“Então, estando dois no campo, será levado um, e deixado o outro” (Mateus 24:40)
Os pré-tribulacionistas lêem este versículo tendo por base a trilogia “Deixados para Trás”, que se tornou um famoso filme “cristão” que retrata o Apocalipse conforme o ponto de vista dispensacionalista, segundo o qual os que serão “levados” diz respeito aos crentes que serão arrebatados ao Céu e não passarão pela tribulação, ao passo que os que serão “deixados” serão aqueles ímpios que ficarão sofrendo sete anos de grande tribulação na terra. E essa versão cinematográfica ganha cada vez mais espaço na mente de muitos pastores que ensinam ao povo essa interpretação, de que o “levados” diz respeito aos salvos e o “deixados” diz respeito aos ímpios.
É inegável que, ao olharmos para este texto com a ótica que temos hoje através da trilogia e do recente surgimento do pré-tribulacionismo, parece que uns são levados para o Céu e outros deixados para sofrerem aqui na terra. Mas quando observamos atentamente o contexto das palavras de Jesus, vemos exatamente o contrário. Por incrível que pareça, os que são deixados são os salvos, e os que são levados são os ímpios!
Vejamos o contexto:
Mateus 24
37 E, como foi nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do homem.
38 Porquanto, assim como, nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca,
39 E não o perceberam, até que veio o dilúvio, e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do homem.
40 Então, estando dois no campo, será levado um, e deixado o outro;
41 Estando duas moendo no moinho, será levada uma, e deixada outra.
Note que o texto diz exatamente o inverso daquilo que os pré-tribulacionistas ensinam. No texto, os que são “levados” não são os salvos, são os ímpios! Jesus diz que o dilúvio “levou a todos”, isto é, aqueles que haviam sido condenados pelo pecado. E ele diz que, da mesma forma, um seria levado e outro deixado. Portanto, o “levados” se aplica aos ímpios que serão condenados e morrerão. E, da mesma forma que o justo Noé e sua família foram deixados aqui na terra enquanto os ímpios foram levados pelo dilúvio, igualmente os salvos serão deixados aqui para viverem o milênio junto a Cristo, nesta terra.
Note que Jesus diz no verso 37: “assim também será”; ou seja, da mesma forma que foi exposto na analogia feita por Ele. Sendo assim, estabelecer que o “levado” se refira aos ímpios na analogia e aos crentes na analogia mas diferentemente ocorrerá no fim dos tempos (i.e, o “levados” e o “deixados” se invertendo de posição) é desfazer a aplicação da analogia, e neste caso Cristo teria dito que “diferentemente de como foi nos dias de Noé...”, e não: “assim como foi nos dias de Noé...”.
O “assim como” e o “da mesma forma” que estão no verso 37 não deixam dúvidas de que o “levados” e o “deixados” tem que se referir às mesmas coisas ou senão toda a analogia iria para a lata do lixo. Ela perderia o sentido e por este prisma não seria uma analogia, mas uma antítese, quebrando a lógica do verso 37.
Em Lucas, vemos novamente pelo contexto que os ímpios não ficarão vivos por mais sete anos sofrendo aqui na terra; ao contrário, serão mortos:
Lucas 17
26 E, como aconteceu nos dias de Noé, assim será também nos dias do Filho do homem.
27 Comiam, bebiam, casavam, e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e veio o dilúvio, e os consumiu a todos.
28 Como também da mesma maneira aconteceu nos dias de Ló: Comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam;
29 Mas no dia em que Ló saiu de Sodoma choveu do céu fogo e enxofre, e os consumiu a todos.
30 Assim será no dia em que o Filho do homem se há de manifestar.
Ao invés de Jesus dizer que na Sua volta os ímpios serão deixados vivos aqui na terra para sofrerem mais sete anos de grande tribulação enquanto os justos são arrebatados, ele afirma exatamente o contrário: que os ímpios serão consumidos, isto é, serão mortos, deixarão de existir. Assim como foi no dilúvio, que consumiu (tirou a vida) a todos os ímpios, e com Sodoma e Gomorra, onde o fogo devorador consumiu a todos os ímpios que lá viviam, ele diz que assim também será na volta do Filho do homem!
Portanto, nada de crentes escapando da tribulação sete anos antes do fim dela e dos ímpios sendo deixados em vida; ao contrário, a linguagem é de aniquilamento dos ímpios. Isso também é confirmado e reforçado nos versos seguintes, em que Cristo diz:
“Duas mulheres estarão moendo trigo juntas; uma será tirada e a outra deixada. Duas pessoas estarão no campo; uma será tirada e a outra deixada. ‘Onde, Senhor?’, perguntaram eles. Ele respondeu: ‘Onde houver um cadáver, ali se ajuntarão os abutres’” (Lucas 17:35-37)
Mais uma vez é reforçado o pensamento de que os “levados” e “deixados” não se referem a pessoas que subirão para o Céu e outras que serão deixadas vivas na terra, mas fala de cadáveres, de onde se ajuntam os abutres, ou seja: de pessoas mortas, e não deixadas em vida. Interessante também é notarmos a parábola do joio e do trigo, com sua devida interpretação (Mt.13:23-42). Jesus diz que primeiro o joio é jogado fora, e somente depois o trigo é recolhido no celeiro:
“Deixem que cresçam juntos até à colheita. Então direi aos encarregados da colheita: Juntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro” (Mateus 13:30)
Notem que primeiro é recolhido o joio (ímpios) para ser queimado, e somente depois é que o trigo (justos) é recolhido no celeiro (Jerusalém celestial). Aí veio John Darby e começou a querer mudar tudo o que Cristo disse. Para ele, os justos serão recolhidos por primeiro, sendo arrebatados ao Céu sete anos antes do fim da grande tribulação, enquanto os ímpios serão “deixados para trás” aqui na terra, esomente sete anos mais tarde é que eles serão recolhidos. Gyordano Montenegro também realça este ponto, dizendo:
“A cena é bastante clara: o Senhor não permitirá que o joio ou o trigo sejam arrancados até o momento certo, até a hora da ceifa, quando enviará seus anjos. Primeiro arrancará o joio (v. 30), os ímpios, para condenar; e então recolherá em seu celeiro o trigo, os filhos. A descrição da cena é a mesma do sermão profético: a ceifa é realizada por anjos. Se a descrição coincide, e se a Parábola do Joio é incompatível com um ‘arrebatamento secreto de trigo’ (que só poderia, nessas condições, ser feita por alguém desobediente à ordem do Senhor, que disse ‘Não’), então o sermão profético também não pode admitir um ‘arrebatamento secreto’”[1]
Ou seja, de acordo com a visão de Jesus, os ímpios serão recolhidos antes dos justos, mas, de acordo com o pré-tribulacionismo de Darby, os justos é que serão recolhidos antes. Isso desfaz toda a interpretação dispensacionalista popularizada por Darby e pela trilogia cinematográfica dos “Deixados para Trás”. E como eu creio que Jesus é alguém muito mais confiável que John Darby ou roteiristas de cinema, prefiro ficar com as palavras de Cristo.
Ainda considero o filme “Deixados para Trás” uma obra de ficção científica muito bem elaborada, como poucos no meio cristão, com um bom roteiro e bons atores. Mas repito: como ficção científica, e não como uma história bíblica, como são os filmes de Noé, José, Davi, Moisés, etc. Quem assisti-lo já sabendo da verdade da Palavra de Deus poderá desfrutar de uma boa ficção científica, assim como assiste Star Wars (“Guerra nas Estrelas”), mas quem assisti-lo pensando estar vendo uma fiel descrição dos relatos apocalípticos irá se deparar com uma grande heresia.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli.
[1] MONTENEGRO, Gyordano Brasilino. O Sermão Profético e os dispensacionalistas. Disponível em: <http://cristianismopuro.blogspot.com.br/2012/05/o-sermao-profetico-e-os.html>. Acesso em: 16/12/2013.
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