantas pessoas porque ele ordenou o assassinato delas, porque foi o responsável por aquilo. Da mesma forma, se foi Deus quem ordenou todos os assassinatos no planeta por meio do Seu decreto, ele é o assassinato indireto e o responsável pelos morticínios – algo impensável, em se tratando da natureza santa e moral de Deus.
Dizer que Deus não é responsável pelos crimes porque é o homem que mata – quando este está apenas cumprindo ordens e seguindo um decreto – é o mesmo que inocentar Hitler porque ele não matou ninguém diretamente, mas ordenou que outros fizessem isso.
Na verdade, Deus seria ainda mais responsável que Hitler, pois um soldado alemão ainda poderia oferecer resistência e decidir não matar um inocente (mesmo que morresse por decidir não matar), enquanto ninguém pode oferecer resistência aos decretos de Deus – se Deus mandou matar, ele é obrigado a matar e não tem como não matar, pois o próprio Deus se encube de colocar o desejo irresistível de matar. Deus seria, neste caso, ainda mais moralmente responsável do que Hitler pelos assassinatos, a não ser que remodelássemos todo o nosso conceito de moralidade e responsabilidade.
O principal problema da teoria de Edwards neste aspecto é que o homem age sempre de acordo com o desejo mais forte, e este desejo mais forte é sempre colocado ali por Deus. Em outras palavras, Deus decretou antes da fundação do mundo que João iria comprar uma bala, então coloca no coração dele o desejo de comprar uma bala, João é persuadido e não pode fazer outra coisa a não ser comprar uma bala, então ele vai e compra a bala.
Mas o que é definitivamente problemático é que essa lógica também é aplicada aos demais acontecimentos. Assim sendo, um bandido que mata alguém também é persuadido por Deus a este fim, para que possa cumprir os Seus decretos. Deus coloca no coração do bandido o desejo de matar um indivíduo, o bandido é persuadido e ele não pode fazer outra coisa a não ser matar, então ele vai lá e mata.
Para que tudo o que Deus decretou se realize, é preciso que ele coloque o “desejo mais forte” sempre na direção daquilo que ele quer (ou seja, dos seus decretos), ainda que isso inclua o pecado. Isso torna tal doutrina tão repugnante quanto o “determinismo duro”, uma vez que ambas dizem basicamente a mesma coisa: que Deus decreta o pecado, reduzindo Deus a um pecador, à causa primeira de todos os pecados e de todo o mal no mundo.
Infelizmente, este conceito de Edwards foi seguido de perto pelos calvinistas posteriores. Gordon Clark, por exemplo, disse:
“É surpreendente que alguém que se chama cristão e tem lido pelo menos uma pequena porção da Bíblia possa negar que Deus controla as operações mentais de suas criaturas. O coração do homem está na mão do Senhor e o Senhor inclina o coração do homem em qualquer direção que o Senhor desejar”[217]
Norman Geisler resume a dinâmica calvinista:
“De acordo com este conceito, não poderíamos decidir contrariamente aos desejos que Deus nos concede. Na verdade, os crentes não podem fazer outra coisa senão o que fazem. Só podem fazer o que desejam, e só Deus concede esses desejos”[218]
O problema para os calvinistas é que, biblicamente, o próprio desejo pecaminoso já é um pecado. Jesus disse:
“Mas eu lhes digo: qualquer que olhar para uma mulher para desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração” (Mateus 5:28)
O adultério que está “no coração”, mesmo que não seja consumado, já é considerado um pecado. Mas este desejo, para os calvinistas, veio de Deus, que “controla as operações mentais de suas criaturas”. Até mesmo um deficiente mental é assim porque Deus determinou que ele assim o fosse, e um psicopata que traça planos malignos no seu coração nada mais está pensando senão o que Deus decretou que ele pensasse.
Em Provérbios vemos a Bíblia condenando o “coração que traça planos perversos” (Pv.6:18), mas para os calvinistas quem traçou esse plano perverso, que colocou esse desejo ali, foi Deus. Impossível, pois, conciliar uma doutrina determinista onde todos os desejos provêm de Deus com a doutrina bíblica sobre o pecado, que envolve até mesmo o desejo.
Se todos os desejos vêm de Deus para executar seu decreto – incluindo os desejos pecaminosos – e esses desejos já são considerados pecados, então Deus causa os pecados, o que é repudiável e absolutamente condenável, pois faria de Deus um pecador profissional, utilizando seres humanos como objetos para estes fins malignos. Geisler também foi enfático sobre este ponto, quando disse:
“Esta perspectiva teológica do livre-arbítrio elimina toda a responsabilidade moral. Ela enseja que o homem não é a causa eficiente de suas ações, mas apenas o instrumento. Assim, por exemplo, um assassino não poderia ser mais culpado do que o revólver ou a faca (instrumentos do assassinato). De modo semelhante, não se pode culpar racionalmente um carro dirigido por um péssimo motorista, como criminoso, visto que foi apenas o instrumento que causou o dano. O responsável é o motorista. Em suma, o determinismo moral faz Deus imoral, e o homem amoral”[219]
Roger Olson é outro que aponta os problemas na tese de Edwards, onde Deus coloca os desejos malignos e o homem apenas obedece a estes desejos. Ele diz:
“Como Deus pode controlar ou até mesmo governar as decisões e ações humanas a menos que ele transmita os motivos? Eles são, afinal de contas, os que controlam as decisões e ações. Isso faz de Deus a fonte do pecado e do mal, pois estes se originam e jazem dentro dos motivos (ou o que Edwards chamava de disposições)”[220]
Além disso, o próprio fato de tornar certo um ato pecaminoso também é repudiável. Como Olson pergunta, “quem acreditaria que um professor, que retém uma informação necessária para que os alunos sejam aprovados em um curso, simplesmente tenha permitido que eles fossem reprovados?”[221]. Ele também questiona:
“Quem acredita que uma pessoa que torna certa que outra pessoa irá cometer um crime, de maneira que a pessoa que, na verdade, comete o crime por não poder fazer o contrário, não é cúmplice do crime?”[222]
Até mesmo Sproul reconhece este problema. Ele diz:
“Sabemos que, se eu contratar um homem para matar alguém, e esse pistoleiro contratado cumprir o contrato, posso justamente ser julgado por homicídio, a despeito do fato de eu não ter realmente puxado o gatilho”[223]
De fato, o próprio Senhor Jesus disse que o culpado maior não era Pilatos, mas aquele que estava “acima” dele, e que o entregou a ele. Este sim é culpado de um “pecado maior”:
“Não terias nenhuma autoridade sobre mim, se esta não te fosse dada de cima. Por isso, aquele que me entregou a ti é culpado de um pecado maior” (João 19:11)
Para os calvinistas, este que entregou Jesus a Pilatos foi Deus, por seu decreto. Era ele que estava “acima” de Pilatos, era ele que deveria ser o responsável pelo “pecado maior”[224]. É impossível assegurar o determinismo calvinista sem manchar com isso toda a moralidade divina.
Se a teoria da persuasão irresistível for verdadeira, Reichenbach indaga:
“Se todas as pessoas podem ser persuadidas a aceitar o decreto de Deus em qualquer ponto, por que é que Deus não decreta que todas as pessoas não apenas farão o bem, sempre, mas também O reconhecerão como Deus?”[225]
A irracionalidade da proposição calvinista também é exposta por ele, que diz:
“De acordo com Feinberg, houve um momento em que Deus decretou tudo quanto vai acontecer. Isto significa que Deus decretou tanto o bem como o mal. Além disso, tal decreto ocorreu antes e independentemente de qualquer ação humana. Suponha, então, que alguém deseje praticar o bem, ao invés do mal que Deus decretou (que tal pessoa há de fazer), ou que aceitará a Deus, ao invés de rejeitá-lo (como também Deus decretou). Visto que tudo há de acontecer segundo o Seu decreto, Deus é colocado na delicada situação de persuadir tal indivíduo que ele deverá fazer o mal, ao invés do bem, ou rejeitar a Deus, ao invés de aceitá-lo, e isto seria racional, para satisfazer os melhores interesses dessa pessoa. A soberania de Deus foi protegida, mas às custas de Sua sabedoria e bondade”[226]
Por fim, como bem discorre Geisler, se Deus é quem coloca os desejos no coração do agente para que este possa sempre agir de acordo com o decreto divino, então o próprio diabo só se rebelou porque Deus colocou este desejo no coração dele:
“Se Deus determina todos os atos, então ele, não Satanás, é responsável pela origem do pecado. Pois se livre-escolha é fazer o que alguém deseja, e se Deus dá o desejo, então Deus deve ter dado a Lúcifer o desejo de rebelar-se contra ele (Ap 12). Mas isso é moralmente absurdo, visto que estaria Deus agindo contra si mesmo”[227]
Em resumo, nada no determinismo de Jonathan Edwards resgata alguma moralidade divina que foi perdida em Calvino. Para ele, Deus decreta todos os pecados, e controla todos os desejos para que eles somente resultem naquilo que foi decretado. Assim sendo, se Deus decretou que Hitler assassinaria mais de seis milhões de judeus no Holocausto, ele se encarrega de colocar este desejo perverso no coração dele, de modo que Hitler se sinta irresistivelmente persuadido e coloque este plano diabólico em ação. Todo senso de moralidade foi jogado no lixo, para salvar uma visão extrema e distorcida da soberania de Deus, que nunca implicou em determinismo.
• O “determinismo leve” resgata a liberdade e a responsabilidade humana?
Em “O Exterminador do Futuro 3”, o Exterminador (Arnold Schwarzenegger) tem seu sistema corrompido por sua rival, a Exterminadora T-X, sendo programado para matar John Connor, ao invés de protegê-lo, que era a sua missão. Ele o joga ao capô de um carro velho, e, prestes a matá-lo, vê Connor implorando:
John Connor – Por favor, você não pode fazer isso.
Schwarzenegger – Eu não tenho escolha. T-X corrompeu meu sistema.
John Connor – Você não pode matar um ser humano! Você mesmo disse isso! Você está lutando contra isso agora!
Schwarzenegger – Minha CPU está intacta, mas não posso controlar as minhas outras funções.
John Connor – Você não tem que fazer isso. Você não quer fazer isso!
Schwarzenegger – Desejo é irrelevante. Eu sou uma máquina.
John Connor – Qual é a sua missão?
Schwarzenegger – Garantir a sobrevivência de John Connor e Katherine Brewster.
John Connor – Assim você vai fracassar nessa missão!
Schwarzenegger – Eu não... eu não posso.
John Connor – Você sabe o que tem que fazer. Você conhece o meu destino.
Dando comandos contraditórios para exterminar e abortar simultaneamente, ele não consegue matar e se autodesliga. Se Edwards estivesse vivo hoje, certamente iria notar muitas semelhanças entre a sua tese e o Exterminador. De fato, Norman Geisler disse:
“Edwards tem uma visão falha e mecanicista da personalidade humana. Ele iguala a livre-escolha do ser humano a uma balança com necessidade de mais pressão a fim de inclinar o ponteiro para um lado ou para outro. Mas o ser humano não é uma máquina; é uma pessoa, feita à imagem de Deus (Gn 1.27)”[228]
A visão mecanicista de Edwards do ser humano é muito semelhante ao sistema do Exterminador. Ele não tem realmente escolha. O desejo “lá no fundo” é algo irrelevante. Se o sistema diz para matar, ele não pode fazer outra coisa a não ser matar. E, se o sistema diz para não matar, ele não poderia fazer outra coisa a não ser não matar. Tudo é pré-programado, em Edwards por Deus, em o Exterminador por T-X. O ser humano não tem nenhum desejo próprio que não venha de cima, nem a mínima capacidade de oferecer resistência a estes desejos.
Isso, muito longe de resgatar o livre-arbítrio, o esmaga da mesma forma que os demais calvinistas o fazem. Como disse Pinnock:
“O que Feinberg se agrada em chamar de livre-arbítrio não merece este nome. Vamos usar um exemplo para esclarecer a questão. José rouba um banco. Ele não precisava fazer isso. Ninguém o forçou a fazê-lo. Mas, ele queria roubar. O currículo e os desejos de José eram de molde a tornar inevitável, naquele momento, o assalto ao banco. Não havia outra saída para José. Era uma vítima de fatores causais sobre os quais não podia exercer o mínimo controle. Um médico poderia tentar reprogramá-lo, porém, nenhum juiz tem o direito de condená-lo por fazer algo que ele não podia evitar. Todo o senso de responsabilidade moral voou pela janela fora, em face do conceito de Feinberg de livre-arbítrio”[229]
Para Edwards, se a pessoa tem 60% de vontade de fazer uma coisa e 40% de vontade de fazer outra, ela nunca, em hipótese alguma, poderá escolher fazer aquilo que ela tem 40% de vontade. Ela sempre vai seguir o desejo maior, e quem dá o desejo maior é Deus, para que o homem siga à risca os Seus decretos previamente estabelecidos. Assim, se Deus “programou” o homem para matar alguém, e este homem tem um desejo menos forte de não matar, ele nunca conseguirá não matar. Ele irá matar sempre. O desejo contrário é irrelevante. Ele é como uma máquina.
Esta tese nos leva ainda a vários outros problemas, além de tornar o ser humano uma máquina sem desejos próprios e sem opções reais de escolha. Por exemplo: e se o homem tiver 50% de desejo por algo e 50% de desejo por outra coisa? E se ele estiver completamente dividido? A Bíblia fala de pessoas que tem a “mente dividida” (Tg.4:8). O que elas deveriam fazer? Para Edwards, não deveriam fazer nada. Deveriam fazer aquilo que o Exterminador fez – se autodesligar, por não suportar o paradoxo. Mas as pessoas sempre continuam tomando escolhas, ainda que estejam divididas.
Outro problema é que, por este prisma, nós nunca poderíamos agir diferente da forma que agimos. E se é totalmente impossível agir diferente de como agimos, então não há escolhas, não há oportunidades diferentes. Aparentemente, há escolhas que podemos tomar, mas, na verdade, nós nunca poderíamos ter optado por outra coisa a não ser por aquilo que de fato optamos. O livre-arbítrio permanece sendo uma ilusão, mesmo no prisma de Edwards. É como disse Reichenbach:
“Se tudo está determinado por condições causalmente antecedentes, aquilo que ela deseja depende dessas condições, não dela. E se tudo é decretado por Deus, não pode acontecer algo contrário aos Seus decretos. Assim, o livre-arbítrio dela para pedir, submeter-se, ficar contente, e desejar estar dentro da vontade de Deus é uma ilusão. Se Deus decretou que ela fique contente, ela só poderá estar contente; se Deus decretou que ela se submeta, não há outra escolha para ela senão a submissão (...) Dessa forma, o livre-arbítrio dela é uma ilusão”[230]
Seguir simplesmente o desejo não é algo que caracterize livre-arbítrio. Livre-arbítrio é ter capacidade de escolhas, é poder agir de uma forma ou de outra. Sem capacidade de escolha, não há livre-arbítrio. Agir somente de acordo com aquilo que deseja agir não é livre-arbítrio coisa nenhuma, ou senão os animais também possuiriam livre-arbítrio, pois eles não fazem outra coisa senão aquilo que querem fazer.
O que nos diferencia dos animais é que não temos apenas desejos, mas possuímos a capacidade de escolha. Escolhas reais, que determinam um futuro não-determinado no passado. É isso o que faz com que o homem seja realmente livre. O desejo, por si só, é irrelevante. Não faz alguém “livre”. Bruce Reichenbach diz que, “se Deus é quem determina, controla e dirige cada ação, nenhuma ação, então, poderá contrariar a determinação de Deus, e, por esta razão, as ações não são o resultado do livre-arbítrio do agente”[231].
Ele também diz:
“De acordo com o compatibilismo teísta de Feinberg, o meu desejar e o meu escolher devem ser decretados por Deus, desde que meus desejos e minhas escolhas são eventos. Dessa maneira, não existe um único exemplo em que eu desejo algo diferente daquilo que foi decretado por Deus. Se eu desejasse outra coisa que não o que foi decretado por Deus, esse mesmo desejo contrário teria sido decretado por Deus. Outra vez o livre-arbítrio torna-se uma noção vazia, visto não haver desejo independente do decreto de Deus”[232]
Outro problema para o “livre-arbítrio” compatibilista é que, segundo ele, Deus pode agir diferente de seus desejos, mas o homem não. Deus pode não desejar um estupro e ordená-lo assim mesmo, mas o homem só pode seguir aquilo que deseja. Se isso é verdade, então Deus seria livre e nós não. Consequentemente, o compatibilismo de Edwards permanece sendo uma ilusão.
O “livre-arbítrio” compatibilista de Edwards também não consegue se desvencilhar facilmente do pensamento de Calvino, onde Deus coage o homem, que é um mero autômato. Edwards diz que o homem é “persuadido”, ao invés de “coagido”, para poder resgatar algum senso de “liberdade” para indivíduos humanos. Mas isso é superficial, visto que a persuasão que Edwards se refere é irresistível, tendo a mesma aplicação prática da coerção.
Da mesma forma que na coerção, o homem nunca pode resistir aos “desejos” que Deus coloca. Geisler criticou isso quando disse que “não haverá base, segundo o conceito de Feinberg, para que Deus ‘garanta’ os resultados, sem forçar o ato livre”[233]. Ele também pergunta: “Como pode Deus garantir os resultados, decisivamente, sem forçar ou coagir o indivíduo? E se a pessoa rejeitar o impulso não-coercitivo proporcionado por Deus? E se ela decidir que não permitirá que esse novo desejo a domine?”[234]
Bruce Reichenbach resume a tentativa compatibilista do livre-arbítrio nas seguintes palavras:
“Em suma, o compatibilismo tenta reconciliar o determinismo com o livre-arbítrio – sem sucesso. Sob esse ângulo, o livre-arbítrio torna-se uma ilusão. De modo semelhante, a tentativa de reconciliar um determinismo divino de todos os eventos com o livre-arbítrio destina-se ao fracasso. Devemos abandonar a ideia segundo a qual Deus é visto como um romancista cósmico; Deus não procura determinar os eventos de nossa existência, mas amar-nos, numa aceitação livre de Sua graciosa salvação, e num relacionamento significativo, aprofundado e cheio de realizações”[235]
Mesmo no sistema compatibilista de Edwards, o homem permanece sem ser livre e Deus permanece sendo o responsável pelo pecado, visto que é ele que coloca o “desejo maior” no agente, e este não pode agir de forma contrária a este desejo. O “livre-arbítrio” fica reduzido a uma mera ilusão e não temos verdadeiras alternativas, nem escolhas reais. Continuamos sendo tão livres quanto uma pedra, e tão responsáveis quanto um robô.
• Textos Bíblicos
Acima de tudo, a visão compatibilista de Jonathan Edwards falha no principal: ela é completamente antibíblica. A Bíblia mostra, em várias diferentes ocasiões, seres humanos tomando decisões diferentes do “desejo mais forte”, ou fazendo aquilo que não desejam fazer. O próprio apóstolo Paulo disse:
“Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio. E, se faço o que não desejo, admito que a lei é boa. Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim. Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo. Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo” (Romanos 7:15-19)
No contexto da tentação, às vezes o desejo menos forte supera o desejo mais forte, como disse Paulo. Na verdade, se a teoria de Edwards estivesse certa, cristão nenhum pecaria nunca, pois o apóstolo disse que Deus nunca permite que sejamos tentados acima das nossas forças, do poder de resistir:
“Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel, e não permitirá que sejais tentado além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1ª Coríntios 12:13)
Se Paulo pensasse que o ser humano sempre segue o desejo mais forte, ele nunca poderia ter dito isso. É fato que crentes verdadeiros caem em tentações e pecam. Mas Paulo diz que Deus não permite que sejamos tentados além das nossas forças, e que podemos suportar todas as tentações. Se podemos suportar as tentações, é porque há uma chance de suportá-las. E, se há uma chance, então podemos seguir o desejo menos forte, senão crentes nunca cairiam em tentação.
Um exemplo: João é casado e está sendo seduzido por uma mulher adúltera. No calvinismo, se ele tem 60% de vontade de adulterar e 40% de vontade de ser fiel, ele irá adulterar e não há a mínima chance de que ele não adultere. Mas a Bíblia diz que Deus não permite que sejamos tentados além das nossas forças, e que podemos suportar todas as tentações. Isso significa, obviamente, que mesmo com 40% de desejo de ser fiel João poderia ser fiel e não adulterar. A tentação nunca ficou fora de controle. Ele sempre teve uma alternativa, sempre pôde escolher o contrário do que escolheu.
Sem considerar que uma pessoa possa seguir o desejo mais fraco, seria inexplicável como um cristão possa cair em qualquer tentação. Ele sempre teria que ter o desejo mais forte por não cair em todas as ocasiões, e, quando cair, é porque o desejo mais forte foi pelo pecado, que seria irresistível, pois ele não poderia ter agido em contrário, não poderia ter vencido a tentação. Isso entra em direto contraste com a evidência bíblica de que nunca a tentação está acima do nosso controle e que sempre podemos suportá-la, não importa o tamanho do desejo por ela.
Algo semelhante Paulo disse aos romanos:
“Quem vive segundo a carne tem a mente voltada para o que a carne deseja; mas quem, de acordo com o Espírito, tem a mente voltada para o que o Espírito deseja. A mentalidade da carne é morte, mas a mentalidade do Espírito é vida e paz; a mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à lei de Deus, nem pode fazê-lo. Quem é dominado pela carne não pode agradar a Deus. Entretanto, vocês não estão sob o domínio da carne, mas do Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vocês. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo” (Romanos 8:5-9)
Paulo disse que somos dominados pelo Espírito e que temos a mente voltada para o que o Espírito deseja. Ninguém em sã consciência crê que o Espírito Santo deseja o pecado. Mesmo assim, cristãos cheios do Espírito Santo também pecam. Isso só pode significar que nem sempre agimos conforme o desejo mais forte, senão sempre faríamos apenas aquilo que o Espírito Santo deseja, o que não incluiria pecado algum.
Paulo também insiste no fato de ter domínio próprio, que é o domínio sobre a própria vontade:
“Cada um saiba controlar o próprio corpo de maneira santa e honrosa, não com a paixão de desejo desenfreado, como os pagãos que desconhecem a Deus” (1ª Tessalonicenses 4:4-5)
“Contudo, o que se mantém firme no seu propósito e não é dominado por seus impulsos mas tem controle sobre sua própria vontade, e resolveu manter solteira sua filha, este também faz bem” (1ª Coríntios 7:37)
No compatibilismo calvinista, estes textos não fazem sentido. Nunca poderíamos resistir ao desejo mais forte, e quem coloca esses desejos mais fortes é Deus. Sendo assim, como poderíamos não ser dominados por estes impulsos? Como poderíamos controlar o nosso próprio corpo? Não haveria como. O que Deus determina, está determinado. O desejo mais forte que Deus coloca é irresistível. Não há como exercer controle ou domínio sobre estes desejos, de forma a não praticá-los. Isso bate de frente com o testemunho bíblico.
• Os decretos de Deus no indeterminismo
Este é o momento de expicarmos um pouco melhor a visão contrária a tudo isso que vimos no calvinismo, que é o indeterminismo arminiano. Primeiramente, é bom esclarecer, mais uma vez, que os indeterministas arminianos não creem que nada é determinado por Deus, e sim que nem tudo é determinado por ele. Desta forma, se há um único evento no Universo que não foi determinado por Deus e que foi autocausado por alguém, já teríamos que ser indeterministas.
Da mesma forma que o naturalista não pode abrir nenhuma exceção ao natural (senão deixaria de ser naturalista), o determinista não pode abrir exceções ao determinismo, senão deixaria de ser determinista, pois Deus não determinaria tudo. A visão arminiana do indeterminismo difere tanto da visão extremista dos deterministas calvinistas como também do outro extremo, o deísmo (ou mesmo o ateísmo). No ateísmo, Deus não existe. No deísmo, Deus existe mas não tem controle sobre a sua criação. No indeterminismo arminiano, Deus tem controle sobre tudo mas não determina tudo. E, no determinismo calvinista, Deus controla e determina tudo.
Desta forma, o indeterminismo arminiano é uma visão sóbria e equilibrada entre dois extremos errôneos, um que nega a soberania de Deus e outro que responsabiliza o Criador por todos os pecados do mundo, que seriam por ele determinados. No indeterminismo, Deus continua sendo soberano sem ser pecador. O homem continua sendo livre e responsável, tendo que prestar contas por atos autocausados, praticados de forma livre e voluntária.
O “acaso” absoluto, no sentido de algo acontecer sem ter sido previsto ou permitido, não existe. Tudo o que acontece, como diz Olson, “é, no mínimo, permitido por Deus, mas nem tudo o que acontece é positivamente desejado ou até mesmo tornado certo por Deus”[236].
Mas se o indeterminista crê que Deus determina algumas coisas, até que ponto podemos definir o que Deus determinou? Logicamente, ninguém pode perscrutar a mente de Deus para saber de tudo. Mas podemos biblicamente seguir certas diretrizes que nos mostram algumas coisas que Deus determinou antes do acontecimento. Dentre elas, Paulo inclui os lugares onde cada povo habitaria:
“De um só fez ele todos os povos, para que povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que deveriam habitar” (Atos 17:26)
Outra coisa que Deus decretou é que todas as pessoas que praticam atos pecaminosos de forma deliberada e voluntária merecem a morte:
“Embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles que as praticam” (Romanos 1:32)
O ímpio que peca, portanto, está predestinado à morte eterna, a não ser que se arrependa de seus maus caminhos e herde uma vida eterna com Deus, que é o que foi predeterminado a respeito dos justos. Deus fixou, desde antes da fundação do mundo, que os ímpios seriam justamente condenados e os justos seriam justamente salvos. Embora ele não determine as ações pecaminosas do ímpio, ele decretou que, se ele permanecer nelas e não se arrepender de seus pecados, perecerá eternamente. Isso é estar predestinado à perdição, a qual abordaremos melhor no próximo capítulo.
Em “O Outro Lado do Calvinismo”, Laurence Vance faz um estudo sobre todas as ocasiões onde o termo “decreto” ocorre na Bíblia, e descobriu:
“A palavra decreto ocorre quarenta e nove vezes em quarenta e oito versos, a palavra decretou ocorre cinco vezes em cinco versos, enquanto o plural decretos é usado duas vezes em dois versos. Todavia, dos cinqüenta e seis casos nos quais uma forma da palavra decreto é usada, somente oito vezes ela está relacionada a Deus”[237]
Ele ainda diz:
“O termo é usado mais em relação aos homens do que a Deus. No Velho Testamento, Ciro fez um decreto (Ed 5.13), Dario fez um decreto (Ed 6.1), Artaxerxes fez um decreto (Ed 7.21), Nabucodonosor fez um decreto (Dn 3.10), e Ester fez um decreto (Et 9.32). No Novo Testamento descobrimos que os Césares (Lc 2.1; At 17.7) e os apóstolos (At 16.4) fizeram decretos. Verificar os decretos de Deus envolve uma simples leitura da Bíblia, não uma teologia sistemática de Berkhof, Dabney, ou Hodge”[238]
De todos os decretos de Deus existentes na Escritura, ele enumera:
• A respeito da chuva (Jó 28:26). Deus “determinou a força do vento” (Jó 28:25) e “fez um decreto para a chuva e o caminho para a tempestade trovejante” (Jó 28:26).
• A respeito do mar (Jó 38:10; Pv.8:29). Deus “fixou os limites” (Jó 38:10) do mar e determinou suas fronteiras (Pv.8:29).
• A respeito de Jesus Cristo (Sl.2:7). Deus decretou que Jesus é Seu Filho e é gerado por Ele.
• A respeito dos céus (Sl.148:6). Deus estabeleceu os céus em seus lugares para sempre.
• A respeito de uma destruição (Is.10:22). Deus decretou que somente o remanescente de Israel se voltaria para Deus.
• A respeito da areia (Jr.5:22). Deus decretou que a areia seria um limite para o mar.
• A respeito de Nabucodonosor (Dn.4:24). Deus decretou que, em consequencia do orgulho deste rei, ele seria expulso do meio dos homens.
A primeira coisa que Vance observa é que não existe um único decreto, como creem os calvinistas, mas pelo menos sete deles. A Bíblia nunca fala “do decreto”, como dizia Calvino, mas de vários deles, em contextos diferentes e situações específicas. A segunda é que estes decretos são bem gerais. Eles estão muito longe de determinar cada ação e cada pensamento de cada indivíduo humano. A terceira coisa é que nem todos os decretos são incondicionais. Deus fez “da areia um limite para o mar, um decreto eterno que ele não pode ultrapassar” (Jr.5:22), mas os tsunamis são a prova de que esse decreto foi condicional a atitudes humanas que afetaram a própria natureza das coisas.
Em resumo, a posição calvinista é um salto às Escrituras. Elas nunca falam de um único decreto, e muito menos de um que inclua todas as coisas. O indeterminismo arminiano, longe de ser um deísmo ou uma forma de ateísmo, como crê Sproul, é uma visão equilibrada que respeita a soberania de Deus e ao mesmo tempo o livra de qualquer parte com o pecado, resgatando o amor de Deus, a liberdade e a responsabilidade humana. É uma visão que não cria decretos extra-bíblicos e que respeita a razão, a lógica e as Escrituras.
• O indeterminismo pelos arminianos
Para que fique claro o posicionamento arminiano sobre o indeterminismo a fim de que ele não seja grosseiramente deturpado, como muitos fazem, iremos passar algumas citações de arminianos clássicos, em uma visão cristã equilibrada sobre o tema. Começando por Armínio, que escreve:
“Deus não negou nem retirou qualquer coisa que fosse necessária para evitar este pecado e o cumprimento da lei, mas Ele o havia dotado (Adão) de maneira suficiente com todas as coisas indispensáveis para este fim e o preservou após ele ter, desta maneira, sido equipado”[239]
Para Armínio, o homem não pecou porque isso havia sido decretado a respeito dele, mas por sua própria culpa. Adão realmente teve uma escolha: ele poderia pecar ou não pecar. Deus não retirou a graça de modo que Adão não se via com outra escolha a não ser pecar. Para Armínio, o homem, “por seu próprio erro, destruiu a si mesmo”[240].
É por isso que William Witt enfatiza que “a maior preocupação de Armínio era fazer de Deus o autor do pecado”[241], e Olson comenta que, “contrário à opinião popular, Armínio não começou com o livre-arbítrio e chegou até a eleição condicional ou graça resistível. Antes, seu impulso teológico básico é absoluto: compromisso com a bondade de Deus”[242]. A crença no livre-arbítrio foi a consequência, e não a causa. A causa do arminianismo é a ênfase no amor de Deus, tão limitado e por vezes abandonado pelos calvinistas.
John Wesley, que também era indeterminista, afirmava tão enfaticamente a soberania de Deus que disse:
“Se você não acredita que o Governador do mundo governa todas as coisas nele, pequenas e grandes; o fogo e o granizo; a neve e o vapor, vento e tempestade, e que cumpra sua palavra; que ele rege reinos e cidades, frotas e exércitos, e todos os indivíduos dos quais estão compostos (e, entretanto, sem forçar as vontades dos homens ou tornar necessárias quaisquer de suas ações); não simule acreditar que ele governa coisa alguma”[243]
Roger Olson, um dos arminianos mais esclarecidos de nossos tempos, afirmou que “Deus conhece tudo de antemão, mas não age sozinho na história. A história é resultante tanto da agência divina quanto da humana”[244]. Sobre as ações autocausadas pelo ser humano, ele explica:
“Quando um agente (um humano ou Deus) age livremente no sentido libertário, nada fora do ser (incluindo realidades físicas dentro do corpo) causa a ação; o intelecto ou caráter sozinho domina a vontade e a faz ir para um ou outro lado”[245]
Ele ainda evita cair no extremo do deísmo ou do teísmo aberto onde se nega a soberania de Deus sobre todos os acontecimentos, dizendo:
“Os seguidores fieis de Armínio sempre creram que Deus governa todo o universo e toda a história. Nada, de jeito algum, pode acontecer sem a permissão de Deus, e muitas coisas são específica e diretamente controladas e causadas por Deus. Até mesmo o pecado e o mal não escapam do governo providencial na teologia arminiana clássica. Deus permite e os limita sem desejar ou causá-los”[246]
“Os verdadeiros arminianos sempre acreditaram que Deus ordena e até mesmo controla muitas coisas na história; eles afirmam a liberdade e onipotência de Deus. Se Deus escolhesse controlar cada decisão e ação humana, ele o faria. Em vez disso, o motivo real pelo qual os arminianos rejeitam o controle divino de toda escolha e ação humana é que isto faria de Deus o autor do pecado e do mal”[247]
Sobre a Queda de Adão, ele diz:
“A Queda não foi preordenada por Deus para algum propósito secreto. Os arminianos clássicos acreditam que Deus conhece todas as coisas de antemão, incluindo todo evento do mal, mas rejeitam qualquer noção de que Deus fornece ‘impulsos secretos’ que controlam até mesmo as ações de criaturas malignas (angélicas ou humanas)”[248]
Bruce Reichenbach também enfatiza:
“Às vezes, Ele age diretamente. Há ocasiões em que Deus age de modo direto a fim de alterar o curso da natureza e, assim, beneficiar o homem, ou atingir Seus propósitos. Entretanto, esta não pode ser a maneira normal da operação divina, visto que, do contrário, seria eliminada a relevante liberdade moral com que Deus nos dotou”[249]
E Ed René Kivitz diz:
“Os cristãos não cremos em destino. Os cristãos acreditamos que Deus tem propósitos para a história humana, mas não tem tudo determinado, como se a humanidade fosse um conjunto de bonecos iludidos, acreditando que são responsáveis por suas histórias, mas na verdade são manipulados pelos dedos de Deus que determinam suas decisões”[250]
“É fato que Deus está presente e agindo em todas as situações da vida de todas as pessoas, e que nada acontece sem que Deus permita. Mas isso não significa que Deus é a causa de tudo o que acontece. Permitir é diferente de fazer acontecer”[251]
Em síntese, deve ter ficado claro o que os arminianos clássicos entendem por indeterminismo. Isso não quer dizer que Deus não determine algumas coisas, ou que ele não tenha tudo sob controle. Isso de modo nenhum significa que Deus não é soberano, ou que alguma coisa aconteça sem que Deus saiba e permita.
Arminianos clássicos entendem que, se Deus quisesse, poderia determinar cada ação humana, pois ele é onipotente e pode fazer o que quiser, desde que esteja de acordo com a moralidade e a lógica[252]. Mas ele não quis determinar tudo, pois apenas assim o homem poderia ser livre e responsável, onde todo o pecado ficaria na conta do homem e onde nós podemos buscar um relacionamento sincero e genuíno com Deus, ao invés de um amor forçado, que é contradição de termos.
• O teísmo aberto é necessário?
Um argumento sofista bastante utilizado por calvinistas na tentativa de impor seu determinismo pela lógica é que, se Deus conhece todo o futuro, então o futuro terá que acontecer necessariamente, e, portanto, os atos humanos não são livres, mas já estão estabelecidos. Infelizmente, alguns teólogos arminianos caíram nesta ideia e deixaram o arminianismo clássico para seguirem aquilo que alguns tem chamado de “neoarminianismo”, que nega a presciência de Deus.
O nome mais conhecido deste movimento é “teísmo aberto”, que seria uma forma de expressar que o futuro não está aberto somente para nós, mas também para Deus. Para eles, somente assim o homem seria realmente livre, e, portanto, o teísmo aberto seria necessário para dar consistência ao arminianismo. Entre seus principais proponentes, podemos citar Richard Rice, Clark Pinnock e John Sanders. Pinnock, por exemplo, escreveu:
“Se Deus vê todo o futuro, este, então, é fixo, imutável, e estamos errados em crer que temos a liberdade de escolher um ou outro caminho. Deus já sabe o que Reichenbach fará com seu pedaço de doce. Assim, o futuro não é como ele pensa, um reino de possibilidades abertas no qual ele pode, mediante sua liberdade, determinar a verdade. Esta não pode aparecer de jeito diferente daquele em que Deus, desde a eternidade, sabe infalivelmente como será. Reichenbach só pode escolher a prática daquelas ações que Deus sempre soube que ele haveria de praticar. Portanto, ele não pode agir de modo diferente daquele a que está destinado”[253]
Richard Rice formaliza o argumento dos teístas abertos da seguinte maneira:
“Apesar de as afirmações de que a presciência absoluta não elimina a liberdade, a intuição nos diz o contrário. Se a presciência de Deus é infalível, então o que Ele vê não pode deixar de acontecer. Isto significa que o curso dos eventos futuros está fixo, seja lá como expliquemos o que realmente os causa. E, se o futuro é inevitável, então as aparentes experiências de livre escolha são apenas uma ilusão”[254]
Calvinistas tem usado isso contra os arminianos clássicos, na tentativa de afirmar que somente teístas abertos são arminianos consistentes, e que o arminianismo leva ao teísmo aberto. Em resposta a isso, devemos observar, em primeiro lugar, que nunca o fato de certa posição doutrinária ter uma vertente mais extremada implica em que a doutrina central esteja corrompida. Os próprios calvinistas costumam criticar os chamados “hipercalvinistas”, por serem uma ala mais radical ao calvinismo histórico. Portanto, o fato de haver uma vertente mais extrema no arminianismo não corrompe o arminianismo histórico, da mesma forma que uma ala mais extrema no calvinismo não corrompe o calvinismo histórico.
Em segundo lugar, os teístas abertos (e os calvinistas que sustentam que ele é necessário para dar consistência ao autodeterminismo arminiano) pecam gravemente ao fazerem uso da lógica, pois eles a invertem. Não é a presciência de Deus que determina os atos humanos; são os atos humanos que determinam o que Deus previu. Ao inverterem a lógica, os teístas abertos fazem parecer que o conhecimento de Deus é causativo, quando, na verdade, a causa provém dos homens, e não do conhecimento de Deus.
Como diz Reichenbach, “argumentar nesta linha é confundir a ordem das causas (que é que faz acontecer um fato) com a ordem do conhecimento (a base sobre a qual chegamos a saber algo)”[255]. Em outras palavras, Deus sabia que dois avisões atingiriam as Torres Gêmeas em 11 de Setembro de 2001, mas ele não causou ou determinou este acontecimento, ele meramente o anteviu. O que causou foi, de fato, os seres humanos que colocaram os avisões contra os prédios. Deus conhece o futuro sem causar o futuro.
Olson diz:
“Deus conhece previamente porque algo vai acontecer; ele não conhece previamente porque ele preordena. Em outras palavras, de acordo com a Escritura, tradição e a razão, o pecado de Adão é o que fez com que Deus o conhecesse”[256]
A presciência de Deus quanto aos eventos futuros é semelhante ao conhecimento que possuímos do passado. Eu sei que Rogério Ceni fez uma defesa antológica – quase um milagre – no chute de Steven Gerrard pela final do Mundial de 2005. Este fato está fixo e nunca mudará. Em outras palavras, ele está determinado para sempre. Por mais que eu rebobine a fita ou volte o replay, ele irá sempre executar a mesma defesa. Mas o fato de eu conhecer este acontecimento não significa que eu o causei. O meu conhecimento do passado não tem qualquer ligação com eu ter determinado estes eventos que já ocorreram. O que determinou os eventos foram os atos livres dos jogadores.
Com Deus é a mesma coisa, exceto que, por ser eterno, ele não tem conhecimento apenas do passado, como nós temos, mas também do futuro. Mas, assim como o conhecimento que nós temos do passado não nos torna causadores dos eventos que ocorreram, assim também é com o conhecimento de Deus quanto ao futuro. O conhecimento prévio de Deus depende dos atos humanos, e não o contrário.
Eu não estou escrevendo esta página exatamente às 22:00 de 14 de Março de 2014 porque Deus determinou que eu a escrevesse neste dia e horário. Eu escrevi neste horário porque quis escrever neste horário. Mesmo que eu decidisse escrever daqui um ano ou que nunca escrevesse, Deus teria este conhecimento prévio não-causativo. Não é a presciência de Deus que fez com que eu escrevesse neste horário, mas o fato de eu escrever neste horário foi previsto por Deus. Eu sempre estive livre para agir de forma diferente, caso quisesse.
Ninguém fala melhor sobre isso do que Robert Picirilli. Em um artigo sobre o teísmo aberto, ele diz:
“Certeza não contradiz contingência. A presciência de Deus de atos futuros não é a causa destes fatos, da mesma forma que o nosso conhecimento de atos no passado não é a causa destes. Apesar de Deus conhecer o futuro de antemão, Seu conhecimento destes fatos futuros flui dos próprios fatos. Mesmo se Deus não conhecesse o futuro, ainda assim ele seria certo! Uma pessoa que crê na liberdade libertária não precisa tomar o passo que tomam os teístas abertos para negar a presciência exaustiva de Deus”[257]
Em outras palavras, “o que será, será” ainda que Deus não exista. Da mesma forma que alguma coisa ocorreu no passado e este passado é imutável (o que foi, foi), igualmente alguma coisa irá acontecer no futuro e isso que irá acontecer acontecerá, e ninguém poderá mudar o que ocorrerá. Que há um futuro que irá acontecer, isso é fato, Deus existindo ou não, determinando ou não. O ponto de disputa é o que causará estes eventos que irão ocorrer.
Arminianos clássicos creem que o que determinará o futuro será as ações dos seres humanos – que foram meramente previstas por Deus, e não causadas por Ele – enquanto calvinistas creem que o que determinará o futuro será aquilo que já foi determinado por Deus no passado. Então, enquanto os teístas abertos creem que a presciência de Deus me levou a cometer um ato, os arminianos clássicos creem que foi o meu ato livre que fez com que Deus soubesse daquilo. Em outras palavras, Deus conhece porque o homem fará, e não o homem fará porque Deus conhece.
Robert Picirilli aborda isso nas seguintes palavras:
“Eu sei que o Rocky Marciano se aposentou dos ringues como campeão invicto dos pesos pesados. Posso então dizer que ele não poderia ter perdido alguma de suas lutas, pois, senão, isto tornaria o meu conhecimento errôneo? Obviamente que não; se ele tivesse perdido alguma luta, eu não teria o conhecimento de que ele se aposentou invicto. Então também não podemos dizer que Deus não poderia ter evitado o Holocausto porque, para fazê-lo, seria tornar a Sua presciência errônea. Mais uma vez, conhecimento − até mesmo a presciência de Deus − flui dos fatos e não vice-versa”[258]
John Wesley também cria assim. Embora o teísmo aberto não existisse em seus tempos, ele praticamente se antecipou a esta argumentação e disse:
“Nós não devemos pensar que eles existem, porque Ele os conhece. Não: Ele os conhece, porque eles existem. Justamente como eu sei que o sol brilha: ainda assim, o sol não brilha porque eu o conheço, mas eu sei disto, porque ele brilha. Meu conhecimento supõe que o sol brilhe, mas de maneira alguma causa isto. De igual maneira, Deus sabe que aquele homem peca, porque ele conhece todas as coisas. Ainda assim, nós não pecamos porque ele sabe disto, mas ele sabe disto, porque nós pecamos; e seu conhecimento supõe nosso pecado; mas, de maneira alguma, é a sua causa”[259]
Bruce Reichenbach segue na mesma linha e diz:
“Deus sabe os fatos, e o que Ele sabe é aquilo que efetivamente as pessoas fazem. Entretanto, este conhecimento não determina as ações que praticamos. Esse conhecimento baseia-se nas próprias ações. Dessa forma o futuro, como diz Feinberg, está ‘estabelecido’, contudo, não de maneira trivial: faremos aquilo que Deus sabe que faremos, o que significa que faremos aquilo que realmente faremos. Entretanto, isso ainda nos deixa perfeitamente livres (no sentido indeterminista) para fazer ou não fazer”[260]
Ele também acrescenta:
“Na verdade, a presciência depende do acontecimento, e não vice-versa. Por exemplo, Deus crê que eu escrevo esta sentença porque é verdade que eu a escrevo. É verdade que eu a escrevo por causa do fato que eu a escrevo. Num sentido trivial, é verdade que se Deus crê que eu a escreverei, então eu a escreverei mesmo. Contudo, o conhecimento de Deus não causa o fato de eu escrever. Ao invés disso, o fato de eu escrever, faz com que seja verdadeira a crença de Deus em que eu escreverei. Em suma, devemos ter cuidado para não confundir as condições que provêem a base de nosso conhecimento daquilo que acontece, com as condições que causam o fato vir a acontecer. Saber que algo é verdade não faz com que o evento aconteça”[261]
A conclusão disso, como diz Stephen Charnock, é que, “assim, o ser humano tem o poder de agir diferente do que Deus pré-conhece. Adão não foi obrigado a cair por alguma necessidade interior, e ninguém é, por qualquer necessidade interior, forçado a cometer este ou aquele pecado particular; mas Deus previu que ele cairia, e que cairia livremente”[262]. Isso nos ajuda a dirimir alguns “dilemas” da Bíblia. Por exemplo: Judas traiu Jesus livremente ou ele foi forçado a isso? Se estava profetizado que um discípulo iria traí-lo, Judas poderia não trair Jesus?
Aparentemente, Judas não poderia não trair Jesus. Mas quando pensamos dentro do prisma da presciência não-causativa de Deus, vemos que Deus previu, desde a eternidade, que Judas trairia Jesus livremente, por livre e espontânea vontade. Judas poderia não ter traído Jesus, mas Deus sabia que ele pecaria livremente, ou seja, que ele escolheria trair. O ato livre e a decisão espontânea que Judas tomou foram previstos por Deus, de modo que a tradição pôde ser profetizada e depois cumprida.
Então, temos o seguinte quadro:
• Judas é um homem livre. Ele pode escolher trair ou não trair Jesus.
• Judas livremente decide que vai trair Jesus.
• Deus antevê, por sua presciência, que Judas trairia, porque Judas, no futuro, decidiu isso livremente.
• Então, Deus profetiza desde o passado que um dos discípulos trairia Jesus, e o próprio Jesus confirma isso.
Como vemos, o ato de Judas foi autodeterminado, e não determinado por Deus. O fato de Deus prever o evento não o torna o causador do evento. De fato, Deus poderia determinar tudo e prever aquilo que determinou, da mesma forma que poderia deixar que os homens determinassem suas próprias decisões que ele, por sua presciência, as conheceria de antemão. A presciência de Deus, embora infalível, não é causativa. O que causa as ações são as decisões humanas; Deus meramente as conhece e sabe aquilo que os homens irão optar livremente.
Norman Geisler fala sobre outro “dilema” bíblico:
“Paulo assegura de antemão aos seus companheiros de viagem que ‘nenhum de vocês perderá a vida; apenas o navio será destruído’ (v. 22). Todavia, uns poucos versículos adiante ele os adverte: ‘Se estes homens não ficarem no navio, vocês não poderão salvar-se’ (v. 31). As duas coisas são verdadeiras. Deus sabia de antemão e tinha revelado a Paulo que ninguém se perderia (cf. v. 23), mas também sabia que seria por meio da livre-escolha de permanecer no navio que isso seria cumprido”[263]
Até mesmo o que dissemos anteriormente sobre o dia da volta de Jesus entra neste prisma. O dilúvio veio quando Noé terminou de construir a arca. Se Noé demorasse menos para construir a arca, o dilúvio viria antes. Se demorasse mais, o dilúvio teria vindo depois. Embora Deus já soubesse o dia em que Noé iria terminar a arca e que ocorreria o dilúvio, ele soube desde dia em função dos atos livres de Noé, e não o contrário. Ele não determinou que Noé iria acabar no dia ”x”. Ele soube que Noé iria acabar no dia “x”.
Desta forma, o dia está condicionado às ações humanas, embora Deus já saiba das ações humanas e, portanto, do dia. A mesma coisa se aplica à volta de Jesus. Como já vimos, Pedro nos disse que podemos apressar a vinda de Cristo. Embora Deus já saiba qual será este dia, ele não o determinou de forma independente das ações humanas. São as ações humanas (neste caso, o evangelismo em escala global) que podem apressar ou retardar este dia.
Compreender a presciência de Deus e o livre-arbítrio do homem é essencial para entendemos melhor o mundo que nos rodeia e para solucionarmos os “dilemas” bíblicos. Invertendo a lógica e concedendo causalidade à presciência, realmente o homem não seria livre. Mas ele é livre desde que são os seus atos que determinam a presciência de Deus, e não a presciência que determina quais serão os atos.
Seja lá o que o homem fizer, Deus sabe. E o homem poderia agir diferente, e, neste caso, Deus saberia também. Deus sabe sem causar; ele sabe porque o homem fará, não o contrário. Os atos humanos são autocausados e conhecidos por Deus, e não conhecidos e determinados por Deus. Entendendo isso, perde-se totalmente a necessidade de aderir ao teísmo aberto, e o arminianismo clássico permanece sendo um arminianismo consistente.
• Considerações Finais
Vimos que o indeterminismo arminiano é a posição mais lógica, racional e bíblica, uma posição equilibrada entre o extremo deísta de um lado, onde Deus não é soberano, e o extremo calvinista do outro, onde Deus determina o pecado e ordena o mal. Também é um meio-termo equilibrado entre o teísmo aberto, onde Deus não conhece os eventos futuros nem os determina, e o calvinismo, onde Deus conhece tudo e determina tudo. O indeterminismo é a única forma de dar algum sentido à vida, onde seres são criados livres e responsáveis pelos seus próprios atos autocausados.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli.
[1] Disponível em: <http://deusamouomundo.com/calvinismo/>
[2] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 195-196.
[3] W. E. Best, God’s Decree, p. 6.
[4] Institutas,1.16.9.
[5] Institutas,1.16.3.
[6] Institutas,1.16.3.
[7] Institutas,2.4.6.
[8] Institutas,1.16.8.
[9] Institutas,1.16.3.
[10] Institutas,1.16.2.
[11] Institutas,1.16.5.
[12] Institutas,1.16.7.
[13] Institutas,1.16.5.
[14] Institutas,1.17.11.
[15] Institutas,1.16.8.
[16] Institutas,1.16.6.
[17] Institutas,1.16.4.
[18] Institutas,1.16.4.
[19] Institutas, 1.16.2.
[20] Institutas, 3.4.24.
[21] Institutas,1.16.8.
[22] Institutas,1.17.8.
[23] Institutas,1.16.5.
[24] Refiro-me a Bill Gates, que, no momento, é o mais rico do mundo. Não sei quem vai ser o mais rico daqui a dez anos – pode até ser um crente, o que não significa nada.
[25] É óbvio que eu não estou dizendo que Deus não possa ocasionalmente abençoar ou amaldiçoar alguém, mas sim que não é todo bom acontecimento uma bênção singular de Deus, nem todo mal acontecimento uma maldição singular de Deus, como cria Calvino em função de sua visão determinista do mundo.
[26] Institutas,1.16.9.
[27] Institutas, 3.23.9.
[28] Institutas, 1.18.
[29] Institutas, 1.18.2.
[30] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 116.
[31] Institutas,2.4.3.
[32] Institutas,2.4.4.
[33] Institutas, 3.23.8.
[34] Institutas,1.17.5.
[35] Institutas, 1.17.8.
[36] Institutas, 3.23.7.
[37] Institutas, 3.23.4.
[38] Institutas, 3.23.8.
[39] Institutas, 3.23.7.
[40] Institutas, 3.22.11.
[41] Institutas,1.17.5.
[42] Institutas, 3.23.8.
[43] DURANT, Will. The Reformation (New York: Simon and Schuster, 1957), p. 490.
[44] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 16-17.
[45] Breve Catecismo de Westminster.
[46] Arthur W. Pink, Gleanings in Joshua (Chicago: Moody Press, 1964), p. 338.
[47] Arthur W. Pink, Gleanings in Exodus (Chicago: Moody Press, 1981), p. 78.
[48] (David S. West, “The Baptist Examiner Forum II”, The Baptist Examiner, 18 de março de 1989, p. 5.
[49] GILL, John. Divinity, p. 174.
[50] Philip Melanchthon, citado em Boettner, Predestination, p. 15.
[51] Institutas, 3.3.14.
[52] WESLEY, John, in OLDEN, Thomas. John Wesley’s Scriptural Christianity, p. 253.
[53] WESLEY, John. Graça Livre, XVII.
[54] Iremos ver mais adiante se soberania é sinônimo de determinismo.
[55] Franciscus Gomarus, citado em A. H. Newman, A Manual of Church History (Valley Forge: Judson Press, 1933), vol. 2, p. 339.
[56] GILL, John. Divinity, p. 319.
[57] Peter Y. de Jong, Crisis in the Reformed Churches (Reformed Fellowship, Inc.), p. 148.
[58] PALMER, Edwin H. The Five Points of Calvinism. Grand Rapids: Backer, 1872. p. 85.
[59] FEINBERG, John Samuel. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 56.
[60] Arthur W. Pink, Sovereignty, p. 249.
[61] Arthur W. Pink, Sovereignty, p. 147.
[62] J. Gresham Machen, Man, p. 46.
[63] Henry Atherton, Introdução a Jerom Zanchius, The Doctrine of Absolute Predestination (Grand Rapids: Baker Book House), p. 88.
[64] FEINBERG, John Samuel. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 58.
[65] FEINBERG, John Samuel. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 57.
[66] FEINBERG, John Samuel. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 60.
[67] Vicent Cheung, Autor do Pecado, p. 15.
[68] Ulrich Zwínglio, “On the Providence of God – Sobre a Providência de Deus”, The Latin Works of Huldreich Zwingli (Philadelphia: Heidelberg Press, 1922), II:203-204.
[69] Ulrich Zwingli, On Providence and Other Essays, eds. Samuel Jackson and William John Hinke (Durham, NC: Labyrinth, 1983), 157.
[70] PALMER, Edwin H. The Five Points of Calvinism. Grand Rapids: Backer, 1872. p. 101.
[71] Boettner, Predestination, p. 234.
[72] Loraine Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p. 24.
[73] John Piscator, citado em Newman, A. H. Newman, A Manual of Church History (Valley Forge: Judson Press, 1933), vol. 2, p. 338.
[74] Edwin H. Palmer, The Five Points of Calvinism, ed. amp. (Grand Rapids: Baker Book House, 1980), p. 82.
[75] PIPER, John, “Are There Two Wills in God,” in Still Sovereign: Contemporary Perspectives on Election. Foreknowledge, and Grace, eds., Thomas R. Schreiner and Bruce Ware (Grand Rapids: Baker, 2000), p. 123.
[76] PIPER, John, “Are There Two Wills in God,” in Still Sovereign: Contemporary Perspectives on Election. Foreknowledge, and Grace, eds., Thomas R. Schreiner and Bruce Ware (Grand Rapids: Baker, 2000), p. 109.
[77] John Piper, “God’s God-centeredness,” sermão pregado na Passion conference (Nashville, TN; Jan. 2 - 5, 2005.
[78] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 34.
[79] Edwin H. Palmer, The Five Points of Calvinism, p. 24-5.
[80] SHEDD, William. Calvinism, p. 31.
[81] SHEDD, William. Calvinism, p. 31.
[82] EDWARDS, Jonathan. Freedom of the Will, 411 – 12.
[83] Teodoro de Beza, vol. I, fl. 417.
[84] PALMER, Edwin. The Five Points of Calvinism, p. 107.
[85] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 182-183.
[86] Arthur W. Pink, The Sovereignty of God, p. 162.
[87] FEINBERG, John Samuel. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 59-60.
[88] Sobre a diferença entre o sofrimento e o mal moral, recomendo uma análise no apêndice 2 de meu livro: “As Provas da Existência de Deus”, onde eu abordo o problema do mal.
[89] Como foi mostrado em meu livro “A Verdade sobre o Inferno”, a Bíblia não ensina um tormento eterno dos ímpios, e sim um castigo correspondente aos pecados de cada um (Lc.12:47,48), tendo por fim a morte. Mas isso não muda o fato de que há sofrimento durante o tempo que eles estão ali, ainda que seja um sofrimento justo e não desproporcional.
[90] ARMINIUS, “An Examination of the Theses of Dr. Franciscus Gomarus Respecting Predestination”, Works. v. 3, p. 602.
[91] ARMINIUS, “A Declaration of Sentiments”, Works. v. 1, p. 630.
[92] ARMINIUS, “A Declaration of Sentiments”, Works. v. 1, p. 623, 630.
[93] ARMINIUS, “Nine Questions”, Works. v. 2, p. 65.
[94] WESLEY, John. Graça Livre, XXIII.
[95] Susanna Wesley, citado em A. W. Harrison, Arminianism (Londres: Duckworth, 1937), p. 189.
[96] David Bentley Hart, The Doors of the Sea: Where Was God in the Tsunami? (Grand Rapids: Eerdmans, 2005) p. 99.
[97] MILEY, John. Systematic Theology. 1983, reimpressão. Peabody, Mass.: Hendrickson, 1989, v. 1, p. 330.
[98] MILEY, John. Systematic Theology. 1983, reimpressão. Peabody, Mass.: Hendrickson, 1989, v. 1, p. 329.
[99] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[100] EPISCÓPIO, Simão. Confession of Faith of Those Called Arminians. London: Hean e Bible, 1684, p. 110.
[101] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 78.
[102] GEISLER, Norman. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 97.
[103] WALLS, Jerry. “The Free Will Defense, Calvinism, Wesley, and The Goodness of God”, Christian Scholar’s Review, n. 13, v. 1, 1983, p. 28.
[104] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 35.
[105] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 35.
[106] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 139-140.
[107] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 155.
[108] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 134.
[109] WESLEY, John. Graça Livre, XVI.
[110] Temos que lembrar mais uma vez que, para Calvino e os calvinistas posteriores, a própria vontade do homem provém de Deus, e não do próprio homem. No calvinismo, não existem atos autocausados, e sim atos causados por um agente externo (Deus), que influencia na vontade do homem, que não tem real opção de escolha senão o que Deus quer que ele escolha. Sendo assim, Deus seria o responsável tanto por tentar (i.e, inclinar a vontade) como também por concretizar (determinar) esse pecado, como resultado da tentação. É algo obviamente completamente oposto ao sentido do texto que Tiago nos passa.
[111] Em Isaías, Deus diz: “Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!" (Is.5:20).
[112] LIMBORCH, Philip. A Complete System, or, Bordy of Divinity, trad. William James. London: John Darby, 1713. p. 372.
[113] De acordo com a Concordância de Strong, 7451.
[114] GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.
[115] WESLEY, John. “Free Grace”, Works. v. 3, Sermão 3, p. 552.
[116] Institutas, 3.23.2.
[117] PINK, Arthur W. The Satisfaction of Christ (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1955), p. 20.
[118] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 143.
[119] HELM, Paul. A providência de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 149.
[120] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 96.
[121] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 146.
[122] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 120.
[123] Andrey Moore, citado em Alan P. F. Sell, The Great Debate (Grand Rapids: Baker Book House, 1982), p. 21.
[124] John H. Gerstner, Free Will, p. 1.
[125] John H. Gerstner, Free Will, p. 1.
[126] John H. Gerstner, Free Will, p. 6.
[127] Institutas,2.4.7.
[128] Institutas,2.5.14.
[129] SPURGEON, Charles H. Free Will – A Slave (Canton: Free Grace Publications, 1977), p. 3.
[130] SPURGEON, Charles H. Free Will, p. 3.
[131] David O. Wilmoth, em “The Baptist Examiner Forum II,” The Baptist Examiner, 16 de setembro de 1989, p. 5.
[132] Tom Ross, Abandoned Truth, p. 56.
[133] W. E. Best, Free Grace Versus Free Will (Houston: W. E. Best Book Missionary Trust, 1977), p. 35.
[134] Boettner, Predestination, p. 221.
[135] John H. Gerstner, A Primer on Free Will (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1982), p. 10.
[136] Institutas,1.13.14.
[137] Institutas,1.15.8.
[138] Iremos analisar mais adiante neste livro os argumentos dos calvinistas moderados que alegam que o homem possua uma forma de livre-arbítrio compatibilista, tentando conciliar o determinismo divino com o livre-arbítrio humano.
[139] Gordon H. Clark, Evangelism, p. 58.
[140] Gordon troca o nome “determinismo” por “soberania”, para parecer mais bíblico. Sobre o truque calvinista de igualar determinismo com soberania, iremos analisar alguns tópicos adiante.
[141] MILEY, John. Systematic Theology. Peabody, Mass.: Hendrickson, 1989. v. 1, p. 204-205.
[142] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 182.
[143] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[144] C. S. Lewis, The Great Divorce, p. 69.
[145] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 79.
[146] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 182.
[147] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 34.
[148] C. S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples (ABU Editora S/C, 1979), p. 26.
[149] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 138.
[150] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[151] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 133.
[152] Lemke, "A Biblical and Theological Critique of Irresistible Grace”, in Whosoever Will: A Biblical-Theological Critique of Five-Point Calvinism, ed. David L. Allen and Steve W. Lemke (Nashville, TN: Broadman & Holman, 2010), p. 120.
[153]Eu sei que o termo “a vontade do homem prevaleceu” pode causar revolta por parte dos calvinistas, pois de certa forma pode passar a ideia de uma queda de braço entre Deus e o homem, onde o homem faz mais força e vence. É óbvio que essa não é a ideia que estou passando aqui. Assim como Jacó “lutou com Deus e prevaleceu” (Gn.32:28), mas isso só aconteceu porque Deus se deixou prevalecer, da mesma forma o homem pode resistir a Deus porque é o próprio Deus que se deixa ser resistido. Ele oferece e convida o homem a aceitá-lo, mas não de uma forma coercitiva. Ele respeita a liberdade humana de tal forma que se permite ser resistido, assim como quando um lutador de artes marciais pede a mão de sua mulher amada em casamento, mas se é rejeitado aceita essa rejeição por amor a ela e respeitando a liberdade dela, ao invés de obrigá-la a aceitá-lo ou de fazer uso da força, o que ele poderia fazer caso quisesse.
[154] Concordância de Strong, 1596.
[155] É verdade que em alguns casos a iniciativa parte de Deus, e não do homem, como quando em certa ocasião Paulo diz que “Deus pôs no coração de Tito o mesmo cuidado que tenho por vocês” (2Co.8:16). Em resposta a isso, é necessário reafirmar que nenhum arminiano indeterminista crê que a iniciativa parte sempre do ser humano. Nem todos os atos são autocausados, mas muitos atos o são. Arminianos não negam que certas coisas são externamente determinadas. Em segundo lugar, quando o texto diz que “Deus pôs”, se refere à vontade, que, à luz da Bíblia, trata-se de uma oferta que pode ser aceita ou rejeitada livremente pelo ser humano, e não uma vontade irresistível (cf. Lc.7:30; Mt.23:37). Assim sendo, mesmo nas vezes em que Deus coloca uma vontade no coração do homem, ao invés da vontade humana ser autocausada, isso não implica em um ato autocausado, a não ser que o texto diga que Deus não apenas colocou a vontade, mas também a colocou de modo irresistível. Iremos estudar mais sobre isso no tópico que trataremos sobre o pensamento compatibilista de Jonathan Edwards.
[156] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[157] As primícias eram os “primeiros frutos”, os mais importantes. O verso 4 diz que Abel ofereceu “as partes gordas das primeiras crias do seu rebanho”, ou seja, aquilo que ele tinha de melhor. Caim, por sua vez, apenas “trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor”, não a mais importante, mas uma qualquer. É por isso que Deus aceitou a oferta de Abel, que colocou Deus em primeiro lugar, e rejeitou a de Caim, que colocou Deus em segundo plano.
[158] Iremos abordar o determinismo moderado de Edwards alguns tópicos adiante.
[159] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 78.
[160] Há duas palavras gregas comumente traduzidas por “soberano” no Novo Testamento. Uma é dunastes, que, de acordo com a Concordância de Strong, significa: “príncipe, potentado; cortesão, alto oficial, ministro real de grande autoridade” (1414), e a outra é despotes, que significa: “mestre, Senhor” (1203). É digno de nota que não há nenhum léxico que inclua determinar cada ação como um sinônimo ou mesmo um atributo necessário para essa soberania. São coisas diferentes. Ser soberano é ser senhor sobre tudo, é ter controle e domínio sobre todas as coisas; determinismo, por outro lado, é determinar cada ato do indivíduo, o que vai muito além do conceito básico de soberania.
[161] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 67.
[162] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 172.
[163] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 150.
[164] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 113.
[165] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 135.
[166] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 136.
[167] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 78.
[168] SUMMERS, Thomas O. Systematic Theology. Nashville: Publishing House of the Methodist Episcopal Church, South, 1888, v. 2, p. 68.
[169] John Wesley, citado em Arthur S. Wood, “The Contribution of John Wesley to the Theology of Grace”, p. 211.
[170] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 132.
[171] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 132-133.
[172] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 98.
[173] Outra analogia dada pelos calvinistas é de dois trilhos de uma ferrovia que se encontram na eternidade, e que agora parecem não se encontrar. A falha nessa analogia é óbvia: os trilhos não se encontram, e se eles se encontram “na eternidade” é mera suposição (ou seja, é um mistério usado para explicar outro mistério!). Até o calvinista Sproul rejeitou essa analogia.
[174] O mais interessante de tudo é que se um arminiano se opõe a uma doutrina calvinista (como o determinismo, por exemplo) com base no “mistério”, ele é taxado pelos calvinistas de “antibíblico”, mas os calvinistas fazem o mesmo com a sua própria doutrina e não querem ser taxados do mesmo. Se o “mistério” fosse alguma refutação, toda a apologética seria inútil e desnecessária e este livro não teria razão de existir – bastaria dizer que eu sou arminiano e a razão para isso é um “mistério”.
[175] O décimo será um determinista.
[176] Joseph M. Wilson, “Does Prayer Change Things?” The Baptist Examiner, 8 de junho de 1991, p. 8.
[177] James O. Wilmoth, David S. West e Dan Phillips, em “The Baptist Examiner Forum II,” The Baptist Examiner, 18 de fevereiro de 1989, p. 5.
[178] James O. Wilmoth, David S. West e Dan Phillips, em “The Baptist Examiner Forum II,” The Baptist Examiner, 18 de fevereiro de 1989, p. 5.
[179] C. .S. Sproul. A Oração Muda as Coisas? Editora Fiel: 2012, p. 50.
[180] James O. Wilmoth, David S. West e Dan Phillips, em “The Baptist Examiner Forum II,” The Baptist Examiner, 18 de fevereiro de 1989, p. 5.
[181] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[182] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[183] WESLEY, John. Graça Livre, XVIII.
[184] WESLEY, John. Graça Livre, XI.
[185] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 161.
[186] Maurício Zágari. Um demônio chamado procrastinação. Disponível em: <http://apenas1.wordpress.com/2014/02/05/um-demonio-furioso-chamado-procrastinacao/>
[187] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 185.
[188] Almeida Corrigida, Revisada e Fiel.
[189] Nova Versão Internacional.
[190] Disponível em: <http://sempredestinacao.wordpress.com/2013/11/10/escrito-e-determinado/>
[191] Mesmo que a tradução correta fosse a fornecida pelos calvinistas em suas versões mais modernas, isso ainda não provaria o determinismo calvinista, visto que isso que foi escrito poderia se referir aos atos livres do ser humano que Deus, por sua presciência, sabia que seriam praticados livremente, e não por um decreto à parte das ações humanas.
[192] FEINBERG, John Samuel. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 55.
[193] Alvin Baker, citado em Vance, O Outro Lado do Calvinismo.
[194] REICHENBACH, Bruce. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 73.
[195] Os problemas para o determinista que pretende usar este texto vão muito além disso, pois Efésios 1:11 não diz apenas que Deus faz tudo com um propósito, mas também de acordo com a vontade dele. Sendo assim, se Deus determina tudo e é isso o que Efésios 1:11 está dizendo, então tudo o que Deus determina ele determina porque essa foi a vontade dele para com todas as coisas. Consequentemente, todo o mal que há no mundo, todo pecado, todo morticínio, toda imoralidade e toda violência é da vontade de Deus, já que Deus determina tudo e de acordo com a vontade dele, e não contra a sua vontade. Algo que faria de Deus realmente um monstro moral.
[196] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[197] GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.
[198] Dr. E. Lund, Hermenêutica: Regras de Interpretação das Sagradas Escrituras. Editora Vida, 1968.
[199] Charles Hodge, A Commentary on Romans (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1972), p. 316.
[200] O Novo Testamento usa menos hebraísmos porque foi escrito em grego, e não em hebraico. Por isso, Paulo disse aos coríntios que “não quero apenas vê-los e fazer uma visita de passagem; espero ficar algum tempo com vocês, se o Senhor permitir” (1Co.16:7), e não se o Senhor tiver determinado aquilo.
[201] Francois Wendel, Calvin: Origins and Development of His Religious Thought, trad. Philip Mairet (Grand Rapids: Baker Books, 1997), p. 360.
[202] Iremos dedicar um tópico neste capítulo para tratar melhor sobre o indeterminismo arminiano.
[203] FEINBERG, John Samuel. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 48.
[204] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 80.
[205] Veremos mais sobre isso no capítulo 5, sobre a “Graça Irresistível”.
[206] HENRIQUE, Flávyo. O que é livre-arbítrio? Disponível em: <http://www.palavradepaz.com.br/listartigo.aspx?id=1020>
[207] EDWARDS, Jonathan. Freedom of the Will, p. 142.
[208] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 41.
[209] FEINBERG, John Samuel. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 41.
[210] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 149.
[211] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 28.
[212] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 23.
[213] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 28.
[214] GEISLER, Norman. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 64.
[215] No próximo tópico iremos analisar se, de fato, os calvinistas moderados obtém sucesso em sua tentativa de conciliar livre-arbítrio e responsabilidade humana com o determinismo.
[216] EDWARDS, Jonathan. Freedom of the Will, 411 – 12.
[217] Gordon H. Clark, Predestination (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1987), p. 144.
[218] GEISLER, Norman. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 66.
[219] GEISLER, Norman. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 97.
[220] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 208.
[221] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 133.
[222] (OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 151.
[223] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 68.
[224] O responsável, na verdade, era Caifás, que entregou Jesus a Pilatos.
[225] (REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 70-71.
[226] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 71.
[227] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 265.
[228] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 263.
[229] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 79.
[230] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 72.
[231] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 118.
[232] (REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 71.
[233] GEISLER, Norman. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 65.
[234] GEISLER, Norman. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 65.
[235] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 76.
[236] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 49-50.
[237] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[238] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[239] ARMINIUS, “Public Disputations”, Works, v. 2, p. 152.
[240] ARMINIUS, “Oration II”, Works. v. 1, p. 363.
[241] WITT, William. Creation, Redemption and Grace in the Theology of Jacobus Arminius. Indiana, University of Notre Dame, 1993. Dissertação de Doutorado. p. 419.
[242] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 132.
[243] WESLEY, John. On Divine Providence, in ODEN, Thomas C. John Wesley’s Scriptural Christianity, p. 116.
[244] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 50.
[245] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 96.
[246] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 151.
[247] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 127.
[248] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 49.
[249] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 152-153.
[250] Ed René Kivitz. Entenda as vontades de Deus. Disponível em: <http://www.entaopense.com.br/?p=365>
[251] Ed René Kivitz. Entenda as vontades de Deus. Disponível em: <http://www.entaopense.com.br/?p=365>
[252] Quando dizemos que Deus não pode contrariar a lógica estamos simplesmente alegando que Deus não pode criar um homem que seja solteiro e casado, ou um número que seja par e ímpar ao mesmo tempo, ou um triângulo quadrado. Uma contradição de termos continua sendo uma contradição de termos mesmo quando se inclui Deus na jogada. É por isso que a charada tão famosa dos ateus, onde perguntam se Deus pode criar uma pedra tão grande que ele não possa carregar, não tem sentido algum – é o mesmo que perguntar se Deus pode fazer alguma coisa que ele pode fazer. Isso não é uma “coisa”, mas uma contradição irracional, é uma “não-coisa”, e Deus pode fazer todas as coisas.
[253] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 170.
[254] Richard Rice, “Divine Foreknowledge and Free-Will Theism” em Pinnock, The Grace of God, 127.
[255] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 139.
[256] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 299.
[257] Robert E. Picirilli, Presciência e a Morte de Cristo, p. 3.
[258] Robert E. Picirilli, Presciência e a Morte de Cristo, p. 3.
[259] WESLEY, John. Sermão sobre a Predestinação, 5.
[260] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 74.
[261] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 139.
[262] Stephen Charnock, Discourses Upon the Existence and Attributes of God, p. 450.
[263] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 47.
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